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É golpe ou não é golpe? A brasilianizacão da política mundial

Atentado contra a democracia, estado paralelo, vazamentos seletivos e, claro, mídia golpista: nos EUA e na França, as similaridades são impressionantes

Por Vilma Gryzinski 4 mar 2017, 14h19

As circunstâncias diferem, mas o discurso político atual nos Estados Unidos e na França têm pontos em comum entre si e com o turbilhão que ainda ferve na política brasileira.

Um resumo, para começar: partidários de Donald Trump acusam funcionários  remanescentes do governo Obama de se aliar a agentes dos serviços de inteligência para desfechar nada menos do que um golpe institucional contra um presidente eleito.

Usam para isso vazamentos seletivos plantados em órgãos da mídia golpista, que colabora com uma sofreguidão jamais vista nem remotamente no Brasil, no auge do Petrolão.

Numa reação de derrubar queixos e armar uma tempestade de consequências incalculáveis, Trump fez bem mais do mesmo: acusou o governo anterior de ter mandado grampear seus telefones durante a campanha.  “Que baixeza do presidente Obama”, tuitou. “É Nixon/Watergate. Que cara mau (ou doentio)”.

O teor de imponderabilidade da situação política nos Estados Unidos aumenta quase que diariamente – mais uma similaridade com o Brasil.

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Jornais como o New York Times e o Washington Post, que publicavam reportagens sobre as elites brasileiras conspirando contra a vontade do povo na época da discussão do impeachment, hoje dilaceram o governo Trump com furos espetaculares, editoriais furibundos e, em alguns casos, notícias distorcidas ou escondidas para não prejudicar a causa.

Ah, sim: começaram a falar em impeachment antes mesmo da posse do novo presidente. É claro que consideram seu dever, mais do que jornalístico, patriótico, emparedar um presidente que execram. O Partido Democrata, agora na oposição, segue exatamente a mesma linha.

Não vamos cair na tentação de dizer que os Estados Unidos são um país rachado e à beira do abismo – dois clichês usados exaustivamente em relação ao Brasil da época das grandes manifestações. Também seria uma bobagem achar que as grandes manifestações de protesto contra Trump – protesto a favor é inevitavelmente fraquinho – são atos inconsequentes da classe média branca e mimada.

Na França, a brasilianização ocorre no campo de investigações judiciais sobre políticos. Com o agravante de que isso começou a acontecer no período da campanha para a eleição presidencial.

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O primeiro turno será dia 23 de abril. Os políticos atingidos até agora são de direita. Da tradicional, como François Fillon, corroído pelo emprego fantasmagórico que sua mulher teve como “assessora parlamentar”.

E da direita mais extrema: Marine Le Pen está desafiando os juízes de instrução, que querem ouvi-la pela retransmissão por Twitter – ah, esse perigo – de videos de decapitação do Estado Islâmico. Ela copiou as cenas horríveis em resposta a uma comparação absurda feita por um jornalismo, a de que a Frente Nacional é semelhante ao ISIS, mas pode ser acusada de incitação ao terrorismo através da distribuição de imagens violentas.

Marine Le Pen é deputada pelo Parlamento Europeu. O comitê de Justiça do Parlamento votou com a maior boa vontade pela cassação de sua imunidade – ela é contra a União Europeia, o que não é bom para fazer amigos na instituição.

Em outra encrenca, ela está sendo multada por usar contratados a que tem direito como deputada europeia para prestar serviços a ele no âmbito da política francesa, o que é, evidentemente, proibido. Entre os 23 contratados sob suspeita estão seu guarda-costas e sua amiga e secretária. A justiça francesa também entrou no caso, com o mesmo resultado: Le Pen se recusa a responder.

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Os políticos atingidos são de direita, mas as reações soam extraordinariamente conhecidas a ouvidos brasileiros. Quando a bomba da mulher fantasma explodiu, Fillon disse que era um “golpe contra a democracia” e atribuiu a notícia, um furo do velho Le Canard Enchainé, a uma trama do atual governo, do derrubado Partido Socialista.

