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Mundialista

Por Vilma Gryzinski
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Um pouco de perspectiva ajuda: Rússia e Irã são a parte fraca

Por causa disso, podem ser até mais perigosos e a História está cheia de guerras que não deveriam ter acontecido. E também de ratos que rugem

Por Vilma Gryzinski 10 abr 2017, 09h41

Desinformação, distorções causadas por lentes político-ideológicas e o imediatismo do tempo jornalístico não são bons conselheiros nos momentos de alta ansiedade internacional. 

Estamos falando, claro, das infinitas notícias que falam em “guerra” por causa de uma reação da Rússia e do Irã aos 59 Tomahawks disparados pelos Estados Unidos contra uma base aérea do regime do presidente Bashar Assad, na Síria. 

“Guerra”, evidentemente, é o tipo de assunto que desperta a atenção até dos mais distraídos. Ainda mais se envolve a Rússia, a única potência nuclear à altura dos Estados Unidos (voltaremos a isso mais adiante). 

Para dar um pouco de perspectiva histórica as ameaças do Irã, vamos revisitar uma anedota histórica, registrada pelo conde Ciano, genro de Mussolini e ministro das Relações Exteriores durante a II Guerra Mundial. 

 O caso foi relembrado por Christopher Booker, colunista do Sunday Times, a propósito de uma outra ameaça maluca, a do ex-líder conservador Michael Howard sobre uma hipotética guerra com a Espanha por causa de Gibraltar. Howard é de uma família de judeus romenos, o que ajuda a explicar por que a história voltou à tona. 

ALMIRANTE A SECO 

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Vale a pena ter um pouco de paciência. Contexto: durante a II Guerra, a Hungria teve um governo aliado da Alemanha nazista chefiado por Miklos Horthy (aliança de conveniência que ajudou a salvar judeus húngaros antes que um regime realmente pró-nazista os empurrasse para o extermínio). 

 Horthy tinha sido o último almirante do Império Austro-Húngaro, dissolvido com a derrota na I Guerra, e regente encarregado de chefiar o governo enquanto o país procurava um rei, o que nunca aconteceu. 

 A Hungria redesenhada perdeu o acesso ao mar, mas o título de Horthy foi mantido. Em 1942, a Hungria declara guerra aos Estados Unidos e o seguinte diálogo anedótico acontece entre um diplomata americano e um húngaro.

“Se vocês têm um regente, então são uma monarquia.” Resposta: “Não, somos uma república”. 

“Se vocês têm um almirante como chefe de governo, então têm uma frota naval.” Resposta: Não, não temos saída para o mar”. 

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“Se declararam guerra contra os Estados Unidos, têm algum diferendo conosco.” Resposta: “Não temos nenhuma divergência com os Estados Unidos”. 

“Contra a Grã-Bretanha?”. Resposta: “Nada. Nosso único diferendo grave é com a Romênia.” 

“Então, por que não declaram guerra à Romênia?” Resposta: “Por que a Romênia é nossa aliada”. 

AVIÃO DE DINHEIRO 

Adaptando às circunstâncias atuais. O regime iraniano sofre de ódio político-religioso aos Estados Unidos e o passado relativamente recente dos dois países é complicado. Mas o Irã lucrou imensamente com a derrubada de Saddam Hussein (que, aliás, usou armas químicas contra os iranianos numa guerra “esquecida”, com quase um milhão de mortos). 

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Devido às consequências indesejadas ou impensadas por George Bush, o Irã se tornou uma potência no Iraque através da ascensão dos xiitas, o ramo religioso comum entre os dois países. No caso do Iraque, com uma enorme minoria sunita para complicar. 

Sem disparar uma arma ou acionar um homem-bomba, também perdeu seu maior inimigo quando Saddam Hussein saiu de um buraco no chão onde se escondia e disse aos militares americanos que o capturaram: “Sou Saddam Hussein, presidente do Iraque, e quero negociar”. 

“O presidente Bush manda lembranças”, respondeu um soldado americano. Três anos depois, Saddam pendia pelo pescoço de uma corda. Pouquíssimos iranianos (fora uns malucos revolucionários a quem Saddam abrigava) deixaram de comemorar. 

Depois de Bush, Barack Obama entregou de mão beijada e de caso muito bem pensado – ao contrário do antecessor – um acordo nuclear extremamente favorável ao Irã. Sem contar 1,7 bilhão de dólares em dinheiro vivo, transportado em engradados por aviões da Força Aérea americana, para “resolver” pendências referentes a sanções econômicas.

Irã e Estados Unidos também são aliados, literalmente, inclusive em teatros de combate, na luta contra o Estado Islâmico. Divergem gravemente na questão da Síria. Talvez mereça ser lembrado que os 200, 300 ou 500 mil mortos dessa horrível guerra civil são, na maioria absoluta, muçulmanos mortos por muçulmanos, de diferentes seitas. 

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MICKEY MOUSE 

O Irã dos aiatolás aspira a ser uma potência regional e considera que um “arco xiita” abrangendo Síria e Sul do Líbano é de interesse existencial para o país, diante da milenar rivalidade com os sunitas. 

Tem disciplina, coerência ideológica  e um modelo operacional que exportou com sucesso para os libaneses do Hezbollah. Pode inflingir danos terríveis via guerra assimétrica, como aconteceu no Líbano em 1983, quando dois homens-bomba do Hezbollah explodiram as bases de uma forca de paz que tentava controlar uma guerra civil similar em muitos aspectos à da Síria hoje. Morreram 241 militares americanos e 58 franceses. Ronald Reagan retirou as forcas de fininho. 

Numa guerra simétrica com os Estados Unidos, o Irã é menos do que um Mickey Mouse de turbante. Além, evidentemente, de não ter nenhum interesse, como a Hungria do almirante Horthy, em enfrentar a maior potência da história. 

Pedir ajuda aos russos é uma alternativa – e Putin tem uma extraordinária habilidade para criar encrencas que não cheguem, efetivamente, ao confronto direto. 

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Devido à capacidade nuclear equivalente de Rússia e Estados Unidos, um confronto convencional é excluído, por receio mútuo de um escalada rumo à destruição total.

CAPACIDADE ZERO 

Mas, mesmo na hipótese de que viessem a ocorrer combates aéreos, alguns números também ajudam na questão da perspectiva. A Rússia tem o total de um porta-aviões, o algo defasado Almirante Kuznetsov. Os Estados Unidos têm 19, embora digam que tecnicamente são dez. Os outros nove fazem exatamente a mesma coisa – carregam um poderio bélico superior ao da maioria dos países -, mas não se enquadram na categoria. 

Aviões de combate da Rússia atualmente na Síria: 24. Aviões de combate americanos em bases terrestres da região e plataformas navais: mais de 80.

 Síria tem 450 aeronaves, das quais cem dedicadas a bombardear rebeldes e civis que dêem o azar de estar no meio. Capacidade americana de destruir toda as bases e aeronaves sírias: 100%. Capacidade do Irã de impedir isso: zero. Capacidade de criar focos de confronto com Israel e em outros pontos: altíssima. Possibilidade de retaliação israelense: altíssima, se os Estados Unidos consentirem.

A situação é complicada e potencialmente volátil, claro. Mas, como a Hungria de Miklos Horthy, o Irã precisa  decidir se quer mesmo ter um diferendo que leve à guerra com os Estados Unidos. Ou virar um país cheio de almirantes sem navios nem mar.

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