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Outro fracasso da inteligência, outro sucesso dos ‘hijos de ****’

O ataque em Barcelona só não foi muito pior por acidente com explosivo; moradores da “cidade dos terroristas”, assassinos tiveram muito tempo para tramar

Por Vilma Gryzinski 21 ago 2017, 09h39

A língua espanhola tem uma sonoridade e uma força bem diferentes do suave português falado no Brasil. Especialmente quando vem com a raiva  integral e ao mesmo tempo impassível com que se expressou o homem filmando no celular o segundo ataque terrorista da semana na Catalunha, em Cambrils.

“Hijos de ****”, repete ele, enquanto avisa o único policial em ação, com sua colega de patrulha atropelada e seis transeuntes esfaqueados. O homem também diz que eles estão com cinturões explosivos – falsos, como só saberia depois.

“Hijos de una gran ****”, conclui, enquanto o policial solitário, com uma única arma curta, põe quatro terroristas no chão (o quinto, depois de rápida fuga, também foi despachado).

A excepcional eficiência tem explicação. O integrante do Mossos d’Esquadra, o quase romântico nome da polícia catalã, antes foi da Legião, uma força especial do Exército espanhol com origem similar à Legião Estrangeira francesa.

Embora única, a rapidez do policial repetiu um padrão comum nos ataques terroristas de Paris, Bruxelas, Berlim, Nice, Estocolmo, Manchester, Londres – a lista fica cada vez maior.

Imediatamente depois do atentado, policiais fardados ou à paisana aparecem em número enorme, agem com grande rapidez e cumprem, muitas vezes com heroísmo, sua função de proteger a sociedade.

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O problema, em todos os casos, é o que aconteceu antes: o total fracasso das forças de segurança, em especial os serviços de inteligência, em detectar os sinais evidentes de que havia sujeitos suspeitos frequentando lugares suspeitos e fazendo coisas suspeitas.

PARADOXO MARROQUINO

No caso do ataque em Barcelona, seguido da ação terrorista em Cambrils, com 130 feridos e 16 mortos (14 atropelados na Rambla, um motorista sequestrado e esfaqueado na fuga, uma senhora atacada entre outros pedestres no dia seguinte)  a falência é mais grave ainda.

Onze dos fanáticos muçulmanos identificados e presos, mortos ou ainda foragidos, eram de uma pequena cidade, Ripoll, com cerca de dez mil habitantes. Frequentavam a mesquita onde um imã pregava a morte dos infiéis.

Eram marroquinos por nascimento ou espanhóis de família com origem no Marrocos. Aliás,  como vários dos autores de atentados recentes, um caso que é conhecido como “o paradoxo do Marrocos”.

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O país do Norte da África foi colônia francesa e mantém dois enclaves de território ainda com soberania espanhola. É uma monarquia na qual o rei, considerado descendente direto do profeta Maomé, ainda desfruta de relativa aceitação ou pelo menos tolerância entre a população, tem alinhamento total com os Estados Unidos.

Tem também serviços secretos eficientes aos quais se atribui, justamente o paradoxo: um alto número de jovens radicalizados que aderiram ao Estado Islâmico e incidência muito baixa de atentados domésticos. Ao contrário do que acontece em países europeus, o Marrocos proíbe o retorno dos que foram para a Síria e o Iraque praticar atrocidades.

“MÃE DE SATÔ

Mesmo sem histórico de luta no território que era controlado pelo Estado Islâmico, os terroristas de Rippol impressionam pela origem, o número e o nível de elaboração do que planejavam fazer: três grandes explosões em vans que seriam carregadas de botijões de gás. Uma delas seria na Sagrada Família, a basílica eternamente lotada de turistas para admirar os delírios arquitetônicos saídos da imaginação de Gaudí.

Ninguém percebeu nada na bucólica “cidade dos terroristas”? Mesmo que fossem bons rapazes, normais, que jogavam futebol de salão etc etc – aquela mesma conversa de sempre?

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O imã desaparecido, Abdelbaki Es Satty, fazia sermões na mesquita, uma posição importante em qualquer comunidade muçulmana, não se destacou no radar dos fieis? Mesmo tendo cumprido dois anos de cana por tráfico de hashishe?

