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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Aiatoelio Gaspari assina a ficha de filiação ao PT. Ou: Uma caricatura da história que faz inveja ao pior stalinismo

Aiatoelio Gaspari, o Ali Khamenei de alguns colunistas do jornalismo, escreveu aquele que deve ser o pior texto de sua carreira. E não que fosse tarefa fácil, dada a produção dos últimos anos. Obrigo-me a apontar isso aqui porque já escrevi sobre uma forma de patrulha ideológica que está em curso, que consiste em associar […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 09h09 - Publicado em 8 abr 2012, 08h11

Aiatoelio Gaspari, o Ali Khamenei de alguns colunistas do jornalismo, escreveu aquele que deve ser o pior texto de sua carreira. E não que fosse tarefa fácil, dada a produção dos últimos anos. Obrigo-me a apontar isso aqui porque já escrevi sobre uma forma de patrulha ideológica que está em curso, que consiste em associar alguns valores em nome dos quais falava o senador Demóstenes Torres (GO) às suas peripécias com Carlinhos Cachoeira, como se houvesse entre uma coisa e outra uma relação de causa e efeito ou, ao menos uma linha de coerência. Seria, em suma, tudo “coisa da direita moralista”. A verdade está justamente no avesso, já demonstrei aqui. A carreira política de Demóstenes, pouco importa o que aconteça com o seu mandato, acabou. Seu eleitorado não o perdoa. Já os mensaleiros petistas, a exemplo do “chefe de quadrilha” (segundo a PGR) José Dirceu, estão mais poderosos do que nunca. João Paulo Cunha (PT-SP) é, para escárnio da moral e do bom senso, nada menos que presidente do Conselho de Ética da Câmara. Dirceu, além de “consultor de empresas privadas”, está montando a equipe de campanha de Fernando Haddad. Aiatoelio deve achar normal, já que não escreve a respeito.

Quem conhece a história do jornalismo brasileiro sabe que Gaspari entende de “direita moralista”. É mais um que o regime democrático encontra hoje junto com a esquerda, como direi?, de exultação. Eu sempre me comovo muito com aqueles que se tornam esquerdistas quando pode. Como eu fui de esquerda quando não podia, não me obrigo a reverenciar esses corajosos. Acho que foi Ferreira Gullar que escreveu algo assim (a procurar os termos exatos): “Fui de esquerda quando dava cadeia; hoje, ser de esquerda dá emprego”.

Reproduzo, abaixo, em vermelho o texto de Aiatoelio publicado neste domingo e comento em azul. Ele imagina uma situação no futuro em que Demóstenes fosse presidente da República.

Setembro de 2015: eleito presidente da República, em novembro do ano passado, Demóstenes Torres chegou ontem a Nova York para abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas. Reuniu-se com o presidente Barack Obama, de quem cobrou uma política mais agressiva contra os governos da Bolívia, Equador e Venezuela, “controlados por aparelhos partidários que sonham em transformar a América Latina numa nova Cuba”. Antes de embarcar, Demóstenes abriu uma crise diplomática com o Paraguai, anunciando sua intenção de rever o tratado da hidrelétrica de Itaipu.
Vamos ver. Aiatoelio transforma numa caricatura as críticas sensatas e justas que qualquer amante da democracia faz aos governos da Bolívia, Equador e Venezuela. De fato, e isso não é conversa, inexiste, por exemplo, imprensa livre nesses três países. As forças políticas que estão no poder integram o Fórum de São Paulo — onde tinham assento, até outro dia, as Farc (oficialmente, e só oficialmente!, estão fora da organização). Para maiores informações, procurem os relatos da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) sobre a situação do jornalismo nos países citados — filiam-se à SIP, diga-se, os dois jornais que publicam a coluna de Gaspari: O Globo e a Folha. Quanto ao Paraguai, a caricatura de Gaspari é não só deformada (como todas), mas mentirosa também, invertendo os fatos. Foi o Paraguai que rasgou o tratado de Itaipu, como é público e notório.

