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Dilma promove festa Trash na economia

Com PIB baixo, deterioração fiscal, restrições a importações e dinheiro farto para bancos públicos, Presidência da República promove um revival dos anos 80 na condução da política econômica. Agora é só torcer para a inflação galopante não voltar também

Por Ana Clara Costa e Naiara Infante Bertão
13 jan 2013, 12h28

A Trash 80’s é uma popular festa paulistana cujo objetivo é reviver o ambiente dos anos 1980. A similar no Rio de Janeiro é a Festa Ploc – em referência a um antigo chiclete. Com dancinhas nostálgicas e até mesmo fantasias de personagens da época, o público relembra, com espírito escrachado, uma década tida como “cafona” ou “trash” (palavra inglesa para designar aquilo que é ruim, mas tem graça). Curiosamente, em Brasília está em curso outro revival daqueles tempos de excessos. Se as festas musicais são inofensivas, a presidente Dilma Rousseff e sua equipe econômica parecem interessados em recuperar o lado perigoso dos anos 1980: o da falta de rigor no controle da inflação, das políticas econômicas de curto prazo e emergenciais, do protecionismo e do intervencionismo. O Brasil mudou – e muitas das antigas doenças econômicas foram sanadas. Mas o risco de repor em prática velhos conceitos da chamada escola desenvolvimentista, na vã esperança de que agora eles possam render frutos, continua alto.

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Em 1989, o economista Roberto Campos deu uma entrevista a VEJA tratando, com a lucidez que lhe era peculiar, dos problemas que travavam o avanço do Brasil à época. Dizia Campos: “o estado se infiltra em toda a vida produtiva para atrapalhar. Criam-se obstáculos inimagináveis à importação, exigindo-se licença prévia para a compra no exterior (…) quando essa licença é uma coisa em desaparecimento no mundo”. O economista criticou o intervencionismo e o protecionismo, além de ironizar os entraves em vigor para a entrada de capital estrangeiro. “No Brasil, inventam-se ainda dificuldades enormes para a entrada do capital estrangeiro, como se estivéssemos nadando em dinheiro. Protegem-se certos setores, como a informática, da concorrência externa – e o que resulta disso é que o consumidor tem de engolir produtos de qualidade inferior e preço superior aos do mercado internacional”, disse. Apesar de ter ocorrido há mais de 20 anos, a entrevista poderia ser publicada nos dias de hoje sem que as análises de Campos soassem anacrônicas.

Nos anos 1980, quando o “dragão inflacionário” assolava a economia brasileira – em 1989, a inflação alcançou 1.764% ao ano – a presidente Dilma Rousseff, graduada em economia, se exercitava na política do Rio Grande do Sul. Em 1986, Dilma foi nomeada secretária da Fazenda de Porto Alegre, o que significa que ela tinha de lidar com as implicações da crise que flagelava o país. Mas essa experiência parece não a ter convencido de que os remédios então testados são ineficazes.

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Desenvolvimentismo em xeque – Ao intervir no setor produtivo por meio de Medidas Provisórias e recorrer a artifícios protecionistas como as barreiras à importação, o governo Dilma reergue bandeiras do pensamento desenvolvimentista que nasceu na era Vargas e se manteve em voga até o final dos anos 80. “A orientação que está sendo passada agora pelo governo é muito alinhada com o que tinha a ditadura, que se estendeu até 1985. Naquela época, o capitalismo de estado era forte, com participação direta das estatais, que serviam como veículos do governo para movimentar a economia”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper e autor do livro Capitalismo de Laços (Campus Elsevier).

Outra praga dos anos 80 foram os planos ou “pacotes” que mexiam com variáveis da economia em busca de soluções mágicas – e se enfileiram, em retrospecto, num rosário de fracassos. Em 2012, o governo interveio abertamente no câmbio, na indústria e na taxa de juros, na intenção de insuflar o crescimento no país. Em dezembro, a Selic fechou o ano na mínima histórica de 7,25%, enquanto o dólar subiu a 2,10 reais. Desenvolvimentistas acreditam que juros baixos e câmbio desvalorizado sejam a base para um Produto Interno Bruto (PIB) invejável. Mas o resultado não veio como esperado – e o PIB não deve crescer mais do que 1%. “A maior lição dos anos 1980 é de que o governo deve buscar políticas de estímulo à produtividade, e não medidas de curto prazo”, afirma Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria. “Elas acabam multiplicando as distorções e os obstáculos ao crescimento.”

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A década (ainda) não foi perdida – De todas as tragédias que poderiam se abater sobre a economia brasileira, nenhuma seria maior que o retorno da inflação. Nos últimos dois anos, o governo parece ter abandonado o propósito de fazer a inflação convergir para 4,5% ao ano, o centro do sistema de metas. Em 2011 a inflação bateu no teto da meta, 6,5%. Em 2012, ela ficou em 5,84%. Segundo Gustavo Loyola, não se pode dizer que o governo atual não se preocupa com esse assunto. Mas ele parece brincar com a ideia de que sempre se pode tolerar um pouquinho a mais de inflação. “Sabemos que grandes inflações começam pequenas e logo vão acelerando. Não se pode hesitar em interromper esse processo, caso contrário é sério o risco de se perder o controle”, diz o economista.

Nos últimos 20 anos, o Brasil desfrutou de uma estabilidade econômica que nas décadas imediatamente anteriores não era mais que miragem. Essa estabilidade, combinada a políticas eficazes de combate à pobreza, trouxe milhões para o mercado de consumo e deu fôlego à economia. Esse ciclo, no entanto, parece ter se esgotado. O conjuntura externa já não é tão favorável e problemas que nunca foram equacionados, tais como o de um sistema tributário sufocante, cobram seu custo. A década de 80 ficou conhecida como “década perdida”. Não há por que dizer que esse quadro vai se repetir agora. Ainda assim, seria alentador saber que, diante de dificuldades, velhas práticas que nunca levaram ao êxito vão continuar relegadas aos livros de história.

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(Com reportagem de Ligia Tuon)

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