A Agência Brasileira de Inteligência reagiu com a abertura de uma investigação interna à revelação, por uma reportagem de VEJA desta semana, que seus arapongas grampearam clandestinamente altas autoridades do governo. Em nota, a agência prometeu realizar uma sindicância interna para apurar o envolvimento de seus agentes com as escutas ilegais, cujo alcance chegou ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, como comprova um diálogo entre ele e o senador Demóstenes Torres obtido por VEJA.
Além desta apuração, a Abin diz que pretende pedir ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Jorge Félix, que acione a Procuradoria Geral da República e o Ministério da Justiça, para que ambos também investiguem o caso. Na noite deste sábado, o próprio Ministério da Justiça informou que vai apurar a existência dos grampos. Antes de qualquer inquérito, porém, o ministro Tarso Genro partiu para o ataque ao funcionário da Abin que revelou as escutas a VEJA. Tarso tentou desqualificar o servidor, ao afirmar que ele ¿deve ter um tipo de interesse em mascarar problemas que esteja enfrentando com a lei¿.
Gilmar Mendes, por sua vez, pretende cobrar diretamente do presidente Lula esclarecimentos sobre os grampos clandestinos em seu gabinete. As escutas ilegais da Abin provocaram o cancelamento de uma viagem que Mendes faria neste sábado à Coréia do Sul. De acordo com a assessoria do STF, ele já conversou com Lula. Os dois acertaram um encontro para esta segunda-feira, no início da manhã, no Palácio do Planalto.
“O próprio presidente Lula deve ser chamado às falas”, disse o chefe do poder Judiciário. Após conversa com o vice-presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, Mendes decidiu convocar uma reunião com os outros dez ministros da Corte já na segunda-feira, para que seja elaborada uma resposta oficial do STF ao que ele considera um “atentado à democracia”.
Nesta tarefa, o Supremo pode contar com o apoio do senador Garibaldi Alves, presidente do Congresso, que também foi alvo de grampo ilegal, segundo o funcionário da Abin. Garibaldi pretende procurar Mendes para articular uma reação conjunta do Legislativo com o Judiciário. Seu discurso é parecido com o de Mendes: “O presidente Lula terá que tomar providências. Ele tem um papel decisivo no sentido de afastar qualquer possibilidade de que o seu núcleo de poder esteja patrocinando e incentivando isto”, declarou.
A prova ¿ VEJA teve acesso a um conjunto de informações e documentos que não deixam dúvida: agentes da Abin espionaram no mês passado o gabinete do presidente do Supremo e grampearam todos os seus telefones. A principal evidência é um diálogo telefônico de pouco mais de dois minutos entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres, gravado na tarde do dia 15 de julho passado. A conversa não tem nenhuma relevância temática, mas é a prova cabal de que espiões do governo invadiram a privacidade do magistrado e do parlamentar, desrespeitando a lei.
O diálogo entre o senador e o ministro foi repassado à revista por um servidor da própria Abin sob a condição de manter o anonimato de sua identidade. O relato do araponga é estarrecedor. Segundo ele, a escuta clandestina feita contra o ministro Gilmar Mendes, longe de ser uma ação isolada, é quase uma rotina em Brasília. Os alvos quase sempre ocupam postos importantes.
Outros grampeados ¿ Somente neste ano, de acordo com o funcionário, apenas em seu setor de trabalho já passaram interceptações telefônicas de conversas do chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e de mais dois ministros que despacham no Palácio do Planalto ¿ Dilma Rousseff, da Casa Civil, e José Múcio, das Relações Institucionais. No Congresso, a lista é ainda maior. Segundo o araponga, foram grampeados os telefones do presidente do Senado, Garibaldi Alves e dos senadores Arthur Virgílio, Álvaro Dias e Tasso Jereissati, todos do PSDB, além do petista Tião Viana. No STF, além de Gilmar Mendes, o ministro Marco Aurélio Mello também teve os telefones grampeados.
O diálogo em poder da Abin foi apresentado ao ministro Gilmar Mendes e ao senador Demóstenes Torres. Ambos confirmaram o teor da conversa, a data em que ela aconteceu e reagiram com indignação. ¿Não há mais como descer na escala da degradação institucional. Gravar clandestinamente os telefones do presidente do Supremo Tribunal Federal é coisa de regime totalitário. É deplorável. É ofensivo. É indigno¿, disse o ministro.
Leia na íntegra da reportagem como os arapongas federais estão grampeando altas autoridades dos três Poderes.