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O “direitista quando jovem” empresta seu pensamento à esquerda, agora que sua inteligência experimenta o climatério. Esse tipo de ironia grotesca, rombuda, ecoa algumas das piores práticas do stalinismo, que consistia justamente em transformar em caricatura as críticas que lhe eram feitas. Seu artigo ainda vai piorar muito. Acompanhem.

O presidente brasileiro assumiu prometendo fazer “a faxina ética que o país precisa”.
Eu, por exemplo, nunca gostei da expressão “faxina ética”. Não porque não a considere necessária, mas porque a considero falsa. Escrevi aqui há dias que setores da imprensa estavam prestes a satanizar a própria ética. Eis aí.

Para isso, criou um ministério com superpoderes, entregue ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
Trata-se de um ataque covarde, numa tentativa — mais uma! — de agredir a reputação de um ministro do Supremo que nem sempre atua segundo a vontade de Aiatoelio e seus novos amigos.

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Numa reviravolta em relação a suas posições anteriores, o presidente apoiou um projeto que legaliza o jogo no país.
É a única referência do texto que traz uma ironia pertinente.

Ele reestruturou o programa Bolsa Família, reduzindo-lhe as verbas e criando obstáculos para o acesso aos seus benefícios.
Não me consta que Demóstenes — ou “a direita” — tenha ameaçado o Bolsa Família alguma vez. De todo modo, associar a parceria de Demóstenes com Cachoeira a críticas ao Bolsa Família é vigarice intelectual. O que uma coisa tem a ver com a outra? Só é possível ser crítico desse programa sendo um falso moralista, um pilantra? Por quê?

Patrocinou projetos reduzindo a maioridade penal para 16 anos, e autorizando a internação compulsória de drogados.
Começo pela internação compulsória de drogados. Em alguns casos, daqueles que estão nas ruas, sem ter quem deles tome conta, tratados como lixo, ela é só matéria de bom senso. Aliás, é o que pensa o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de quem Gaspari não fez caricatura.

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Quanto à maioridade penal, o autor junta seu ódio a Demóstenes — muito anterior a qualquer informação sobre Carlinhos Cachoeira — à desinformação. Faz crer a seus leitores, com a sua fama de sabido e rigoroso, que só “direitistas tomados pelo falso moralismo” defendem a redução. Já tratei deste assunto aqui faz tempo. Então vamos ver.

Nas “ditaduras fascistas” na Nova Zelândia e Grã-Bretanha, a idade mínima é 10 anos — em Luxemburgo, inexiste idade mínima! Os bárbaros australianos e irlandeses fizeram por menos: 7. Já as ditaduras da Suécia, da Finlândia e da Noruega escolheram 15. Os regimes discricionários de pocilgas como Canadá, Espanha ou Holanda optaram por 12 — no Canadá, em casos excepcionais, pode descer a 10. A Alemanha e o Japão, notórios por submeter seus jovens a um regime de contínua violência e degradação, preferiram 14. Junto com o Brasil, 18 anos, estão Colômbia, Equador, Guiné e Venezuela, exemplos de bem-estar social todos eles, não é mesmo? Ah, sim: o paraíso cubano, que foi objeto da “caricatura a favor” de Aiatoelio, estabeleceu 16. O regime sandinista da Nicarágua, 13. Vai uma tabela para Gaspari guardar em arquivo e como incentivo à responsabilidade.
Sem idade mínima
– Luxemburgo
7 anos
– Austrália
– Irlanda
10 anos
– Nova Zelândia
– Grã-Bretanha
12 anos
– Canadá
– Espanha
– Israel
– Holanda
14 anos
– Alemanha
– Japão
15 anos
– Finlândia
– Suécia
– Dinamarca
16 anos
– Bélgica
– Chile
– Portugal

Determinou que uma comissão especial expurgue o catálogo de livros didáticos distribuídos pelo Ministério da Educação.
Há livros didáticos, e não são poucos, que são mesmo vergonhosos, pautados pelo proselitismo mais descarado. Ao tratar da questão num texto em que aborda a moral como discurso da mentira, este senhor está endossado os crimes de lesa educação cometidos por uma canalha (e os bons autores não se sintam ofendidos) que, de resto, não precisa nem disputar mercado. Basta puxar o saco do petismo para estar com a vida ganha e ter sua obra “adotada” pelo MEC.

