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Por Coluna
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O garimpo da semana: O Abrigo

Por Isabela Boscov Atualizado em 30 jul 2020, 23h55 - Publicado em 8 dez 2015, 15h45

A rigor, O Abrigo não é um garimpo desta semana: desde que vi este filme com Michael Shannon e Jessica Chastain, há três anos, sou apaixonada por ele.

Por isso mesmo é que ele está ganhando espaço no blog hoje: acabo de descobrir que O Abrigo está disponível no Netflix – uma forma de compensar o fato de que ele nunca foi exibido em cinema no Brasil e ganhou um lançamento em DVD bem morno, quase sem divulgação. Tremenda injustiça: é um primor de originalidade, roteiro, atmosfera, direção de atores e execução esta história em que Shannon começa a ter visões do fim do mundo e acha que pode estar perdendo o juízo – mas, pelo sim pelo não, começa a construir no quintal um bunker no qual defender sua família do cataclismo. Então, mais uma vez: please please please please veja O Abrigo.


Tempestade cerebral

Em O Abrigo, o grande Michael Shannon pode estar ficando louco – ou tendo visões proféticas de um apocalipse.

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Nuvens cor de chumbo rolam no céu. Pássaros voam em formações frenéticas e então caem mortos. Uma chuva grossa e amarelada como óleo de motor começa a desabar: Curtis, um operário de construção pesada no Meio-Oeste, não sabe dizer se está apenas imaginando essas cenas ou vendo-as de fato, em antecipação profética de algo que se tornará real. O tormento que elas provocam, porém, é verdadeiro. Curtis passa a ser sobressaltado por esses e outros prenúncios de dia, acordado, e de noite, enquanto dorme: prediz, ou alucina, que o cão da família vai atacá-lo com selvageria; que estranhos tentarão entrar em sua casa; que sua mulher vai virar-se em ódio contra ele. “Você tem uma boa vida”, diz um amigo a Curtis, referindo-se não às posses, que são modestas, mas à paz essencial da existência – casa, emprego, mulher e filha que o amam. Essas são as duas certezas que devoram Curtis: a de que ele tem tudo que deseja e de que necessita – e a de que tudo vai perder. Se a perda se dará num cataclismo meteorológico, entretanto, ou em razão de sua loucura, é a dúvida que se soma à angústia de Curtis e a multiplica. Em O Abrigo, um dos mais excepcionais filmes americanos recentes, fundem-se de maneiras indistinguíveis o sobrenatural, o psíquico e o econômico (sinais da crise que vem devastando a classe média americana desde 2008 estão por toda parte, em par e passo com os portentos do protagonista). Há pelo menos um apocalipse no horizonte: o da insegurança.

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Segundo longa-metragem escrito e dirigido por Jeff Nichols (no mês passado ele levou seu terceiro trabalho, Amor Bandido, ao Festival de Cannes), O Abrigo tira seu título da solução encontrada por Curtis para sobreviver ao fim dos tempos. Pegando equipamento da construtora em que trabalha sem autorização, e desviando dinheiro da cirurgia que pode devolver a audição à filha pequena (o seguro não cobre a operação), ele começa a ampliar o abrigo subterrâneo contra furacões que já existe em seu quintal. Abre mais cômodos nele, puxa água e eletricidade, estoca suprimentos, põe camas e cobertores e demora-se horas ali todos os dias, como se estivesse habituando-se a uma nova casa.

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Mas, na interpretação de nuances magistrais de Michael Shannon, Curtis não tem o aspecto da loucura. É paciente, contido e obsessivamente equilibrado, se é que a contradição entre esses termos é aceitável: sua mãe desenvolveu esquizofrenia paranoide mais ou menos na idade em que ele está, e ele se vigia estreitamente a fim de verificar se o mesmo está se passando com ele. Em segredo, porque tem vergonha, procura ajuda psiquiátrica. Em casa, tenta ocultar da mulher (Jessica Chastain, em uma belíssima atuação) os suores noturnos, os pesadelos e a ansiedade. Mas a sensação de que suas visões são vaticínios, e não meras alucinações, é forte demais para que ele a ignore – e, logo, o abrigo será conspícuo demais para passar despercebido da mulher e do patrão. Aquilo que Curtis tenta evitar, enfim, é o que ele próprio vai precipitar.

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Um cineasta com o dom inato para os elementos sinistros e ameaçadores que despontam na paisagem da normalidade e a distorcem, Nichols é também um mestre da ambiguidade. Se fosse possível a Curtis ou ao espectador decidir-se por uma explicação para suas visões, O Abrigo seria simplesmente um suspense psicológico, ou um filme-catástrofe, ou uma parábola sobre a recessão e a destruição que ela vem cavando na vida das pessoas chamadas comuns – ou ainda um belo drama doméstico, na autenticidade com que documenta a vida de Curtis e sua família. Mas é todas essas coisas, e nenhuma delas: graças ao desempenho superlativo de Shannon e a um roteiro que ardilosamente considera todas essas hipóteses ao mesmo tempo em que rejeita truques, trunfos e reviravoltas e nada esconde da plateia, a estranha história de Curtis é tão plausível que sua inquietação pouco a pouco se comunica, inteira, ao espectador. Seja qual for o prisma pelo qual se prefira interpretar os acontecimentos (e o final, espetacular, deixa muito espaço para a conjectura), o temor que eles deixam é simples – que um dia, como para Curtis, tudo que se dá como certo seja levado pelo furacão.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 27/06/2012
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2012

Trailer


O ABRIGO

(Take Shelter)

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Estados Unidos, 2011
Direção: Jeff Nichols
Com Michael Shannon, Jessica Chastain, Shea Wigham, Tova Stewart, Katy Mixon, Robert Longstreet

 

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