Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

#ProntoFalei Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Mario Mendes
Continua após publicidade

2016 não perdoa, mata

George Michael, Zsa Zsa Gabor, Michèle Morgan, China Machado, Franca Sozzani e Guilherme Guimarães. A grande ceifadora trabalhou dobrado na semana passada

Por Mario Mendes Atualizado em 2 fev 2017, 08h55 - Publicado em 26 dez 2016, 20h43

A morte do popstar inglês George Michael em pleno dia de Natal foi a confirmação que 2016 não esteve de brincadeira com as celebridades, foi implacável, carregando um bonde lotado delas. Desde gente muito jovem, como quase todo o time da Chapecoense, até muito velha, como a estrela e caça-dotes hollywoodiana Zsa Zsa Gabor (Já Já Gabór, era húngara), aos 99 anos e 9 casamentos (“Sou uma ótima dona de casa. Sempre que me divorcio fico com a casa”). Levou igualmente a intelectualidade festejada do italiano Umberto Eco, a personalidade leve e esfuziante de Elke Maravilha e a majestade peso pesado de Muhamad Ali. Sem falar nos ícones musicais David Bowie, Prince e Leonard Cohen, que não deixam sucessores. E ainda bateu o prego na placa “Aqui jaz”  sobre o casamento – que se supunha feito no céu com diamantes – Angelina Jolie-Brad Pitt. E isso só fazendo uma apanhado por baixo, sem puxar muito pela memória.

De Michael, a essa altura – escrevo na segunda, 26 de dezembro, final de tarde – já se disse tudo e mais um pouco, exceto a causa mortis, que mais ou menos se sabe e se esperava – ele teve vários problemas de saúde e acidentes nos últimos tempos. E só me resta engrossar o caldo de que ele era, sim, um grande artista, muito além da persona que cultivou a partir do início na dupla favorita da moçada dos anos 80, Wham! – com o parceiro Andrew Ridgeley – uma das primeiras atrações ocidentais a se apresentar na ainda fechada China, em 1985. Era um excelente cantor, intérprete e transitava sem tropeços entre o rock, o pop, o jazz e até se arriscava no gospel. Além dos milhões de discos vendidos e canções grudadas feito tatuagem na memória de mais de uma gereação, deixa como assinatura dois momentos antológicos: a balada deliciosamente cafona Careless Whispers – conhecida como trilha sonora de motel, mas que um amigo cafajeste classificava como “música de zona” – e o hino Freedom, um grito de independência profissional contra a então onipotente indústria fonográfica – e “the boys on MTV” – ilustrado por um videoclipe estrelado por Linda (Evangelista), Naomi (Campbell), Christie (Turlington), Cindy (Crawford) e Tatjana (Patitiz), as supermodelos que não saíam da cama pela manhã por menos de 10.000 dólares e eram tão famosas a ponto de não precisar de sobrenomes. São melodias tribais para ritos de passagem – que sua saída do armário só fez ampliar o alcance. Isso não é café pequeno.

Mas a ceifadora trabalhou dobrado semana passada levando Michèle Morgan e China Machado. A primeira era francesa, 96 anos, loira de olhos felinos, estrela de cinema de outrora, uma das poucas que conseguiram alguma notoriedade também em Hollywood. A fama veio cedo, aos 18 anos, em Cais de Sombras (1938), clássico noir de Marcel Carné, atuando o lado do astro francês Jean Gabin. Vale a visita. Já China Machado, morta aos 87 anos, foi estrela da moda, top model antes do termo ser inventado. Nasceu Noelie Dasouza Machado, em Xangai, de pai português de Macau e mãe indiana de Goa. Na juventude teve um caso com o famoso toureiro e latin lover Dominguin, na Espanha, e quando o romance azedou, se mandou para Paris e virou modelo favorita de Givenchy, Dior e Balenciaga, apenas. Mas seduziu mesmo o fotógrafo americano Richard Avedon, que a fez musa e a colocou na capa da Harper’s Bazaar, em 1959, a primeira modelo não branca nessa posição em uma revista de moda nos Estados Unidos. Acabou se tornando editora de moda da publicação e depois, já na meia idade, voltou a modelar até um ano antes de morrer. Uma mulher do mundo, sem dúvida.

Por falar em moda, Franca Sozzani não é um nome muito conhecido fora do métier, porém trata-se um dos nomes mais poderosos e influentes na indústria do estilo. Franca tinha 66 anos – há um ano enfrentava uma forma rara de câncer no pulmão – e desde 1988 dirigia a Vogue Itália, considerada a mais avant-garde das grandes publicações de moda, bem diferente de suas irmãs francesa, inglesa e americana, mais populares e comerciais. “Uma revista de moda italiana, só vai ser lida na Itália”, justificava-se a jornalista – que vinha de uma família de intelectuais e era graduada em alemão, literatura e filosofia – para ousar em edições apenas com modelos negras, modelos acima do peso – que ela chamou de “Edição Curvas” – e editoriais de moda com temas nada sutis como o rehab e a cirurgia plástica, além de buscar e incentivar o trabalho de novos estilistas, fotógrafos e outros profissionais da moda. Também apoiava e promovia campanhas para as grandes causas: a erradicação da fome no mundo e os direitos LGBT, entre outras. Dizia: “A moda não é sobre roupas. A moda é sobre a vida”. Vai fazer falta.

Finalmente Guilherme Guimarães, gaúcho, radicado no Rio, um dos maiores costureiros do país. Se Dener e Clodovil eram exuberantes figuras da mídia vestindo mulheres ricas e celebridades, Gui Gui – apelido que ganhou do colunista Ibrahim Sued – era o refinamento em pessoa. Discreto, envolvente, elegante, sofisticadíssimo. Começou a carreira em Nova York, onde viveu por 8 anos, na década de 60, e voltou ao Brasil com o nome feito, por isso sempre teve fama de esnobe. O fato de ter sido adotado pela fina flor da sociedade carioca – a da champanhota, do Copa e do Country – só confirmou o adjetivo. Mas Gui Gui também atacava no pop. Vestiu Danuza Leão, sua grande amiga, para o filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, desenhou o fardão de Rachel de Queiróz, a primeira escritora a assumir uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, e transformou a até então alternativa Gal Costa em dama sofisticada para o show Gal Tropical, uma explosão na virada 1979/1980, um marco na carreira da cantora e no showbiz nacional. Era também um homem de hábitos austeros. Vestia-se de jeans, conjuntos cáqui, camisas azuis e blazers marinho, todos iguais. Seu apartamento duplex no local da antiga praia do Russel era famoso pela decoração de extremo bom gosto. Mas ele apenas recebia ali os amigos, que eram selecionados. Dormia e fazia as refeições no hotel Glória – quando o hotel funcionava, é claro – e todo domingo almoçava a paella do buffet do restaurante no primeiro andar do aeroporto Santos Dumont – a jornalista de moda Regina Guerreiro e eu certa vez o flagramos lá. Nos últimos anos estava recluso – fazia apenas encomendas para noivas – e por isso muita gente pensava que já ele havia morrido. Tinha 76 anos e foi vítima de um problema no fígado, partindo na véspera do Natal. Um Rio de Janeiro, e um Brasil, que definitivamente se apaga.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.