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Um banqueiro que odeia as regras do mercado

Com histórico de transações suspeitas, Luís Felippe Indio da Costa foi barrado quando tentou iniciar as operações do Cruzeiro do Sul na Bolsa do Rio

Por Daniel Haidar, do Rio de Janeiro
17 mar 2014, 07h31

No fim dos anos 90, uma reunião na sede da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BV-RJ), no Centro do Rio de Janeiro, atrapalhou temporariamente os planos do banqueiro Luís Felippe Índio da Costa. Ele tinha requisitado permissão para começar a operar com sua corretora – parte do grupo liderado pelo Banco Cruzeiro do Sul – e o pedido estava então sendo analisado em um encontro do conselho do órgão, que reunia os principais bambas do mercado carioca. Do encontro sairia a decisão a respeito da capacidade técnica e do grau de confiança para que o banqueiro intermediasse investimentos e prosperasse com os recursos de seus clientes. Índio da Costa tinha visitado pessoalmente alguns dos conselheiros para angariar votos favoráveis a seu projeto. Não adiantou. Luís Felippe, como é comumente chamado entre seus antigos pares do mercado, já tinha demonstrado àquela altura certa inclinação a driblar regras e práticas da boa gestão – numa época em que deveres legais mais flexíveis e opacidade facilitavam a vida dos “lobos”. O caminho do banqueiro ainda ficaria livre por mais de dez anos, até que, em junho de 2012, o Cruzeiro do Sul teve intervenção decretada pelo Banco Central, no episódio que deixou um rombo de 3,8 bilhões de reais.

Naquela reunião, o empresário Ivan Botelho, atual presidente do conselho de administração do grupo Energisa, interrompeu as discussões para telefonar para o sócio de uma corretora em que Indio da Costa tinha trabalhado. Queria checar se procediam as denúncias de irregularidades mencionadas por outros dois conselheiros. Os problemas ocorreram quando ele era diretor e sócio minoritário da corretora Bueno, Vieira, Pereira Lopes & Associados. No período, um cliente foi envolvido numa tentativa de embolsar cerca de 200.000 dólares em ações da Petrobras – num episódio que terminou contribuindo para sua saída da corretora, após vender sua participação. O imbróglio expunha, mais uma vez, o gosto de Indio da Costa por burlar regras do mercado. Também entrou em rota de colisão com sócios por realizar operações acima dos limites financeiros admitidos pela empresa.

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A fraude na Bueno, Vieira, Pereira Lopes & Associados foi entendida, na reunião do final dos anos 90, como um sinal claro de que Indio da Costa não era merecedor da confiança do mercado carioca. O banqueiro, no entanto, tinha seus lances de sorte. A barreira à operação da corretora Cruzeiro do Sul se desfez anos depois: em 2002, a Bolsa do Rio acabou incorporada pela Bolsa de Valores de São Paulo, e a corretora do Cruzeiro do Sul, enfim, a despeito da má fama de seu gestor, passou a existir como tal, tendo à frente seu filho, Luís Octávio Indio da Costa, único dos três herdeiros a seguir carreira nesse setor.

Origens – A carreira de Indio da Costa, o pai, começou a ganhar destaque quando ele foi diretor da corretora PEBB, no fim dos anos 70. Advogado de formação e ex-procurador do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), ele tinha importantes contatos com famílias tradicionais do Rio desde que foi chefe de gabinete do presidente da estatal de 1961 a 1964, Oyama Pereira Teixeira. Com a ascensão no mercado financeiro chegou a ser vice-presidente na Bolsa do Rio no começo dos anos 80. Depois da PEBB, foi também acionista e diretor da corretora Delmonte, onde foi responsável pela área administrativa e pelo setor de renda fixa, antes de a corretora ser incorporada pela Bueno, Vieira, Pereira Lopes & Associados.

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Até os anos 2000, padrões de controle e transparência exigidos de corretoras eram muito inferiores aos atuais. Transações eram documentadas em papel ainda durante a década de 90. E, nesse ambiente, agravado pela menor rapidez no fluxo de informações, a confiança era ainda mais importante para os negócios. Justamente pela falta desse atributo, na visão de integrantes da elite financeira carioca, a desenvoltura de Indio da Costa como banqueiro parece, agora, algo surpreendente.

“É incrível o Banco Central tê-lo autorizado a ser acionista e diretor de uma instituição financeira, apesar do histórico que já tinha no mercado”, critica um empresário que teve contato com Índio da Costa nos anos 90, quando da criação do banco. O executivo e empresário passou a ser banqueiro de fato quando adquiriu o Cruzeiro do Sul do grupo Pullman, em 1993.

