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Deputado do PT oferece “honorários” a conselheiro da Anatel para atuar a favor da Oi

Autor da proposta indecente, Vicente Cândido é considerado "petista orgânico" e tem, entre seus amigos, sócios da empresa de telefonia, que tem interesse em resolver a situação de multas superiores a 10 bilhões de reais

Por Rodrigo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 24 ago 2013, 10h02

No fim de 2008, uma canetada do então presidente Lula permitiu a compra da Brasil Telecom pela Oi, uma das mais complexas e questionadas transações do mercado brasileiro nos últimos tempos. A assinatura aposta por Lula no decreto que abriu caminho para o negócio foi justificada com um argumento repleto de ufanismo: era preciso criar um gigante nacional no setor de telecomunicações para competir em condições de igualdade com as concorrentes internacionais. A operação bilionária foi cercada de polêmica por outras razões. Primeiro, porque a Oi fechou o negócio graças a um generoso financiamento público. Além disso, a empresa tinha e tem entre seus controladores o empresário Sérgio Andrade, amigo do peito de Lula desde os tempos em que o petista era um eterno candidato a presidente. E a mesma Oi, três anos antes, investira 5 milhões de reais na Gamecorp, uma empresa até então desconhecida pertencente a um dos filhos do presidente. À parte as polêmicas, a supertele nacional não decolou como planejado e o discurso nacionalista logo caiu por terra – e com a ajuda do próprio petista, que meses antes de deixar o Planalto criou as condições para que a Portugal Telecom comprasse uma parte da companhia.

Com o passar do tempo, porém, a Oi perdeu valor de mercado, viu aumentar suas dívidas em proporções cavalares e hoje enfrenta sérias dificuldades para investir, o que para uma empresa do ramo de telecomunicações é quase como uma sentença de morte. O destino da companhia é motivo de preocupação para o governo e para o ex-presidente Lula. Em especial, pela possibilidade de o insucesso da empresa causar danos políticos às portas de uma campanha presidencial em que o PT pretende estender sua permanência no poder. Como explicar a ruína de um megaprojeto liderado pela maior estrela do partido e bancado em grande medida com dinheiro dos cofres públicos? Uma tarefa difícil, certamente. É legítimo que haja um esforço para ajudar uma empresa nacional. É legítimo que esse esforço também envolva agentes políticos. O que não é legítimo é a solução do problema passar por lobbies obscuros, negociatas entre partidos e até uma criminosa proposta de pagamento de propina a um servidor público em troca de uma ajuda à empresa – episódio que aconteceu no início do mês nas dependências do Congresso Nacional, em Brasília, envolvendo o deputado federal Vicente Cândido, do PT de São Paulo, e o conselheiro Marcelo Bechara, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Indicado para o cargo pelo PMDB, em 6 de agosto Marcelo Bechara foi ao gabinete do deputado depois de receber um telefonema do parlamentar convidando-o para uma visita. Entre uma conversa e outra, Cândido engrenou o assunto principal: a cobrança de multas bilionárias aplicadas à Oi pela agência. Advogado por formação, Bechara é conhecido por sua capacidade de formatar soluções jurídicas para questões aparentemente insolúveis. Ele fora o relator de uma proposta que pode dar um alívio e tanto ao combalido caixa da empresa e que será debatida em breve no conselho diretor da Anatel. A proposta regulamenta a cobrança de multas aplicadas às companhias telefônicas. As da Oi, atualmente, somam mais de 10 bilhões de reais – uma cifra astronômica em todos os aspectos, ainda mais se comparada ao valor de mercado da companhia, estimado em menos de 8 bilhões de reais.

A discussão em curso na Anatel pode fazer com que parte do valor das multas seja convertida em investimentos para a melhora dos serviços das companhias. No caso da Oi, a depender da decisão da Anatel, estima-se que os 10 bilhões de dívida possam ser reduzidos a 3 bilhões. Para uma companhia em aperto, isso pode significar muito. Era sobre isso que Vicente Cândido queria conversar. No exercício de seu primeiro mandato na Câmara, o deputado está longe de ser um noviço na política. Fundador do PT, antes de chegar a Brasília ele exerceu seguidos mandatos de vereador e deputado estadual em São Paulo. Não à toa, tem recebido missões importantes do partido. Foi escolhido como relator da Lei Geral da Copa e, no ano passado, trabalhou na coordenação da campanha de Fernando Haddad à prefeitura paulistana. Ajudou inclusive na arrecadação. É um petista orgânico, bastante chegado a figuras de proa do partido, entre elas o próprio Lula. Foi usando o nome do ex-presidente que ele tocou no assunto mais candente de sua conversa com Bechara. Disse que Lula está muito preocupado com o futuro da Oi e enumerou algumas medidas consideradas pela empresa como soluções ideais. Por fim, sem cerimônia, sacou a caneta e escreveu num papel: “honorários?”. O deputado queria saber quanto o conselheiro cobraria para ajudar na empreitada. O deputado ofereceu propina.

