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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Higienópolis: o preconceito estúpido da imprensa contra gente decente avançou para o anti-semitismo neonazista

O preconceito às avessas é uma arma política cada vez mais quente no país. Em nome do combate à discriminação, discrimina-se; em nome da igualdade, faz-se a apologia da desigualdade; em nome da crítica à insensibilidade dos ricos, exercita-se o pobrismo mais vagabundo. O “pobrismo” não se traduz por amor, admiração ou respeito pelos pobres. […]

Por Reinaldo Azevedo
Atualizado em 31 jul 2020, 12h00 - Publicado em 13 Maio 2011, 07h59

Praça Buenos Aires, em Higienópolis: todos se encontram ali e se respeitam

Praça Buenos Aires, em Higienópolis: todos se encontram ali e se respeitam

O preconceito às avessas é uma arma política cada vez mais quente no país. Em nome do combate à discriminação, discrimina-se; em nome da igualdade, faz-se a apologia da desigualdade; em nome da crítica à insensibilidade dos ricos, exercita-se o pobrismo mais vagabundo. O “pobrismo” não se traduz por amor, admiração ou respeito pelos pobres. Ao contrário: ele significa a consolidação da diferença, como se “eles”, os pobres, existissem como animais de uma outra natureza, distinta da nossa; como se fossem uma variante antropológica. É evidente, sempre chamo as coisas pelo nome, que a consolidação dessa estupidez se deu com a chegada do PT ao poder.

Posts abaixo, vemos que Lula será o animador — a palavra é essa — de um encontro de executivos de uma grande cervejaria. Não haveria nada de estranho nisso! Ocorre que ele vai, como sempre faz nesses eventos pelos quais é regiamente pago, opor a sua “verdade”, que seria a dos pobres, à verdade dos “outros”, que seria a das elites, embora o burguesão do capital alheio, hoje um milionário, esteja animando uma celebração ou encontro dos ricos. Lula é um milionário pobrista.

Essa, digamos assim, metafísica de demonização dos ricos — não os da Ambev, LG, Microsoft ou Telefonica, para os quais Lula palestreia — chegou com violência à imprensa. É uma pauta permanente. Os “ricos” atacados pelo jornalismo, é bom que fique claro, é aquela fatia da classe média que consegue ter, com muito trabalho, uma vida confortável. Ela é que seria a morada de todos os ‘valores reacionários” que o jornalismo combativo quer ajudar a destruir; afinal, descobriu-se, parte da resistência ao petismo está justamente nesse grupo, já que, conforme queríamos demonstrar, não existem motivos para que a Ambev, a Microsoft, a Telefonica ou a LG resistam a Lula e a seus bravos.

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Digamos, para pôr um tantinho de esquematismo na equação econômica, de modo a entender o processo, que os “ricos” brasileiros se dividam em dois grupos: os que pagam impostos — a classe média que apanha nos jornais, portais, revistas, TVs e rádios — e as que recebem impostos via empréstimos subsidiados do BNDES. O primeiro tende a resistir ao PT; o segundo tende a ser entusiasmadamente petista.

Pronto! Caracterizei, assim, o Zeitgeist, o espírito do tempo, que resultou na campanha mais canalha dos últimos tempos feita contra uma comunidade de pessoas decentes — na sua esmagadora maioria ao menos: refiro-me ao bairro de Higienópolis, na região central de São Paulo, onde moro há 19 anos. Está sendo estigmatizado nas chamadas redes sociais e na imprensa como um bolsão de ricos discriminadores, que querem manter distantes os pobres, para não se misturar com a gentalha.

É uma canalhice e uma indignidade. Há tantas pessoas decentes e indecentes em Higienópolis quanto na favela de Paraisópolis. Só que há uma diferença: ai daquele que sugerir que um mau-caráter da favela representa a média da população local! Se o fizesse, seria demitido. E por boas razões. Mas a fala estúpida de uma moradora de Higienópolis pode ser tomada como síntese do pensamento de seus moradores. A primeira postura é considerada “reacionária”; a segunda, “progressista”. É legítimo ser injusto em nome do progressismo; é legítimo desfigurar a justiça diante da suspeita de que ela possa ser “reacionária”.

