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Vencida pelo comércio eletrônico, a Macy’s vive o apocalipse do varejo

Fechamento de lojas nos EUA lança luz sobre um fenômeno: a revolução provocada pela internet no modo como as pessoas compram

Por Ernesto Neves Atualizado em 14 fev 2020, 10h42 - Publicado em 14 fev 2020, 06h00

Ao abrir as portas em Nova York, em 1858, a Macy’s trouxe para os Estados Unidos um jeito de ir às compras que apenas um ano antes havia sido apresentado ao mundo pelo Le Bon Marché, a pioneira loja de departamentos onde até hoje se faz a festa em Paris: as pessoas passaram a encontrar de tudo um pouco em um único estabelecimento. O tempo coroou o modelo, e a Macy’s foi se agigantando até adquirir a concorrente Bloomingdale’s, chegar a 870 lojas e esparramar aquela primeira unidade de Manhattan por um quarteirão inteiro, logo ao lado do Empire State Building.

De uns anos para cá, porém, muito aconteceu: os millennials, fatia da população nascida entre os anos 1980 e 2000, hoje um terço dos americanos, chegaram à idade adulta com dinheiro no bolso e imersos na internet, onde cultivam com cada vez mais intensidade o hábito de comprar. Resultado: um tsunami de alta potência tem varrido as lojas físicas (esse é o termo) como a Macy’s, que na quinta-feira 6 anunciou o que tempos atrás seria impensável — vai fechar 125 endereços (o da Rua 34 segue lá), demitir 2 000 funcionários e reposicionar o restante de modo a sobreviver aos novos ventos.

Ao fenômeno que já pôs abaixo templos do consumo como a Sears e a Payless e obrigou outros, como a Forever 21 e a Gap, a se reestruturar, os economistas dão o nome de “apocalipse do varejo”. Os números ruins do comércio fora do admirável mundo da internet são de fato assustadores — e apontam para uma profunda chacoalhada no modo de comprar. Lojas de rua vêm fechando em sequência. Só em 2019, quase 10 000 sucumbiram nos Estados Unidos e, segundo um recente relatório do banco UBS, mais 75 000 vão desaparecer até 2026 (veja o gráfico). Enquanto isso, o comércio on-line segue a toda: uma família americana já gasta, em média, 5 200 dólares ao ano em compras virtuais — 50% mais do que no nem tão longínquo assim ano de 2012, um crescimento impulsionado pelo furacão Amazon. E essa é claramente uma trilha sem volta. “Quem não conseguir se adaptar a essa realidade não ficará de pé nesta nova era”, diz o economista Maurício Morgado, do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas, alertando para o fato de que a mesma onda chegará cedo ou tarde a países como o Brasil. As compras on-line ainda representam apenas 4% do varejo brasileiro, mas avançam rapidamente, a uma velocidade de 20% ao ano.

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ABANDONO - Shopping nos Estados Unidos: a clientela migra para a web (Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/AFP)

O esforço para permanecer viva está forçando a Macy’s a se repaginar por completo. Em primeiro lugar, vai deixar os shoppings centers, esvaziados justamente como consequência do “apocalipse” em marcha — as imagens do abandono de vários deles contrastam com as do frenesi que causaram ao aparecer e se consagrar nos Estados Unidos, os inventores da ideia de mall. O plano da Macy’s a partir de agora é manter lojas menores e muito bem posicionadas: algumas vão mirar descontos agressivos, outras o luxo e uma leva será de lojas-conceito, para oferecer “experiências tecnológicas” (sem mais detalhes) entre clientes e marcas. A ideia é proporcionar in loco algo que as pessoas não terão clicando no celular.

As lojas que ainda vão bem nesse cenário americano entenderam um princípio elementar: já que não dá para brigar com a internet, o jeito é unir-se a ela com todas as forças. A Nordstrom, gigante na venda de roupas, por exemplo, implantou um sistema que detecta os itens mais populares nas prateleiras on-line e os expõe em seções especiais dentro das lojas de tijolo e argamassa, assinalando que aqueles são os que têm boa saída na internet — sempre ela. Também abriu unidades em que o cliente que comprou na web pode trocar uma peça que não serviu. Iniciativas como essas estreitam o laço especialmente com os millennials, permanentemente grudados em seus celulares, e fazem girar um mercado invisível aos olhos de quem vai às compras: o de softwares inteligentes que mapeiam com todas as nuances hábitos e padrões de consumo.

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As redes varejistas que ainda se saem bem se apoiam cada vez mais em colossais bancos de dados produzidos on-line, com base em informações dos clientes, para moldar suas araras sob medida. Assim permanecem atrativas. Também disparam propaganda de maneira a alcançar as pessoas de forma ultraindividualizada. “Hoje, mais e mais gente pesquisa algo no smartphone, cria listas de desejo no notebook e vai à loja física para testar o produto antes de tomar a decisão final. Aí deixa para concluir a compra no site, às vezes com um desconto que encontra apenas lá”, explica Jonathan Cherki, da plataforma americana de soluções para o varejo ContentSquare. “O importante é acompanhar toda a jornada do consumidor”, resume. Seguindo essa lógica, a própria Amazon começou, quem diria, a percorrer a trilha inversa. Comprou a cadeia de supermercados Whole Foods e abriu pequenas Amazons de rua. Detalhe: procura-se dar a impressão de que elas conversam com o cliente. Como se fosse na internet.

Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674

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