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Crucificação: a abominável humilhação retomada pelo Estado Islâmico

A punição imposta pelos jihadistas remete às barbáries cometidas nos primórdios das civilizações e funciona como eficaz propaganda do poder do autoproclamado califado

Por Edoardo Ghirotto
11 jul 2015, 14h11

“Ficarão crucificados o dia todo e serão castigados com 70 chicotadas por romper o jejum do Ramadã”, diz a mensagem estampada nos cartazes que a polícia do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) pendurou nos pescoços de dezessete pessoas que foram crucificadas na Síria. A selvageria foi acompanhada por uma multidão que, não satisfeita com a humilhação das vítimas, zombou dos crucificados e atirou pedras contra eles. É difícil crer que execuções dessa natureza foram perpetradas há poucos dias, e não nos primórdios da civilização.

A crucificação carrega uma simbologia especial no Ocidente por remeter às passagens bíblicas que narram a morte de Jesus Cristo. Mas a punição já era usada em larga escala muito antes do veredicto acatado por Pôncio Pilatos. Historiadores acreditam que os romanos aprenderam a crucificar os prisioneiros em Cartagena, dominada em 149 a.C. A condenação era aplicada principalmente contra pessoas desprovidas de direitos, como os escravos e agitadores políticos e religiosos que ameaçavam a autoridade do Império Romano. Foram crucificados, por exemplo, aproximadamente 6.000 rebeldes que lutaram na rebelião iniciada pelo gladiador Espártaco. A prática também era comum no Império Persa, onde o rei Dario I crucificou cerca de 3.000 oponentes na Babilônia.

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Na Roma antiga, o condenado tinha os braços presos a um pedaço de madeira horizontal e era flagelado e ridicularizado por multidões até chegar ao ponto de execução. No local, uma estaca fincada na terra continha as inscrições com o nome e o crime cometido pelo prisioneiro. Mãos e pés eram pregados na madeira e depois de crucificado, o condenado tinha as roupas rasgadas para ampliar a humilhação. O suplício durava, em média, doze horas. A causa da morte geralmente era exaustão ou parada cardíaca. Em alguns casos, as autoridades concordavam em quebrar as pernas do crucificado para acelerar a morte. O corpo, então, ficava exposto até que virasse comida para pássaros e outros animais.

A brutalidade era tamanha que os próprios romanos evitavam deixar registros do uso da crucificação. “Isso é importante porque, embora a crucificação fosse uma prática comum, os escritores não a discutiam em detalhes e não vemos sua representação na arte romana”, diz Felicity Harley-McGowan, especialista no cristianismo antigo e em arte medieval pela Universidade de Yale. “A elite intelectual romana considerava a crucificação uma prática associada aos bárbaros, não a uma sociedade civilizada”, afirma.

Os primeiros retratos da punição na antiguidade remetem justamente à morte de Jesus Cristo e visam à imortalização do episódio. O imperador romano Constantino, o primeiro a se converter ao cristianismo, aboliu a crucificação por volta do século 4 d.C. em respeito à religião. Por mais que a proibição tenha sido respeitada nos anos que se seguiram, a crucificação ressurgiu na Idade Média como uma forma de reforçar o controle das autoridades sobre o comportamento da população.

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Barbárie – Séculos de história e evolução da humanidade separam o Império Romano do califado de terror autoproclamado pelo EI na Síria e no Iraque. Mas não são muito diferentes os motivos que levaram ambos a adotar uma forma tão brutal de execução e humilhação. “Sabemos por várias fontes que a crucificação era empregada pelos romanos com objetivo de dissuasão. As pessoas eram crucificadas em espaços públicos, geralmente nos portões das cidades ou na beira de estradas, para maximizar a visibilidade da execução. A prática era uma espécie de espetáculo visual”, afirma Felicity.

À rede CNN, o professor assistente de estudos islâmicos da Universidade Estadual da Geórgia, Abbas Barzegar, disse que esses atos violentos são “parte de uma campanha fundamentalista de retomada de símbolos antigos”. “As punições desse tipo raramente foram vistas no mundo muçulmano nos séculos recentes”, ressaltou Barzegar. Os jihadistas do EI vêm sistematicamente usando as crucificações – visualmente chocantes, fisicamente crueis e moralmente humilhantes – como forma de propaganda para aterrorizar as populações locais e também o Ocidente, pois sabem que as imagens dos corpos crucificados correm o mundo. “O EI precisa anexar um significado às suas mortes. Cometer meros assassinatos em um estado constante de guerra carece de valor. Eles precisam promover uma mensagem de propaganda por trás do que estão fazendo”, conclui Barzegar.

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