Por que isso tudo? Todos vocês estão sabendo. A chamada Linha 6-Laranja, do Metrô, tinha previsto, inicialmente, uma estação na avenida Angélica, principal artéria que serve o bairro — onde, segundo parece, moram todos os “ricos” do Brasil. Como costuma acontecer nesses casos, houve manifestações de moradores. Alguns são contra; outros, a favor. Foi assim quando se anunciou a construção do shopping, inaugurado em 1999. Não me lembro bem, mas acho que a construção foi anunciada ali por volta de 1995. Petições contrárias à construção chegaram às minhas mãos; moradores do prédio fizeram reuniões. A principal preocupação, que se revelou procedente, era o trânsito. Como era impossível alargar ruas num bairro tipicamente residencial, densamente povoado, sem margem para qualquer reforma estrutural, haveria engarrafamentos e tal. Batata! Notem: houve um forte movimento contra um shopping destinado a receber consumidores de classe média-alta. Não era por temor de que um “exército de pobres” invadisse o nosso paraíso!

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Não assinei. Apesar dos contratempos previstos, que se provaram verdadeiros, eu era favorável à construção — até por certo espírito calculista. Achei que os imóveis do entorno iriam se valorizar, o meu inclusive. Aconteceu. Eu também acertei. Agradava-me, ademais, a idéia, e folgo com isso ainda hoje, de poder ir “ali”, a pé, e comprar o que me desse na telha. Livrarias, cinemas, roupas, cafés, restaurantes, tudo ao alcance de alguns passos.

Pois bem… A tal estação da Linha Laranja, na Angélica, ficaria, meus caros, a 650 metros — SEISCENTOS E CINQÜENTA METROS!!! — de uma outra cujo nome será, vejam que coisa!, “HIGIENÓPOLIS-MACKENZIE”. O governo do estado decidiu tirar a estação Angélica do traçado e transferi-la para o entorno do estádio do Pacaembu porque não faria sentido ter duas estações tão próximas.

Como é possível acusar todo um bairro de ser contra o Metrô quando uma das estações será construída no seu miolo, carregando, inclusive, o seu nome, sem que tenha havido qualquer protesto? Mais: quem quiser ter a prova do que é uma orquestração canalha, de natureza política, está convidado a andar pelo bairro. Procurem saber onde ficará a estação Higienópolis/Mackenzie, e vocês verão que até mesmo a construção da estação Pacaembu seria discutível. Faz-se o trajeto a pé em menos de 10 minutos. Afinal, ninguém tem a ambição de ter sempre o Metrô à porta de casa. Mais: três estações do Metrô já servem o entorno do bairro: Clínicas, Marechal Deodoro e Santa Cecília. São elas que trazem moradores de toda a São Paulo para os jogos do Coringão no Pacaembu. É lindo ver as ruas de Higienópolis tingidas de branco e preto! O alarido das sacadas quando joga o Timão evidencia sem sobra de dúvidas: o coração deste bairro é corintiano!

Difamação
Por que, então, a difamação? Por que as opiniões contrárias à construção de uma estação colada à outra foi lida como manifestação de preconceito? Uma moradora do bairro, sei lá em que circunstância, teria dito que, com a estação,  o bairro passaria a receber “gente diferenciada”, sugerindo que a estação provocaria uma mistura indesejada. Sua opinião foi tomada como média do que pensam os moradores do bairro — um dos mais democráticos que conheço, tanto quanto se possa falar assim. Ora, se os “higienopolitanos” não querem “se misturar”, por que não provocaram um levante contra a estação “Higienópolis/Mackenzie”?

