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No Morro do Bumba, a ferida aberta da tragédia

Moradores voltaram para áreas com risco de deslizamento, onde a chuva traz cascalho dos barrancos e o solo exala o cheiro de lixo tóxico

Por Aline Erthal, do Rio de Janeiro
4 jan 2011, 10h45

“Uma coisa é a morte súbita, causada por um deslizamento, que faz manchete nos jornais. Outra é a morte subreptícia, por envenenamento e pela falta de condições apropriadas de moradia. A morte de todo dia vem em doses homeopáticas para quem vive nas favelas do estado do Rio. Ao levar água, luz etc para essas áreas, o poder público oficializa o inaceitável”, critica o engenheiro Paulo Cesar Rosman, resumindo, com precisão, a origem da tragédia do Bumba

“Caiu tudo: o morro e a vida da gente. As autoridades prometeram fazer e acontecer. Depois, esquecerem de nós. Vamos ver quantos vão morrer desta vez”. A indignação de Cleonice Ritter, auxiliar de enfermagem, é justificada. Ela mora no Morro do Bumba, em Niterói, onde o cenário depois da tragédia de abril ainda é desolador. Além das famílias que continuam morando em situação de risco, diversos outros problemas fazem da vida dos moradores um suplício cotidiano.

O governo do Estado previa para o fim do ano a conclusão de obras em encostas e ruas de Niterói. Porém, uma rápida caminhada pelo Bumba evidencia barrancos de vários metros de altura totalmente desprotegidos e ruas destruídas. Em alguns pontos, restos de asfalto na beira de encostas permitem a passagem apenas de pedestres, que se assustam com as rachaduras. “Para onde vai o dinheiro, se aqui ainda está tudo despencando?”, pergunta Volcenira Pimentel, costureira.

Marta Guimarães, moradora de uma casa ameaçada por uma íngreme encosta, é obrigada a dormir em uma igreja quando a chuva aperta. “Aqui é que nem dominó. Se o barranco cair, leva a minha casa e todas as que estão embaixo”, diz. Ela conta que as chuvas da última semana de outubro chegaram a deslocar um bocado de terra, amedrontando a vizinhança.

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Os moradores queixam-se da falta de assistência do poder público no local. “Depois que a poeira baixou, ninguém veio saber da gente, conferir como estão as casas. Nem para saber se tínhamos saído mesmo ou não. Aqui não chega mais conta de luz, não recolhem o lixo, os Correios não passam mais. Estamos esquecidos e abandonados”, diz Volcenira.

Juciara no que sobrou de um calçamento: remoções e aluguel social não resolveram o problema nas áreas afetadas pela tragédia de abril
Juciara no que sobrou de um calçamento: remoções e aluguel social não resolveram o problema nas áreas afetadas pela tragédia de abril (VEJA)

Gilsara Grijó tem uma história parecida – e igualmente triste. Com o deslizamento do Bumba, a água que chegava à casa de Gilsara ficou contaminada, com cor escura, mau cheiro e detritos sólidos. Desde julho, ela e outras quatro famílias pediam uma solução à concessionária Águas de Niterói. A empresa veio, mas só na quinta-feira da semana passada – depois de a equipe do site de VEJA entrar em contato com a instituição para fazer esta reportagem, em dezembro. “Eles chegaram aqui perguntando se era eu quem tinha dado a entrevista. É impressionante como as coisas só se resolvem quando a imprensa noticia”, reclama a auxiliar de enfermagem.

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Outra queixa frequente diz respeito a problemas respiratórios causados por gases que ainda estariam sendo liberados do local onde ocorreu o desabamento – um antigo depósito de lixo, onde a decomposição de matéria orgânica pode gerar esse tipo de contaminação por algumas décadas. “Uma coisa é a morte súbita, causada por um deslizamento, que faz manchete nos jornais. Outra é a morte subreptícia, por envenenamento e pela falta de condições apropriadas de moradia. A morte de todo dia vem em doses homeopáticas para quem vive nas favelas do estado do Rio. Ao levar água, luz etc para essas áreas, o poder público oficializa o inaceitável”, critica o engenheiro Paulo Cesar Rosman, resumindo, com precisão, a origem da tragédia do Bumba.

Preocupados com as chuvas de verão, os moradores aguardam ansiosos a construção dos 180 apartamentos anunciados pela secretaria estadual de Obras em Viçoso Jardim, perto do Morro do Bumba. A promessa é que eles estejam concluídos até janeiro. No terreno de 5 mil metros quadrados, porém, não há um tijolo sequer. O local está vazio: não há máquinas, homens trabalhando ou material de construção. “Esses apartamentos são para desabrigados daqui e do Morro do Céu. Mas tem muito mais gente que perdeu a casa. Eles não vão dar nem para o começo”, lamenta Marta.

O terreno onde o morro desabou está sendo estabilizado. Para depois das obras, a Secretaria Estadual de Ambiente promete a construção de uma grande área de lazer no pé do morro, com anfiteatro, quadras de esportes e um memorial. Proposta que nem de longe tem a simpatia da população: “Ninguém entendeu essa ideia. Nós não temos creche, posto de saúde, não temos nem casa para as pessoas morarem. E eles resolvem construir uma praça com um memorial para lembrarmos de quem morreu! E isso alguém poderia esquecer?”, revolta-se Patrícia de Carvalho, lojista.

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