Le Pen disse que a justiça está sendo instrumentalizada com o objetivo de interferir na eleição presidencial. O curioso é que juízes de instrução, na França, fazem um trabalho parecido com o da promotoria pública e com o objetivo específico de ficar a salvo de influências políticas.

Falando a representantes de sindicatos de policiais e funcionários do judiciário, a candidata da extrema-direita chegou fazer uma ameaça indireta, lembrando que o governo atual vai acabar em poucas semanas. Só faltou dizer que se lembraria de cara de todo mundo que a aperta.

Pegou mal. Embora continue em primeiro lugar no primeiro turno, ela caiu 1,5 ponto nas pesquisas

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O que acontecerá se Marine Le Pen continuar se recusando a atender às intimações? Será levada sob vara, em condução coercitiva?

Poucas vezes uma campanha presidencial francesa, na história recente, foi tão emocionante, com reviravoltas de novela. Os jornais tradicionais de esquerda, como o Le Monde e o Libé, só não estão mais exultantes porque o candidato mais cotado para levar no segundo turno é Emmanuel Macron, considerado insuficientemente socialista.

Nem uma palavra, claro, sobre “putsch” e “coup d’état”, expressões usadas  inúmeras vezes pelo Libé a respeito do impeachment da ex-presidente brasileira. A correspondente do Le Monde, que fez uma cobertura mais realista foi muito criticada.

Nos Estados unidos, as palavras “golpe” e “resistência” entraram, de forma espantosa, para o vocabulário político diário – dependendo, claro, da opinião sobre o governo Trump. Outro termo que se tornou comum foi “deep state”, estado paralelo ou estado dentro do estado, uma referência ao constante vazamento de informações explosivas – verdadeiras, fabricadas ou manipuladas, de uma forma que nem sempre é possível cravar – sobre o governo Trump.

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O assunto mais prejudicial está na esfera das conexões, de teor ainda desconhecido, de Trump ou associados com o governo russo. Depois da eleição, apareceu o dossiê com cara de fabricado, mas bancado por muitas fontes dos serviços de informações, sobre comportamento sexual comprometedor e contatos ilícitos de representantes de Trump com a inteligência russa.

Em seguida, os céus desabaram sobre Michael Flynn, o conselheiro de Segurança Nacional, comprometido por contatos não revelados com o embaixador russo. Flynn só pode ter sido grampeado com a autorização de um tribunal secreto que entra em ação quando cidadãos americanos aparecem, a princípio não intencionalmente, em escutas do NSA, o serviço de espionagem eletrônica que tudo ouve.

O ameaçado do momento é o procurador-geral, equivalente a ministro da Justiça, Jeff Sessions, por contatos com o mesmo embaixador quando era senador já participando da campanha de Trump. A situação dele só não ficou pior por causa de declarações ridículas da senadora Claire McCaskill e da líder democrata Nancy Pelosi.

Depois de pedirem a cabeça de Sessions na ponta de um espeto, elas disseram que nunca, jamais haviam se reunido com um embaixador russo, na condição de ocupantes de cargos importantes no legislativo. Foram desmentidas por fotos, tuítes e outros rastros eternos da era digital.

A expressão “deep state” é geralmente associada à Turquia, onde “derin devief”. O estado dentro do estado, se refere  originalmente a agentes e funcionários dos serviços de inteligência, das Forças Armadas, da polícia e do judiciário identificados com o regime secular que fundou a Turquia moderna.

O interessante é que este estado paralelo realmente existiu, chegando ao extremo de bancar organizações que praticavam atos de terrorismo. Hoje, o “derin devief” é constantemente invocado pelo atual presidente, Recep Erdogan, como uma força maligna por trás da tentativa de golpe do ano passado, bancada pelos partidários de  Fethullah Gülen, uma espécie de guru e líder politico-religioso.

Nos Estados Unidos,  “deep state” fazia parte quase que exclusivamente do vernáculo dos conspiracionistas ultraconservadores, em geral da turma convicta de que existe uma sinistra trama nos mais altos níveis do aparelho de estado para destruir os princípios fundadores do país.

A acusação do presidente atual de que seu antecessor “mandou grampear” a Trump Tower insere um elemento tão espetacular que nem no Brasil vimos antes. Será que os americanos vão nos bater até no quesito brasilianização?

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