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Como escrevo lá no começo, o Zeitgeist anda favorável ao arranca-rabo de classes, à satanização da classe média que é considerada “rica”. A esquerdopatia da rede começou a hostilizar o bairro, como se todos aqui quiséssemos manter distantes os pobres. O Estadão faz uma reportagem a respeito com o seguinte título: “Metrô: recusa de Higienópolis causa protestos na Web”. Como assim? “Recusa de Higienópolis?” E a estação que será instalada no miolo do bairro? O jornal reproduz como opinião respeitável o que diz um certo Rodrigo no Twitter: “A mesma elite que elogia metrô em cada esquina de Londres e Paris barra a chegada da estação em Higienópolis”. É só uma mentira! É só uma boçalidade. E o jornal dá curso à vigarice.

Churrasco de gato
No Facebook, combinou-se, em tom de pilhéria, mas muito reveladora, que se vai fazer um churrasco “de pobre” em frente ao shopping, no sábado. Atenção para o respeito que essa gente tem pelos humildes que dizem defender: a festa reuniria “farofa, carne de gato, cachorro, papagaio e som”. Entenderam? Essa gente nunca viu pobre na vida, a não ser as domésticas — parte dela, é bem possível, mora em Higienópolis e em outras regiões “ricas” da cidade. A exemplo de Lula, o animador de festinhas da burguesia, esses caras querem que os pobres se danem. São mero pretexto para exercitar rancor, ressentimento e politicagem vagabunda. “Festas de pobre”, como se vê, são feitas com “churrasco de gato”, mas não as deles, que não se consideram ricos, mas apenas “conscientes”. Já fui pobre. Come-se, nas festas da pobreza, com mais fartura, coisa que esses estúpidos esquerdistas de manual ignoram. Pobre não tem medo de engordar!

Ontem, um texto na Folha Online — hostil aos moradores de Higienópolis, claro! — era ilustrado por uma foto de José Serra diante de uma churrasqueira. Deve ter sido tirada durante a campanha. No contexto, sugeria que são os tucanos a mudar a estação de lugar só para atender à vontade dos ricos. Nota: o traçado com a estação na Angélica foi feito na gestão Serra. A mudança de lugar deve se dar na gestão Alckmin — mudança, diga-se, correta pelas razões já apontadas. E daí? Há sempre um petista-esquerdopata atrás de um cretinismo. Serra é a figura nacional mais identificada com o PSDB depois de FHC. Como o movimento tem, na raiz, uma motivação ideológica, explica-se a imagem. Inexplicável é que a Folha a divulgue sem um comentário, como se fosse um dado referencial do debate. Ou é explicável.

Anti-semitismo
Eu sei que, na grafia nova, é tudo junto, com dois esses, mas ainda não me acostumei. Adiante. Na manhã de hoje, as páginas do Facebook destinadas aos “protestos da Web”, como diz o Estadão, estavam coalhadas de mensagens anti-semitas. Higienópolis deve ser o mais judaico dos bairros paulistanos — talvez do Brasil. No entorno do meu prédio, há três sinagogas, duas escolas e um clube judaicos. Os judeus moram em 12 dos 17 apartamentos do meu prédio. Uma nota de humor: até a semana passada, e por quatro anos, a síndica era Dona Reinalda, que é… árabe! Pediu uma folga para cuidar melhor de seus afazeres pessoais. Fosse pela comunidade do edifício, continuaria no cargo.

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Pois bem… Os cães raivosos não tardaram a mostrar todos os seus dentes. Este seria um bairro de “judeus safados”, que pensam que os “pobres são palestinos”; aqui estaria a raça, ousou o mais franco de todos eles, que prova que os “nazistas não fizeram direito o serviço”; neste bairro, estaria concentrada parte da “conspiração judaica”. E a coisa seguiu por aí… As mensagens foram, depois, eliminadas. Procurando um tanto, algo deve ter restado na rede. Nem poderia ser diferente: o nazismo, ainda que esse nazismo moral, vem da mesma matriz do ressentimento, do ódio, da discriminação. em especial essa  discriminação que se quer igualitária. Não se esqueçam de que os vários fascismos têm na “igualdade” uma de suas bandeiras. A “igualdade”, reitero, implica supressão das diferenças segundo o que se entede ser o valor da maioria.

