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O círculo vicioso de crescimento da China

Segundo o economista Keyu Jin, da LSE, a reestruturação econômica é o desafio mais difícil e urgente que o país asiático enfrenta

Por Keyu Jin
18 nov 2014, 06h29

A maioria dos economistas tem razões para estar preocupada com a economia da China – quer se trate do baixo consumo e grandes excedentes externos, excesso de capacidade industrial, degradação ambiental ou intervenções do governo, como controle de capital ou repressão financeira. O que muitos não reconhecem é que estes são apenas os sintomas de um problema oculto único: o modelo de crescimento distorcido da China.

Esse modelo é, de certa forma, um sistema influenciado pela política, resultado de uma tendência arraigada em direção à construção e à fabricação como os motores principais do desenvolvimento econômico. Essa predileção remonta do Grande Salto para Frente da década de 1950, quando a sucata de metal foi derretida para cumprir metas de produção de aço extremamente otimistas, avançando assim com o sonho de Mao Tse Tung de uma rápida industrialização.

Hoje, a inclinação da China para a produção industrial manifesta-se em projetos de grande escala de fabricação e infraestrutura, incentivada pelos subsídios diretos e indiretos. Impulsionando o investimento e gerando receita fiscal para os governos locais, essa abordagem tem um impacto mais imediato e positivo sobre o PIB do que esforços para desenvolver o setor de serviços.

Leia em Project Syndicate:

Gene Frieda: O sonho ruim da China

Michael Spence: A reconfiguração chinesa

Yao Yang: Os erros do setor imobiliário da China

Jaswant Singh: Uma Doutrina Monroe na China?

Mas o modelo também traz custos consideráveis. De fato, a China está fechada no círculo vicioso econômico, sustentado por políticas distorcidas aparentemente não relacionadas que são, na verdade, profundamente interconectadas, e até mesmo simbióticas.

Uma das características mais gritantes deste padrão é a disparidade entre o crescimento do PIB da China, que tem uma média de quase 10% anuais ao longo das últimas décadas, e o crescimento do emprego, que foi de apenas 1-2% ao ano. Claramente, a industrialização e a expansão das exportações sozinhas não conseguem absorver a mão de obra maciça da China.

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O problema é que o rápido crescimento da produtividade do trabalho no setor industrial – mais de 10% ao ano nas últimas duas décadas – está reduzindo a necessidade de contratar mais trabalhadores. O setor de serviços, pelo contrário, experimentou crescimento muito mais lento de-produtividade no trabalho (cerca de 5% ao ano durante o mesmo período), significando que ele poderia ser muito mais eficaz na geração de crescimento do emprego. Nos Estados Unidos, cerca de 80% da força de trabalho total foi empregada no setor de serviços em 2012.

Uma outra consequência do modelo de crescimento distorcido da China tem sido um declínio no rendimento da renda familiar como parcela do PIB, de 70% em 1990 para 60% em 2009, considerando-se que nos Estados Unidos, por exemplo, a proporção se manteve estável, em cerca de 80% do PIB. Em outras palavras, as famílias chinesas estão perdendo os benefícios do crescimento econômico. Este fenômeno também pode ser responsabilizado pela maior parte das políticas de distorção.

Para coroar o aumento dos custos de mão de obra, os salários foram cortados, crescendo apenas 5% ao ano nos últimos 20 anos, mesmo que a produtividade tenha crescido a uma taxa anual de 8,5%. Enquanto isso, a repressão financeira reduziu o custo de capital. Na última década, a média real (ajustada pela inflação) de retorno sobre depósitos esteve perto de zero. Com quase 80% das poupanças das famílias chinesas depositado em bancos, este imposto implícito na poupança teve um grande impacto econômico, reforçando a tendência de economizar das famílias chinesas e, portanto, minando o crescimento do consumo e agravando os desequilíbrios globais.

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Desta forma, as políticas distorcidas da China têm ajudado a perpetuar um modelo de crescimento contraditório. O corte nos salários, a repressão financeira e a taxa desvalorizada de câmbio subsidiam as exportações e produção, em detrimento das famílias, que assim são obrigadas a guardar, enfraquecendo a demanda interna. Para alcançar metas de crescimento, o governo, portanto, deve depender de exportações e investimentos – uma abordagem que leva ao acúmulo de reservas maciças, que posteriormente devem ser gastas. As baixas taxas de juros ajudam a conter o custo do consumo a nível nacional e a reduzir os custos no nível das empresas – novamente em detrimento das famílias.

Quebrar o ciclo não será fácil, mas não há nenhuma outra maneira de resolver muitos dos problemas mais urgentes que confrontam a economia da China. De fato, o atual modelo de crescimento também está pagando um pedágio pesado ao meio ambiente, com a poluição ameaçando a saúde da população, especialmente em áreas urbanas.

Além disso, a tendência em direção às indústrias de fabricação e exportação leva a uma severa má alocação de capital. Setores industriais menos eficientes têm acumulado significativos excessos de capacidade, desestabilizando toda a economia, enquanto setores mais produtivos e eficientes não têm acesso aos recursos que necessitam.

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A reestruturação da economia é talvez o desafio mais difícil – e urgente – que enfrentam os líderes da China atualmente. Dado que as atuais distorções estão interligadas, elas talvez precisem ser abordadas simultaneamente.

Keyu Jin é economista e palestrante de Economia na London School of Economics (LSE)

(Tradução: Roseli Honório)

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© Project Syndicate 2014

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