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Bechara reagiu à oferta. Disse que até concordava com as ponderações e as medidas apresentadas pelo parlamentar, mas que não queria dinheiro. O clima ficou tenso. O conselheiro deixou o gabinete irritado. Na sequência, preocupado com as implicações do episódio, confidenciou o ocorrido a algumas pessoas de seu círculo mais próximo. Na semana passada, procurado por VEJA, Bechara confirmou o teor da conversa. Disse ele: “Eu reagi com estranheza à abordagem do deputado. Preferi fingir que não entendi. Isso está distante da minha realidade”. Apesar do imbróglio, o deputado e o conselheiro se encontraram novamente no último dia 12. Mais uma vez, o encontro foi no gabinete de Vicente Cândido. Dessa vez, o deputado entregou a Bechara um envelope que continha um documento timbrado da Jereissati Participações, acionista da Oi, elencando formalmente as pretensões da companhia junto à Anatel – entre as quais o “imediato cancelamento de 80% das multas” e uma mudança “urgente” na norma que obriga as telefônicas a manter quatro telefones públicos para cada grupo de 1 000 habitantes nas regiões onde operam. Naquele mesmo dia, Vicente Cândido teve um encontro reservado com Lula na área de hangares do aeroporto de Brasília. Ele nega que naquela reunião tenha conversado com o ex-presidente sobre a recuperação da Oi.

Indagado sobre a proposta indecente, o deputado admitiu ter perguntado ao conselheiro Bechara sobre os tais “honorários”. Num primeiro momento, reagiu com surpresa à pergunta. Parou para pensar uns instantes e saiu-se com uma explicação mal-ajambrada: “Eu queria saber se ele tinha honorários”. O porquê disso ele não explica. Cândido também disse que é amigo de importantes sócios da Oi e que, por isso, tem atuado em favor da companhia. Ele garante que não é remunerado pelo serviço, embora admita receber doações de campanha de empresas que têm participação na telefônica – algumas dessas doações, ele mesmo pondera, por via indireta. “Tem doação que não aparece porque vai para o partido e é o partido que repassa.” Sobre a parte em que falou em nome de Lula, o parlamentar disse: “O que eu falei foi que o presidente Lula está preocupado com a empresa”. Além da ofensiva junto à Anatel, Vicente Cândido se moveu em outras frentes em defesa da companhia. Ele esteve com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, para tratar dos processos nos quais a Oi está sendo executada judicialmente para pagar dívidas com o governo (essa conta soma outros 2,5 bilhões de reais). A empresa quer que a União deixe de exigir depósitos em dinheiro como garantia de pagamento. Adams, segundo o próprio deputado, ficou de estudar o assunto.

A Oi nega que Vicente Cândido esteja oficialmente autorizado a defender os interesses da companhia. Diz que mantém com ele “a mesma relação institucional que tem com todos os representantes das diversas instâncias dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, fóruns setoriais, agências reguladoras, autarquias e organismos representativos de setores da sociedade”. Também afirma que “não tem relação com nenhum deputado fora deste contexto”. Há outras poderosas frentes de atuação no esforço concentrado para ajudar a Oi. Coincidência ou não, as “ideias” defendidas pelo deputado são semelhantes às propostas elaboradas por outro conhecido aparelho de lobby de Brasília – o escritório da ex-ministra Erenice Guerra, demitida do governo sob suspeita de corrupção. Erenice tem em sua equipe um time que inclui ex-altos funcionários da Anatel e que também preparou um conjunto de iniciativas destinadas a salvar a Oi. A ex-ministra se vende como alguém ainda muito influente no governo, com especial ascendência sobre o setor elétrico e de telecomunicações. Nisso, ela não mente. Seu escritório é frequentado por figuras graúdas do governo. Em abril, quando ultimava a proposta apresentada à Oi, quem esteve lá foi Elisa Peixoto, ex-assessora especial do Ministério das Comunicações e agora comandante de uma das principais superintendências da Anatel, por indicação do PT. “Eu fui visitar uma amiga que trabalha lá e nem sabia que o escritório era da ex-ministra”, explica-se Elisa. Quem conhece a turma diz que a visita não foi apenas cortesia. A Oi garante que não contratou os serviços de Erenice.

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A operação em favor da Oi se dá num ambiente em que os interesses públicos e privados se misturam com a mesma facilidade de uma linha cruzada. No último dia 13, uma terça-feira, conselheiros da Anatel se reuniram à noite numa mansão em Brasília para festejar o aniversário do presidente da agência, João Rezende. Lá esteve também o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. A festa, com bons vinhos, aconteceu na casa de um amigo de Rezende, um consultor de empresas de telecomunicações. Entre os convivas havia lobistas das maiores companhias do país – entre eles um diretor da Oi, Carlos Cidade. “Eu era apenas um convidado”, diz ele. O presidente da Anatel afirma que não desembolsou um centavo sequer pelo convescote em sua homenagem: “Nem sei quem arcou com as despesas”. Questionado sobre a presença de diretores das empresas que sua agência tem a obrigação de fiscalizar, ele disse: “Não lembro de ter visto ninguém”. É assim, nesse clima de harmonia, que muitas vezes se ajustam os grandes interesses – legítimos ou não, com ou sem “honorários”.

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