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O sonho ruim da China

Aumento do endividamento e o risco de bolha no setor imobiliário podem fazer a China entrar em colapso semelhante ao ocorrido no Japão

Por Gene Frieda
12 ago 2014, 07h07

Desde seu primeiro discurso como o Presidente da China no ano passado, Xi Jinping fomentou o chamado “sonho chinês” de rejuvenescimento nacional e aperfeiçoamento individual. Mas a necessidade de fazer frente aos níveis de dívida sem precedentes que a China tem acumulado nos últimos anos está testando a determinação de Xi – e seu governo está titubeando.

A pouca habilidade – ou vontade – do governo chinês para frear o endividamento pode ser apreciada em seu contraditório compromisso com a implementação de reformas estruturais importantes, mantendo o crescimento anual do PIB de 7,5%. O crescimento chinês atual é baseado no aumento dos investimentos financiado com emissão da dívida – muitas vezes em projetos como infraestrutura e habitação, destinado a apoiar o Sonho Chinês. É provável que qualquer iniciativa para limitar o aumento do crédito acabe sendo uma aterrisagem forçada, e essa perspectiva já está levando as autoridades a adiar as reformas essenciais.

Não há dúvida que a relação entre a dívida e o PIB da China, que atingiu os 250% este mês, continue sendo significativamente inferior ao da maioria das economias desenvolvidas. O problema é que, normalmente, o nível de crédito privado estaria associado à renda per capita chinesa de cerca de 25.000 dólares – quase quatro vezes maior que o nível indicador atual do país.

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Existem fortes semelhanças entre a situação atual da China e o boom de investimento que o Japão experimentou na década de 1980. Tal como a China, o Japão tinha uma taxa de poupança pessoal elevada, que permitiu aos investidores confiar em grande medida nos empréstimos bancários tradicionais com financiamento interno. Além disso, as profundas ligações financeiras entre diferentes setores da economia ampliaram os potenciais efeitos negativos do risco financeiro. E a posição externa do Japão era tão forte quanto à da China agora.

Outra semelhança é o acúmulo da dívida do setor empresarial, cuja alavancagem na China subiu de 2,4 vezes o patrimônio líquido em 2007 para 3,5 vezes no ano passado – bem acima do nível norte-americano e europeu. Quase a metade dessa dívida vence dentro de um ano, apesar de que grande parte dela se destina ao financiamento de projetos de infraestrutura plurianuais.

Indubitavelmente a situação da China é mais extrema que a o do Japão. No seu auge, o investimento japonês totalizou em 33% do PIB, em comparação com 47% na China. Uma diferença substancial, especialmente considerando que o PIB per capita da China representa apenas 19% do japonês, e que sua dívida já chegou a 60% a do Japão. Além disso, o acúmulo da dívida na China – 71 pontos porcentuais do PIB nos últimos cinco anos – tem sido muito superior ao do Japão, onde o nível de dívida cresceu apenas 16 pontos porcentuais durante os cinco anos antes de seu colapso.

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Todas essas são razões importantes para se observar os riscos que a China enfrenta. Após a explosão da bolha financeira e imobiliária do Japão, o crescimento anual do PIB, que em média havia sido 5,8% nos quatro anos que antecederam o colapso, despencou para 0,9% nos quatro anos seguintes. Uma vez que os balanços dos bancos estavam cheios de “inadimplência”, o crescimento evaporou e a inflação tomou conta. Enquanto a dívida privada se estabilizou em proporção ao PIB, a dívida pública aumentou em 50% nos cinco anos após o início da crise.

É provável que o colapso da bolha de crédito chinesa provoque uma queda anual de 1 a 2% em média do PIB durante os quatro anos subsequentes, supondo que um declínio anual 2% em despesas de capital e uma taxa de crescimento do consumo- ainda-respeitável- de consumo de 3 a 5%%. A dívida pública consolidada subiria para 100% do PIB.

Esta é uma previsão relativamente modesta. Sem estabilizadores automáticos e sem um sólido quadro de estabilidade financeira, apoiado por uma garantia de depósitos, será bastante complicado enfrentar os riscos negativos das reformas financeiras potencialmente desestabilizadoras que o governo pretende empreender, um “choque de crédito” poderia ser bastante desastroso.

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O ponto de inflexão da dívida chinesa é uma enorme bolha imobiliária. De acordo com banco de investimentos UBS, a oferta de novas moradias urbanas é significativamente maior do que a demanda marginal subjacente do crescimento da população nas cidades. De fato, quase metade desse aumento formal não é um aumento real, mas simplesmente o reconhecimento de trabalhadores rurais que agora vivem e trabalham nas cidades.

A queda acentuada dos preços imobiliários terá grandes consequências. Afinal, a garantia imobiliária é o alicerce do sistema financeiro chinês e estima-se que a exposição direta e indireta dos bancos ao setor imobiliário varia entre 66 e 89% do PIB.

Um fator que complica ainda mais a situação é a falta de opções do governo para estabilizar o mercado imobiliário. Na verdade, uma parte fundamental do problema é que a resposta da China à fraqueza cíclica implica sempre na construção de mais habitações.

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A falta de estabilizadores automáticos na China agrava a tensão entre os objetivos de reforma e as exigências de crescimento. A única maneira de o governo manter o crescimento em curto prazo é continuar utilizando incentivos da dívida, como fez no início deste ano. Mas como resultado, também pode fazer com que o peso das dívidas incobráveis também aumente a possibilidade de retração do crédito.

Se as autoridades chinesas continuarem optando por um crescimento impulsionado pelo endividamento em vez da reforma, não farão mais que atrasar e, possivelmente, prolongar a inevitável desaceleração que poderia transformar o sonho chinês de Xi em algo mais palpável.

Gene Frieda é estrategista global da Moore Europe Capital Management

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(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate, 2014

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