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Atualmente, percorre o país pedindo a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Sabem que chegou a defender uma Assembleia Constituinte? Lula!!! Aiatoelio se calou.

A oposição do Partido dos Trabalhadores denuncia a existência de uma aliança entre o presidente e quase todos os grandes meios de comunicação do país.
ATENÇÃO AGORA! Bem, meus caros, como o Demóstenes da fábula gaspariana é o falso bem que é mal, o PT, como seu contraponto, é, então o bem ele mesmo! Se tudo o que Demóstenes faz deve ser lido pelo avesso, sendo o PT seu avesso, tudo o que os companheiros dizem é mesmo sensato. Ou seja: o colunista do Globo e da Folha está afirmando que os meios de comunicação estariam — porque, então, assim já seria hoje — alinhados com “a direita”. É… Gaspari escreve com uma mentalidade de Carta Capital, mas prefere ganhar salário de Globo e Folha… Os fiéis de Mino Carta têm de ter aula de esperteza com Gaspari…

Ao desembarcar no aeroporto Kennedy, Demóstenes ironizou as críticas à presença de uma jovem assessora na sua comitiva: “Lamentavelmente, ela não é minha amante, porque é linda”. À noite o presidente compareceu a um jantar no restaurante Four Seasons, organizado pelo empresário Claudio Abreu, que até março de 2012 dirigia um escritório regional de relações corporativas da empreiteira Delta. Abreu é o atual secretário-executivo da Comissão de Revisão dos Contratos de Grande Obras, presidida pelo ex-procurador geral Roberto Gurgel. Chamou a atenção na comitiva do presidente o fato de alguns integrantes carregarem celulares habilitados numa loja da rua 46. Eles são chamados de “Clube do Nextel”.
Bem, nesse trecho, ele faz algumas ironias óbvias, que não mereceriam maiores considerações não fosse por um particular: a Delta é a maior tocadora de obras do governo federal. Seu proprietário, Fernando Cavendish, é amigo dos petistas — de um em particular: José Dirceu, que já prestou consultoria à empresa. Por coincidência, depois disso, a expansão do grupo é notável. Ainda voltarei a este tema. O Rio de Sérgio Cabral é um grande canteiro de obras da Delta, boa parte delas sem licitação.

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Em 2012 a carreira do atual presidente foi ameaçada por uma investigação que o associava ao empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como “Carlinhos Cachoeira”, marido da ex-mulher do atual senador Wilder Pedro de Morais, que era suplente de Demóstenes. O trabalho da Polícia Federal foi desqualificado pela Justiça. O assunto foi esquecido quando surgiram as denúncias do BolaGate contra o governo da presidente Dilma Rousseff envolvendo contratos de serviços e engenharia de estádios para a Copa do Mundo, cancelada em 2013.
Ora
, se Demóstenes é o falso moralista e se sua pregação deve ser vista sempre pelo avesso, Gaspari está sendo preventivo; está aplicando uma vacina contra as críticas às óbvias lambanças nas obras da Copa do Mundo. O que quer que se diga a respeito ecoa apenas coisa dessa direita moralista, entenderam? A Delta é a empresa que toca, por exemplo, a reforma do Aeroporto de Cumbica, em São Paulo. Sem licitação! Surgir um “Bolagate” é uma questão de tempo, senhor Aiastoelio, não de conspiração da direita.

