Por que estender é com ‘s’ e extensão, com ‘x’?
Caro Sérgio Rodrigues, por que estender tem a letra ‘s’ na grafia enquanto extensão não tem? As duas palavras não vêm de ‘extendere’ e, portanto, deveriam vir com ‘x’?” (Marcelo Pires) A consulta de Marcelo flagra uma inconsistência ortográfico-etimológica da língua portuguesa. Uma entre muitas. As formas gráficas das palavras de nosso idioma passaram por […]
Caro Sérgio Rodrigues, por que estender tem a letra ‘s’ na grafia enquanto extensão não tem? As duas palavras não vêm de ‘extendere’ e, portanto, deveriam vir com ‘x’?” (Marcelo Pires)
A consulta de Marcelo flagra uma inconsistência ortográfico-etimológica da língua portuguesa. Uma entre muitas. As formas gráficas das palavras de nosso idioma passaram por incontáveis flutuações em seu caminho de formação, desde que, em algum momento anterior ao século 12, as deformações populares do latim vulgar começaram a dar origem aos diversos dialetos ibéricos, alguns dos quais se cristalizaram no português.
No caso em questão, é provável que uma simples disparidade de datas explique o fato de o verbo estender desrespeitar a grafia latina de extendere, enquanto o substantivo extensão respeita a da palavra correlata extensionis. Estender desembarcou em nossa língua ainda na infância, no século 13, quando, nas palavras de Said Ali em sua “Gramática histórica”, “a reminiscência do latim teria influído, porém em medida assaz limitada. Os antigos escritores não tinham preocupação etimológica”. Já extensão é fruto do português do início do século 18, “o das academias literárias”, como diz o filólogo – um idioma consolidadamente moderno, atento à cultura francesa e consciente da etimologia.
É interessante observar que, por coincidência ou mais do que isso, uma disparidade semelhante ocorre em francês, que no século 12 transformou o latim extendere no verbo étendre e, no início do 14, havia derivado de extensionis o substantivo extension – inicialmente grafado estension!
Quando se leva em conta que, no português antigo, a grafia de sapato chegou a ser çapato e a de esquerdo, ezquerdo, tem-se uma boa ideia do grau de instabilidade que, em alguns casos, acabou por se refletir na ortografia contemporânea. Um caso curioso é o dos verbos espremer (do século 14) e exprimir (do século 15): os dois saíram da mesma matriz latina, exprimire, que tinha tanto o sentido de “apertar com força, extrair” quanto o de “pronunciar, enunciar claramente”. Na partilha semântica da romanização, cada uma das duas palavras de nossa língua ficou com metade da herança.
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