Deborah Secco e o “heroísmo” do adultério
Mesmo que trate as traições como uma revolução de comportamento, o máximo que a atriz consegue é expor carências e fragilidades individuais
O maior dramaturgo inglês de todos os tempos sugeriu que o dilema máximo da humanidade é “ser ou não ser”, questão que o maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos complementou com o particípio do verbo trair. Shakespeare tinha cenário para achar que o grande problema da modernidade é a dúvida, ao passo que Nelson Rodrigues, mais comezinho, sempre soube que essa dúvida, sem nobreza ou metafísica, diz respeito única e exclusivamente ao que um cônjuge estaria fazendo pelas costas do outro. Caiam os governos, detonem-se as bombas, acabe-se o mundo, não importa: a preocupação essencial de um indivíduo que vive em sociedade é ser ou não ser… traído!
Vai daí, Deborah Secco aparece nas Amarelas e confirma que traiu todos os ex-namorados. “É terrível ver mulheres que só são fiéis porque acham que é o certo”, diz a atriz. “Isso é muito retrógrado. Quem quiser trair, que traia”. Deborah reclama que a maioria das mulheres reagiu negativamente à sua “confissão” (feita via Twitter há algumas semanas). Pode haver aí um problema de classe — as mesmas que batem no peito para dizer “mexeu com uma, mexeu com todas” esculhambam uma semelhante que agiu fora do previsto —, mas pode ser também que as mulheres simplesmente não compraram a traição como um gesto emancipatório e acreditem que a liberdade vai além de uma “pulada de cerca”, ou duas, ou dez, algo que, num percentual incógnito, acontece desde a invenção do casamento.
O mais curioso é que a displicência do “traí, sim, e daí?” é apenas aparente. Depois de uma frase mais assertiva, “se uma mulher quiser trair porque acha bom, tudo bem”, Deborah não resiste ao clichê e fantasia uma espécie de adultério heroico e libertador para justificar atitudes que, sim, considera erradas, pois “somos todos humanos e estamos sujeitos a falhas”. Em outras palavras, ela reivindica a compreensão da sociedade, o que nos leva a crer que estamos diante de um simples caso de fragilidade individual, e não de uma revolta contra os padrões impostos ao comportamento feminino etc., etc. A atriz não está propondo que ninguém saia queimando sutiãs por aí. Quer apenas anunciar que não sente mais a necessidade de ser vista “como gostosinha, bonitinha e boazinha”.
Um fogo de palha que não condiz com o berreiro das redes sociais, tanto que os conservadores podem relaxar e dormir em paz. Por mais que as celebridades abram seus corações, o “ser ou não ser traído” está longe, e bem longe, de ser superado.