Doria em NY: prefeito nega a candidatura e lança a candidatura…
É político todo aquele que se dispõe a passar por um processo eletivo — ou serve a quem passou — para ter o direito de gerir recursos públicos
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), padrinho e entusiasta da candidatura de João Doria à Prefeitura de São Paulo, já deve ter percebido, a esta altura, que a criatura fugiu de seu controle. Os dois estão em Nova York para eventos com investidores. O quântico Doria conseguiu a façanha retórica de se dizer fiel a Alckmin, mas deixando claro que, fosse hoje a disputa, deveria ser ele próprio o nome do PSDB à Presidência. Realizou o prodígio de negar a candidatura e de lançá-la.
O que vai aqui é mais uma constatação do que uma opinião. As palavras fazem sentido. E é evidente que a gente não deve omiti-lo dos leitores. Num café da manhã, o prefeito negou a candidatura: “Quero deixar claro a vocês que eu não sou candidato a presidente da República, não sou candidato a governador. Sou candidato a ser um bom prefeito da cidade. Para isso fui eleito”.
Num jantar, à noite, ele apelou a valores herdados do pai e garantiu a sua fidelidade ao governador. Acontece que, em outra circunstância, indagado a respeito de 2018, afirmou o seguinte: “O PSDB não vai fugir dessa missão. Será candidato do PSDB aquele que tiver melhor posição perante a opinião pública. Aquele que representa o interesse popular. Para ser competitivo, para vencer as eleições, vencer o PT, vencer o Lula”. Hoje, ainda que na margem de erro, o tucano mais bem posicionado nas pesquisas é justamente… João Doria.
O prefeito mudou, diga-se, a abordagem que vinha fazendo sobre o ex-presidente. Até outro dia, ele preferia o caminho da desqualificação, chamando-o de “covarde”, “cara de pau”, “mentiroso”. E tratava com certo desdém a possibilidade de o petista vencer a disputa de 2018 caso candidato. Agora, nota-se, Doria investe em outra leitura: o PSDB precisa de um nome forte para vencer o petista.
Gestor?
Em suas intervenções, o prefeito insistiu na tese de que um presidente precisa ser um gestor… Para que não parecesse um confronto com Alckmin, afirmou ser o governador um dos maiores gestores do país. Bem, meus caros, vocês e o prefeito sabem que não gosto dessa história. Trata-se de uma pegada puramente publicitária que, entendo, degrada desnecessariamente os políticos. De resto, eis uma evidência incontrastável: Michel Temer, por exemplo, conseguiu aprovar o teto de gastos atuando como político, não como gestor. São virtudes complementares.
No terreno da direita, no entanto, volta e meia surge esse surto de negação da política, que é, por óbvio, um modo de fazer política. É político todo aquele que se dispõe a passar por um processo eletivo — ou serve a quem passou — para ter o direito de gerir recursos públicos e de implementar programas para a coletividade. O resto é retórica, tática eleitoral. Sim, espera-se que o político seja um bom gestor.
Caciques e carregando à direita
No café da manhã, Doria disse que “quem determina a eleição é o povo, não os caciques”, uma cutucada clara na cúpula tucana. E carregou no sotaque de direita em várias intervenções. Encerrou o discurso feito no café na manhã, por exemplo, com “Minha bandeira não é vermelha; é verde e amarela”. Ecoava um dos refrãos de grupos de direita favoráveis ao impeachment de Dilma: “A nossa bandeira/ jamais será vermelha”. E chegou a criticar a partidarização das escolas.
O futuro?
Vamos ver. Falo o que vislumbro. Há um risco sério de a candidatura do PSDB, com ou sem prévias, não conseguir unir o partido. Ainda há tempo para costurar desinteligências, mas haverá disposição? Definido esse candidato, não duvidem, ele terá de se engalfinhar com Jair Bolsonaro — nas redes sociais, partidários de Doria e do deputado já trocam sopapos verbais. Marina Silva (Rede) vai, mais uma vez, se apresentar como a terceira via, e as esquerdas vão se juntar em torno da candidatura de Lula ou de quem ele indicar.
Não é nada, leitor, que o deixe com vontade de assistir ao próximo capítulo.