A eleição de campeões da moralidade é um fenômeno comum no Brasil. Em 1959 Jânio Quadros elegeu-se montando uma vassoura. Em 1989, triunfou Fernando Collor de Mello. O primeiro renunciou numa tentativa de golpe de Estado e terminou seus dias apoquentado por pressões familiares para que revelasse os números de suas contas bancárias no exterior. O segundo deixou o poder acusado de corrupção e viveu por algum tempo em Miami, elegeu-se senador e apoiou a candidatura de Demóstenes. O tesoureiro de sua campanha foi assassinado.
Não é verdade! Dois presidentes com essas características apontadas por Gaspari não evidenciam a existência de um “fenômeno comum”. Se bem notaram, Aiatoelio fez uma leitura irônica daquela que seria uma agenda “de direita”. Assim, qualquer um que ouse fazer propostas ou críticas fora da agenda da esquerda seria só um “falso moralista”, um “Janio”, um “Collor”, um “Demóstenes”.

Presente ao jantar do Four Seasons, o empresário Carlos Augusto Ramos não quis falar à imprensa. Ele hoje lidera o setor da indústria farmacêutica brasileira beneficiado pelos incentivos concedidos no governo anterior. Ramos chegou acompanhado pelo ministro dos Transportes, Marconi Perillo, que governou o Estado do presidente e foi o principal articulador do apoio do PSDB à sua candidatura. Uma dissidência do PT, liderada pelo deputado Rubens Otoni, também apoiou a candidatura de Demóstenes. O presidente anunciou que a BingoBrás será presidida por um ex-petista.
Abril de 2012: quem conhece o tamanho do conto do vigário moralista de Fernando Collor e Jânio Quadros sabe que tudo o que está escrito aí em cima poderia ter acontecido.
Essa crítica leve ao PT é só a homenagem que o vício presta à virtude, coisa muito comum em certo tipo de “jornalismo isento”. A agenda petista de Gaspari está no conjunto do texto. Quisesse mesmo ser duro com o partido — como é com seus adversários —, lembraria que os petistas jogaram no lixo a Lei de Licitações para tocar as obras da Copa. Quisesse mesmo ser duro com os companheiros, teria analisado o verdadeiro espetáculo de “privataria” que foi a privatização dos aeropostos — não há um só especialista que não anteveja problemas. Quisesse mesmo ser duro com os patriotas, já teria desconstruído o “modelo Dilma” de privatização de estradas — que ele elogiou com tanto entusiasmo e cujo fiasco jamais reconheceu. Pergunta: por que Gaspari não nomeou Agnelo Queiroz ministro da Licitação e da Concorrência?

Notem que, na sua fábula, só “ex-petistas” estariam junto com Demóstenes, que ele considera o mal. Os petistas puros, os petistas genuínos, os petistas dirceus, os petistas lulas, os petistas dilmas, ah, esses se encontrariam na oposição, denunciando a grande conspiração que uniria Demóstenes à mídia. Porque, está dado, petista mesmo, petista autêntico, não faz sacanagem, não faz lambança, nunca é falso moralista!

Esse texto de Elio Gaspari é sua ficha de filiação ao PT. Faz sentido. Na ditadura, ele era uma espécie de general sem uniforme. E como os admirava!!!

PS – Os liberais autênticos, os que se opõem ao lulo-petismo — e a qualquer outra vigarice  — e os que lastimam a política tomada por ladrões devem saber: estão com os bons valores! Por isso não perdoarão Demóstenes. O que ele fez não é, ao contrário do que sugere Gaspari, a parte secreta de uma agenda de que o “moralismo” seria apenas a parte visível. Já, insisto, os admiradores de Dirceu e os eleitores de todos os outros mensaleiros endossaram suas respectivas práticas.

O texto de Gaspari é uma dessas coisas que provocam vergonha alheia. Há, admito, pessoas que fazem coisa assim porque precisam. Não é o caso de Aiatoelio. Ele faz porque quer. Porque gosta.

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