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Esther Dyson: ‘O dinheiro não é um cura-tudo’

Diretora da EDventure Holdings descreve como os sites de caridade on-line são um canal inadequado para se fazer uma boa ação. Antes de doar virtualmente, as pessoas deveriam ser encorajadas a pensar em evitar essas feridas

Por Esther Dyson
5 abr 2014, 15h24

Uma organização de caridade on-line está conquistando o Vale do Silício. Chamada Watsi, essa instituição permite que os doadores que visitam o site possam custear diretamente cuidados médicos de alto impacto para pessoas que necessitam. Muitos podem dizer: “Que bom!” Mas eu digo: “Segure o aplauso”.

O problema não é que a Watsi tenha um serviço ruim. O problema é que eles são bons no que fazem. Todo o dinheiro arrecadado vai diretamente para o indivíduo cujo cuidado está sendo pago. (Você pode contribuir separadamente, caso queira apoiar os projetos da Watsi).

Existem processos rigorosos e proteções que garantem que as ajudas sejam entregues apenas para pessoas pobres “necessitadas” (não são palavras deles, mas essa é a ideia), e não para qualquer pessoa. Há critérios rígidos de análise dedicados a evitar que tratamentos caros sejam dados a alguém que realmente não esteja precisando. E tudo é visível: todos os registros financeiros da Watsi estão acessíveis em um relatório de transparência no Google.

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Sim, a Internet permite que as pessoas se conectem – uma a uma – em diferentes culturas e à distância. E é bom que as pessoas sintam empatia, ou pelo menos simpatia, por aqueles que são menos afortunados. Porém, a capacidade de resolver problemas imediatos remete a uma abordagem passiva, de que dinheiro cura-tudo. Se você vê alguém deitado numa vala virtual, você ajuda essa pessoa e acaba sentindo que fez a boa ação do dia. A esse respeito, a Watsi se assemelha a um site de negócios, onde os investidores compram e vendem ações, sem ajudar a construir os negócios subjacentes.

O problema vai além da Watsi. Mesmo quando se torna mais fácil atender e cuidar de pessoas doentes e acamadas no outro lado da estrada virtual, torna-se mais difícil de perceber, e mais fácil de ignorar, as condições da “estrada” que causaram esses ferimentos – má nutrição, pobreza, cuidados pré-natais inadequados, corrupção, desvio de recursos e afins. Como outras ferramentas modernas, a Watsi incentiva a abordagem emotiva, de curto prazo, do estado do mundo. É como assistir tudo através de um telescópio: com muitos detalhes, mas sem perspectiva.

Não é que devemos não sentir nada ao nos depararmos com tais situações; mas deveríamos ser encorajados a pensar mais e a evitar essas feridas, em vez de pagar por paliativos. Em uma cultura guiada pela mídia, onde o estrelato instantâneo e tendências inconstantes chamam nossa atenção muito rapidamente, acabamos nos desviando dos detalhes e perdendo o foco geral.

É esta abordagem de curto prazo que nos leva a celebrar cada vez que cai um ditador, em vez de nos levar a pensar em como educar as pessoas para que saibam exigir um bom governo. Somos assim atraídos por histórias comoventes de um professor que vê o potencial de uma aluna e a ajuda a entrar na universidade, ou num restaurante comum que financia o sonho de um cozinheiro para começar o seu próprio restaurante.

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Mas uma sociedade justa é aquela em que você precisa ter sorte para desviar-se de uma vida de escassa educação, alimentos pouco saudáveis e empregos sem futuro. E uma boa saída é aquela que faz mais do que tão-somente reclamar da falta de visão de outras pessoas. Então, o que funcionaria melhor? A resposta provavelmente não será um trabalho acadêmico sobre a dieta inadequada ou sobre o sistema médico corrupto no país X. Mas talvez ajudasse a levantar debates de tais questões, no contexto em que as pessoas vivem. É fácil discorrer que entendemos a angústia de alguém, mas a maioria das pessoas (especialmente os norte-americanos) não tem ideia de como a vida é realmente em outro país.

Com efeito, instigar e apoiar uma mudança em longo prazo é uma tarefa muito mais complicada do que tratar as vítimas causadas por sistemas falidos. O fato de que nós podemos quantificar tantas coisas significa que, às vezes, abandonamos os desafios mais difíceis de medir – tais como a corrupção, a qualidade dos alimentos ou educação. Mesmo que a Internet e serviços como o Watsi façam com que o mundo pareça menor, eles podem ofuscar a realidade do que está impulsionando a evolução global. Vamos investir em cuidados pré-natais, educação e transparência. Vamos ajudar as pessoas a construírem as suas próprias sociedades.

Infelizmente, abordar um dos problemas mais prementes do mundo não é tão simples como criar uma página na Web onde estrangeiros possam contribuir para a melhoria social em outro país. Então, se você ainda não tem o conhecimento ou queira se envolver em assuntos de outro país, não o faça. A pobreza, a ignorância, a má nutrição e cuidados de saúde inadequados existem quase em toda parte. O caminho do menor esforço – e talvez o de maior eficácia – pode ser começar em casa.

Esther Dyson, diretora da EDventure Holdings, é empresária e investidora em tecnologias e nos mercados emergentes. Seus interesses incluem a tecnologia da informação, cuidados de saúde, aviação privada e viagens espaciais

(Tradução: Roseli Honório)

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© Project Syndicate, 2014

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