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Foi no crédito consignado (com desconto na folha de pagamento) para funcionários públicos que o banco Cruzeiro do Sul começou a se destacar. No fim de 1993, foi feito um acordo para conceder essa modalidade de crédito a militares do Exército, o que entregava de bandeja ao banco uma carteira com estabilidade inquestionável e risco mínimo de inadimplência. Os lucros do banco engordaram na medida em que cresceu o sucesso nas repartições. Os Indio da Costa – pai e filho – ficaram milionários. No fim de 2011, último ano antes da bancarrota, o Cruzeiro do Sul tinha 419 acordos para concessão de crédito consignado com órgãos públicos federais, estaduais e municipais, como comprovam documentos enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A rede de “pastinhas”, como são chamados os funcionários terceirizados que abordam clientes para oferecer empréstimos, era composta por 465 empresas.

Apesar do avanço nas regras de transparência do mercado, o Cruzeiro do Sul manteve, pela batuta de seus donos, a prática de assumir riscos inadmissíveis para uma instituição financeira confiável. A trajetória foi construída sobre fraudes cometidas contra os próprios clientes. Acumulam-se na Justiça pedidos de indenização feitos por correntistas que alegam terem sido vítimas de fraude. Trocando em miúdos, o banco vendia produtos de investimento considerados conservadores e de baixo risco, mas, na verdade, usava o dinheiro dos clientes em operações perigosas e com baixa margem de segurança. Quem teve o dinheiro destinado a fundos de investimento em participações (FIPs) – produtos de altíssimo risco financeiro que usam os recursos dos investidores para comprar fatias societárias de empresas -, por exemplo, pensava estar adquirindo Certificados de Depósito Bancário (CDBs), uma opção considerada quase tão segura quanto a caderneta de poupança.

Reincidentes – O Cruzeiro do Sul não foi a primeira instituição em que os banqueiros da família foram envolvidos no uso indevido de recursos de clientes. Luís Octávio foi demitido da distribuidora Lecca no começo da vida profissional, nos anos 80, quando era operador da mesa de ações. O motivo: ele foi flagrado adulterando registros para se declarar proprietário de ações custodiadas pela empresa. Assim, obteve pequenos lucros com operações, como pessoa física – quando o dinheiro amealhado era, na verdade, da empresa em que trabalhava.

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Depois do estouro do escândalo do Cruzeiro do Sul, Indio da Costa chegou a ficar em prisão domiciliar de outubro a novembro de 2012. Ele o filho, no entanto, obtiveram autorização da Justiça para responder em liberdade ao processo por gestão fraudulenta, crime contra o mercado de capitais e lavagem de dinheiro. Agora, pai e filho tentam anular as provas que os incriminaram.

Denunciado à Justiça com outras 16 pessoas envolvidas nas fraudes do Cruzeiro do Sul, Luís Felippe Indio da Costa mantém, à sua maneira, a adrenalina dos riscos e das apostas altas. Excluído do mercado financeiro desde que o BC decretou a intervenção no Cruzeiro do Sul, Luís Felippe Índio da Costa, aos 82 anos, ainda está no páreo no Jockey Club do Rio de Janeiro, onde faz parte do conselho consultivo. Apaixonado por corrida de cavalos, o banqueiro ainda frequenta o hipódromo da Gávea, na Zona Sul do Rio. Sua última grande vitória nas pistas foi vivenciada no dia 1º de agosto de 2010, um domingo ensolarado no Rio: o puro-sangue inglês Moryba, conduzido pelo jóquei Dalto Duarte, venceu o Grande Prêmio do Brasil e rendeu um prêmio de 400.000 reais a Indio da Costa – dono e fundador da Stud Correas. O animal nunca tinha encerrado uma disputa à frente de adversários de maior porte e mais cotados.

A Stud Correas faturou 74.821 reais em prêmios de 1º de julho do ano passado a 10 de março e ocupa o 41º lugar do ranking de 667 equipes. A gestão desse negócio também tem a marca dos Indio da Costa. Segundo alega a assessoria de imprensa do Jockey Club, Luís Felippe transferiu a titularidade da Stud Correas para outra pessoa em 16 de março de 2012. Frequentadores do hipódromo desconfiam dessa versão, vista como algo justificável apenas se o banqueiro quisesse evitar que prêmios de corridas fiquem indisponíveis. Como está com os bens bloqueados pela Justiça, manter a equipe entre seus bens representaria mais um risco para o patrimônio da família.

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