As mesquitas em lugares menores  funcionam com a autonomia de algumas correntes de igrejas protestantes ao contratar pastores, entrevistados por representantes da congregação. Que mesquita aceita ex-traficantes e traz um imã depois de verificar apenas “se conhecia o Corão”?

E os serviços de segurança, não sabiam que o traficante condenado transmutado em líder religioso havia cumprido pena juntamente com um dos condenados pelo grande atentado de 2004 no metrô em Madri?

Na Catalunha existe uma complicação adicional: a região que quer ser um país independente, tanto que fará um plebiscito, considerado inconstitucional, agora em outubro, Faz de tudo para agir de modo separado do governo central, “os espanhóis”.

É possível que, por causa da embriaguez nacionalista, tenha havido pouca coordenação de inteligência, um elemento vital para gorar atentados. É possível também que depois da grande explosão na casa alugada pelos terroristas em Alcanar, outra cidadezinha da região, a polícia catalã não tenha comunicado o fato suspeito às autoridades nacionais.

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A explosão foi acidental. A “mãe de Satã”, o explosivo que seria usado para acionar os botijões de gás em três vans, é relativamente fácil de ser produzido, mas tem alta volatilidade. O imã terrorista possivelmente foi um dos mortos.

O atropelamento em massa na Rambla parece ter sido uma “solução de emergência”. Younnes Yabouyaaqoub pretendia participar dos atentados coordenados, ficou sem o material de trabalho e partiu para o atropelamento solitário.

Depois de dirigir em zigue-zague por 600 metros, massacrando mais de uma centena de pessoas nos calçadões, fugiu a pé por outro ponto turístico, La Boquería, o mercado-berço da nova cozinha catalã. Usava jeans, tênis, camisa polo branca com listas azuis, óculos escuros: mais um numa infinita multidão de clones.

Há imagens dele nesse local, mas, pelo menos por enquanto, não do sequestro do Ford Focus com que avançou sobre uma barreira, atropelou uma policial e, mesmo com o carro furado de balas, conseguiu fugir.  O dono do carro, Pau Pérez,  foi morto a facadas.

AGENTES CATALISADORES

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Os companheiros remanescentes partiram para outro atentado improvisado, em Cambrils. Caíram todos. Yabouyaaqoub  pode ter conseguido entrar em território francês, furando pelo menos algumas das outras 800 barreiras montadas na Espanha.

Será um escândalo se reproduzir, ainda que em parte, a trajetória de Salah Abdeslam. Outro terrorista com cara de jovem moderno e cabeça moldada por acontecimentos que cercaram o nascimento da religião muçulmana, há quase 1500 anos, Abdeslam voltou para a Bélgica e passou quatro meses tranquilamente em bairro, Molenbeek depois de participar dos atentados de novembro de 2015 que mataram 130 pessoas em Paris.

Só a cumplicidade coletiva explica isso, da mesma forma que a célula terrorista de Ripoll só agiu livremente porque muitos “olharam para o outro lado”: mesmo que não participem ou endossem o terrorismo, deixam os “rapazes” agir por serem todos da mesma religião.

O fenômeno contrário também acontece: moradores de comunidade muçulmanas denunciam indivíduos suspeitos, como o terrorista de Manchester e os da London Bridge, mas as autoridades não levam adiante.

Em momentos assim, sempre aparece algum figurão da segurança para insinuar uma verdade terrível e inconveniente, normalmente abafada: existe uma quantidade muito maior de candidatos a terrorista, jovens e adultos dispostos a matar e morrer em nome do fundamentalismo islâmico, do que os números geralmente admitidos.

Um jornal espanhol chamou estes terroristas em potencial de “agentes catalisadores”, os militantes intoxicados pelo ódio político-religioso que atraem outros para sua ideologia perversa e aguardam o momento certo de entrar em ação. Mas, como fez o homem que filmou o desenlace em Cambrils, também podem ser chamados de “hijos de ****”.

Na Espanha, cerca de 80% das mesquitas são identificadas com a corrente salafista, feita do mesmo barro fundamentalista.

Nos surtos de sinceridade que acompanham momentos traumáticos, o rabino-chefe de Barcelona, Meir Ban-Hen, repetiu um aviso tétrico que tem feito à sua congregação: “Este lugar está perdido. Não repitam os mesmos erros dos judeus argelinos, dos judeus venezuelanos. É melhor ir embora antes que seja tarde demais. A Europa está perdida.”

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