Jair Bolsonaro e quilombolas: processo por “injúria racial”. Já!
Ao atacar, como atacou, uma comunidade quilombola, é evidente que o deputado incidiu em tal crime; processá-lo por racismo não daria em nada
O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), o tio desbocado do churrasco, aquele amigo grosso do seu primo esquisito, afirmou o seguinte em recente, digamos assim, “palestra” no clube A Hebraica do Rio para a vergonha dos judeus com senso de vergonha:
“Fui num quilombo, e o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas [medida comumente usada para pesar gado]. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”.
Consta que houve quem risse na plateia. A parte que não sentiu vergonha…
Dizer o quê? Leiam no arquivo do meu blog quantas vezes apontei as mistificações que dizem respeito a índios e quilombolas; vejam lá quantas vezes demonstrei que se trata apenas de mais uma maneira de atacar o produtor rural; vejam lá quantas vezes critiquei essa “antropologia da reparação” que nada tem de ciência e tudo tem de ideologia.
Mas foi isso o que fez Bolsonaro? Não! Este anti-Midas tem o poder de conspurcar todas as boas causas. Este senhor transforma ouro em merda, mas, por óbvio, jamais transformaria merda em ouro.
É evidente que a sua fala vem carregada do veneno do preconceito. E, como de hábito, ele excita os instintos primitivos de sua audiência, de sorte que mesmo judeus cujos ancestrais foram tratados como animais, consta, riram do que disse. Deve haver algum ritual de purificação para isso.
É evidente que Bolsonaro dispensou aos quilombolas o tratamento que se dispensa a animais. Ao dizer que o “afrodescendente” — uso evidentemente irônico do termo politicamente correto — “nem para procriador serve mais”, refere-se a uma prática odienta que havia no Brasil se escolher “machos reprodutores” entre os negros para trazer novos escravos ao mundo, mas de boa linhagem. Como animais.
Parece-me que não é forçar a mão da interpretação concluir que, para Bolsonaro, se um negro não serve para procriar (e, no passado, gerar escravos para os brancos), então serve pra quê?
O Ministério Público Federal abriu procedimento para avaliar se Bolsonaro será processado por racismo.
Acusação errada
Se for “racismo”, a acusação dará em nada. Bolsonaro comete outra coisa, também grave: “injúria racial”. O crime de racismo está previsto na Lei 7.716. A depender da ação do criminoso, rende pede de até cinco anos de prisão.
O crime de “injúria racial” está no Parágrafo 3º do Artigo 140 do Código Penal, a saber:
“Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
(…)
- 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa.
Qual a diferença
Basta você ler a Lei 7.716 e vai perceber quer seu espírito pede que o criminoso crie dificuldades objetivas para aqueles que são objetivos de seu ódio: impedir alguém de ter acesso a cargo público; negar emprego mesmo no setor privado em razão cor da pele ou origem; impedir o livre trânsito do indivíduo por esses mesmos motivos etc.
O Artigo 20 da lei talvez abrisse uma brecha, mas, ainda assim, seria difícil evidenciar o “racismo”: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
À diferença do que fez este mesmo senhor com o estupro, nesse caso, não vejo a “incitação”. Naquela oportunidade, sim: afinal, ele afirmou que não estupraria determinada mulher porque ela é muito feia “e não merece”. Estupro como merecimento que cabe às belas é incitamento ao crime, é claro!
De volta aos quilombolas
É claro Bolsonaro ofendeu “a dignidade e o decoro” dos quilombolas. Ainda que ele estivesse se referindo a uma comunidade apenas, o crime estaria caracterizado. Ainda que falasse de parte de tal grupo, idem. Eis o caput do Artigo 140 do Código Penal.
E usou quais elementos para isso? Aquilo que está no Parágrafo 3º do artigo: a injúria consistiu na “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.
A pena de prisão é de um a três anos, mais multa.
Tem de ser processado. Tem de ser condenado. E tem de ser a pena máxima. Afinal, seu ataque a minorias e a grupos que já são discriminados é parte de sua pantomima.
Talvez o juiz pudesse reverter a pena em trabalho comunitário… Numa comunidade quilombola.
Ah, Bolsonaro se reproduz, como sabemos. Segundo disse teve quatro homens e só de uma “fraquejada”: o quinto filho é mulher… Aliás, o bolsonarismo se reproduz em sentido amplo: três de seus filhos seguem a profissão do pai – fazem bolsonarismos por aí. Com o voto de quem gosta das barbaridades que dizem e a ajuda de Jean Wyllys.
Para encerrar
No Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, li em reportagem da Folha, alguns entusiastas presentes nesta segunda, defensores da candidatura de João Doria à Presidência, também poderiam votar em Roberto Justus e, quem sabe, em… Bolsonaro.
Pelo visto, o fórum precisa voltar ao livro-texto para entender o sentido da “liberdade”.
Afinal, não há esquerdista, por mais xucro ou eficiente (a depender do ponto de vista) que seja, que faça o estrago que Bolsonaro faz no pensamento liberal e na direita democrática. A exemplo de todo fascistoide, é ele o verdadeiro adversário do liberalismo.
É o seu “fascismo da vulgaridade” que cria empecilhos à liberdade.