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Uma Doutrina Monroe na China?

Diante de ações do governo chinês na região, novo premiê da Índia precisará oferecer mais do que palavras para atender os interesses de segurança do país

Por Da Redação
11 jun 2014, 16h40

Em sua visita à Índia, o ministro das Relações Exteriores chinês Wang Yi reuniu-se pela primeira vez com o novo governo do país, incluindo a ministra das Relações Exteriores Sushma Swaral, e mais importante, o primeiro-ministro Narendra Modi. Mas a viagem não se resumiu a apresentações. Os líderes das duas nações avaliaram um ao outro, e as suas conclusões vão determinar como evoluirá a relação entre os dois países mais populosos do mundo.

Em alguns aspectos, a relação já está tomando um rumo positivo, especialmente no plano econômico. Mas, à medida que fica mais evidente que o desequilíbrio comercial favorece os chineses, a frustração dos indianos aumenta. Wang, um líder bem versado nos assuntos da Índia, se esforça ao máximo para minimizar essas diferenças e estreitar laços com o país.

Um desafio muito mais formidável vai ser solucionar a questão da fronteira do Himalaia – jamais resolvida, sendo a mais antiga disputa de fronteira do mundo. Efetivamente, “representantes especiais” dos dois países já se reuniram dezessete vezes para resolver a questão, mas não conseguiram muitos progressos – nomeadamente, por uma preocupação da China com duas instáveis províncias fronteiriças, Tibet e Xinjiang.

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E como se o conflito já não fosse complicado o suficiente, a China vem adotando uma postura cada vez mais agressiva na região, incluindo diversas incursões no território disputado. No ano passado, por exemplo, tropas chinesas montaram um acampamento temporário no vale Depsang, em Ladakh, o que levou a um impasse arriscado com a Índia. Enquanto a divisa permanecer indefinida, a tensão continuará a crescer – criando sérios riscos para os dois países.

Outro ponto de controvérsia é o evidente apoio da China às tentativas do Paquistão de desestabilizar as regiões de Ladakh e Caxemira, reforçada pela expansão de sua cooperação militar. Este aspecto da política externa da China é intrigante, não só porque enfraquece as suas relações com a Índia, mas também em função do temor que os chineses têm do radicalismo islâmico entre o povo Uighur, de Xinjiang.

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Tudo isto ressalta a principal falha da estratégia externa da China; as tentativas de usar as suas forças militares cada vez mais poderosas para intimidar seus vizinhos tem um custo – a segurança do país a longo prazo. Ao invés de tentar construir uma relação mutuamente benéfica com o seu maior vizinho, a China buscou cercar a Índia, impondo o controle militar dos territórios à sua volta. Esta estratégia, chamada “colar de pérolas”, ameaça diretamente os interesses da segurança nacional da Índia, tornando quase impossível uma relação vigorosa e bilateral que beneficie os dois países.

É claro, a China alega que as suas intenções em relação a Índia são pacíficas. Argumenta, por exemplo, que os seus esforços para estabelecer bases no Oceano Índico e reforçar a Marinha têm como objetivo proteger o Estreito de Malaca, uma rota de comércio marítima que é vista como ponto de estrangulamento da economia chinesa.

Mas ações falam mais alto do que palavras – e a mensagem que o comportamento da China está enviando está longe de ser pacífica. Os líderes chineses parecem estar tirando proveito da abertura causada por um sobrecarregado Estados Unidos para controlar uma extensão maior dos oceanos asiáticos.

Para este fim, a China criou uma vasta zona de defesa antiaérea e de identificação obrigatória de aeronaves que cobre a maior parte do Mar da China Oriental – incluindo territórios que pertencem e são controlados pelo Japão e Coreia do Sul – onde também declarou que territórios disputados fazem parte da sua zona econômica exclusiva. Esses movimentos unilaterais lembram a declaração feita pelos Estados Unidos, em 1823, do que ficou conhecido como Doutrina Monroe, que, entre outras coisas, colocou a América Latina em uma esfera de influência estritamente americana.

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No recém-terminado Diálogo de Segurança de Shangri-lá, em Cingapura, Chuck Hagel, Secretário de Defesa dos Estados Unidos, classificou as ações da China como “desestabilizadoras”. O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, ecoou este sentimento, declarando que o Japão vai se engajar mais em proteger a segurança da região, providenciando, inclusive, navios-patrulha, treinamento e equipamentos militares de vigilância aos países envolvidos em disputas territoriais com a China.

A resposta da China foi imediata e inequívoca. Wang Guanzhong, vice-chefe do Estado-Maior do Exército da Libertação, criticou Hagel e Abe por “corroborarem e pactuarem… em provocar e desafiar a China.”

Embora Modi não tenha comentado ainda o desafio para a segurança que as ações da China estão criando, ele terá que fazê-lo muito em breve. Efetivamente, o presidente chinês Xi Jinping praticamente insistiu que a Índia entrasse na discussão quando, em um discurso em Xangai, no mês passado, disse que a “Índia, o maior importador de sistemas de armamentos do mundo, deve olhar com atenção” para as crescentes tensões na região.

Mas Modi precisará oferecer mais do que palavras para atender os interesses de segurança nacional da Índia. Porque a Índia enfrentou recentemente uma década de negligência do Congresso, o novo governo terá que agir rápida e decisivamente para proteger a segurança nacional. Este imperativo se torna ainda mais urgente com a decisão da China de expandir o seu orçamento de defesa em mais de 12%, para US$ 132 bilhões, no próximo ano fiscal, assim como o acordo de energia com duração prevista de trinta anos que o país recentemente firmou com a Rússia, com implicações estratégicas para a Índia.

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A visita de Wang, portanto, acontece em um momento de redefinição fundamental das relações sino-indianas. Se a tensão constante é inevitável, mesmo que não haja conflito, o desafio é achar uma maneira de iniciar uma cooperação criativa e competitiva que impulsione os esforços dos dois países para erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento econômico.

Xi disse: “precisamos inovar nos nossos conceitos de segurança, estabelecer uma nova arquitetura de cooperação de segurança regional, e conjuntamente construir um caminho compartilhado que beneficie a todos para a segurança da Ásia”. Mas as ações da China sugerem que os seus lideres veem a hegemonia chinesa como a única estrutura de segurança viável para a região.

A subordinação à China certamente não é o objetivo de Modi. A questão é se ele vai mesmo conseguir se unir à China e aos outros países asiáticos para planejar uma estrutura alternativa para assegurar a paz na região.

*Jaswant Singh, ex-ministro das Finanças, de Relações Exteriores e de Defesa indiano, autor de “Jinnah: India, Partition, Independence” (Jinnah: Índia, Partição, Independência) e “India At Risk: Mistakes, Misconceptions And Misadventures Of Security Policy” (Índia em Risco: Erros, Equívocos e Desventuras da Política de Segurança), ambos sem tradução no Brasil.

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© Project Syndicate, 2014

(Tradução: Roseli Honório)

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