Ministério Público
Como se nada de mais urgente houvesse para tratar e como se os moradores de Higienópolis, porque “da elite”, não tivessem o direito de reivindicar nada, de se mobilizar e dar a sua opinião, o Ministério Público, na pessoa do procurador Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, decidiu pedir esclarecimentos a Jurandir Fernandes, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos. Diz Lopes: “Quero saber se ele cedeu a uma pressão da elite ou se a questão foi técnica. Se a questão foi de quem pode mais chora menos, é um absurdo para a cidade.” Segundo o promotor, o governo pode ser denunciado por desrespeito à Constituição, que garante tratamento igual a todos os cidadãos. É mesmo?

Então vamos ver, doutor! Se a população de Paraisópolis pode se mobilizar para reivindicar alguma coisa dos governos, por que a de Higienópolis não poderia? Ainda que o Estado tivesse mudado o traçado atendendo a essa reivindicação — está claro que não foi por isso —, pergunta-se: a escolha daquele local para construir uma estação é uma determinação da natureza? Não pode nem mesmo ser negociada com aqueles que serão diretamente afetados pela obra pública? Se todos são, como o senhor diz, iguais perante a lei, por que o senhor distingue, valorando a palavra de forma negativa, a “elite” da “não-elite”? Fosse assim, doutor, uma das características do elitismo seria a falta de legitimidade para reclamar, certo?

Invenção da Folha
E aqui vai uma informação à reportagem da Folha de S. Paulo, matriz dessas manifestações bucéfalas contra um bairro da cidade. A tal associação Defenda Higienópolis não está presente no dia-a-dia do bairro. Fiquei sabendo de sua existência há três dias porque Dona Reinalda recebeu uma carta, deixada da portaria, dirigida ao síndico, dando conta da sua criação — em julho do ano passado. A carta pede uma contribuição de R$ 150 mensais. Não há timbre, endereço, telefone, nada. Apenas um e-mail: “pedro.ivanow XXX” (não completo o resto por motivos óbvios).

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No Estadão e na Folha, quem aparece falando pela associação e, curiosamente, por Higienópolis todo é o tal Pedro Ivanow. Nada sei dos seus propósitos. Podem ser os melhores. Mas a dita associação e ele próprio, de quem nunca ouvi falar e cujo rosto desconheço, não representam o bairro. A matéria da Folha, que originou a coisa toda, superestima o papel de uma associação que mal existe. Falta agora completar o serviço: escalar Laura Capriglione para ouvir alguns moradores do bairro capazes de dizer as maiores barbaridades contra os “pobres” e redigir um texto demonstrando que eles representam a média do pensamento local, de sorte que a área fique caracterizada como um enclave antipobre.

Se você não conhece Higienópolis, leitor, eu o convido a passear por suas ruas e praças. Sim, é um bairro composto de prédios de classe média — alguns da chamada classe média alta. Existem alguns milionários e artistas misturados à boa gente anônima do Brasil, que luta para ganhar a vida e que tem até mesmo o direito de, às vezes, reivindicar alguma coisa do estado. No passeio público, está presente o Brasil, com todos os seus matizes de renda, origem, cor de pele… Na praça Buenos Aires, babás, empresários, profissionais liberais e moradores de rua dividem o espaço público. Ninguém molesta ninguém.

Recomendo o passeio no fim das tardes de sábado. Casais judeus saem com suas crianças quando termina o shabat, cruzam com outros moradores que estão levando seus cachorros para passear, todos misturados aos trabalhadores que voltam ou chegam às suas casas. Essa gente, é bem provável, traz em si resumidas todas as questões e todas as respostas que interessam ao Brasil, todas as alegrias e todas as tristezas decorrentes de se viver “nestepaiz”. É assim em qualquer lugar. Onde quer que os humanos estejam, ali se encontram o horror e a salvação. Eu diria que este bairro está entre aqueles que chegam mais perto de um ideal de civilização que consiste em viver e deixar viver.

O resto é pobrismo, que é, reitero, a forma mais asquerosa de preconceito contra os pobres!

Texto publicado originalmente às 19h47 desta quinta
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