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Supermercados cortam hora extra e adicionais de funcionários

Decreto assinado por Temer classifica supermercados como serviços essenciais e permite que eles abram todos os dias sem precisar negociar com sindicatos

Por Leticia Fuentes
Atualizado em 1 mar 2018, 16h01 - Publicado em 18 fev 2018, 11h51

Um decreto assinado pelo presidente Michel Temer (PMDB) no ano passado classifica os supermercados como serviços essenciais e concede a eles menos entraves para abrir aos domingos e feriados. Até então, os estabelecimentos precisavam de leis municipais e acordos com os sindicatos para funcionar nestas datas.

Segundo o presidente, o objetivo da mudança, que é anterior à reforma trabalhista, seria conceder às empresas maior segurança jurídica e diminuir a dependência de aprovação por parte das prefeituras. Na prática, porém, os trabalhadores reclamam que a regra representa uma perda de direitos e o sindicato da categoria no Rio de Janeiro já sinalizou que pode entrar em estado de greve – lá, as mudanças já passaram a valer.

Uma das principais consequências do decreto foi a mudança no pagamento das horas trabalhadas aos domingos e feriados. Antes, em cidades onde os estabelecimentos podiam abrir nestas datas, os trabalhadores tinham direito a receber um acréscimo de 100% sobre as horas trabalhadas, além de uma folga compensatória, vale alimentação e auxílio transporte correspondentes ao dia. Agora, os sindicatos de cada cidade terão de renegociar esses termos com os representantes dos supermercados, uma vez que o decreto desobriga os empregadores a conceder todos esses benefícios.

“O que o decreto fez foi editar uma lei de 1949 para incluir os supermercados na lista de serviços essenciais, da qual fazem parte, por exemplo, hospitais e transportes. Isso permite que os estabelecimentos abram como se domingos e feriados fossem dias normais. É um reflexo da flexibilização da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]”, explica Denis Sarak, responsável pelo departamento de direito trabalhista no escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados.

Na prática, isso significa que os empregadores podem pagar os funcionários como se essas datas fossem dias úteis, a menos que outros benefícios sejam acordados em convenção coletiva. Esses acordos locais, explica o advogado, prevalecem sobre o decreto nacional naquele município.

Os patrões também devem respeitar a regra de conceder um dia de descanso semanal aos trabalhadores, de forma que, se o estabelecimento optar por abrir aos domingos, deve trabalhar em esquema de escala. “É importante frisar que essa mudança não significa que todos os supermercados são obrigados a abrir nesses dias. Só quer dizer que, se eles quiserem, podem, sem precisar de autorização e outras burocracias. Se em alguma cidade essa regra não valer, é porque criaram uma nova convenção coletiva”, esclarece.

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Comemorações

A mudança agradou empregadores, que comemoraram a aprovação do decreto. “Nós consideramos que foi uma verdadeira vitória”, diz Roberto Longo, vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e da Associação Paulista de Supermercados (APAS). “Para o brasileiro, é essencial ter arroz e feijão nos domingos e feriados também. Mas, antes, não conseguíamos atender nossa demanda, porque os sindicatos impunham condições muito pesadas para abrir nessas datas – isso quando permitiam abrir.” Permitir que os supermercados abram aos domingos e feriados, segundo ele, também incentiva empresários a abrir novos estabelecimentos e aumentar a equipe em 20% a 25% para atender a demanda nos horários especiais, gerando emprego.

Em São Paulo, as mudanças ainda não passaram a valer, pois a convenção coletiva, que tem validade de um ano, ainda não venceu. Isso não impediu, porém, que o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios (Sincovaga) do estado, Álvaro Furtado, comemorasse.

“O decreto [assinado por Temer] é legítimo, mas não há intenção de usá-lo para exploração”, diz. “É de entendimento do Sincovaga que as empresas não têm obrigação de firmar convenções para poder abrir aos domingos e feriados. Isso não significa, porém, que precisa ser assim. Já procuramos o sindicato [dos comerciários] para conversar a respeito; mas, se a categoria não estiver disposta a abrandar os benefícios concedidos nos feriados, teremos de recorrer à justiça para fazer valer o que está no decreto.”

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O presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo (SECSP), Ricardo Patah, no entanto, diz que os supermercados enfrentarão resistência por parte da categoria. “A convenção que temos hoje é referência no Brasil inteiro, não vamos aceitar nenhuma desonestidade”, diz. “Ainda assim, estamos mantendo diálogo e vamos começar as negociações em breve.”

Greves e demissões

O Rio de Janeiro é uma das cidades que já teve um novo acordo firmado entre os representantes das categorias após a aprovação do decreto. A convenção coletiva assinada pelo Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro (SECRJ) e o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Rio de Janeiro (Sindigêneros) diz que, desde outubro, os supermercados não precisam pagar o adicional sobre as horas trabalhadas – contanto que concedam ao funcionário uma folga nos 30 dias seguintes e um bônus de 30 reais na forma de prêmio, vale alimentação ou vale-compras.

Essa mudança levou os trabalhadores de dois supermercados, Mundial e Carrefour, a decretarem estado de greve no final de 2017, ameaçando cruzar os braços até que um acordo fosse renegociado entre as partes. O sindicato dos comerciários alegou que as empresas estavam desrespeitando a convenção coletiva e pedia que elas voltassem a pagar o adicional de 100% sobre as horas trabalhadas em domingos e feriados.

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“Não são todas as empresas que mudaram a forma de pagar os direitos dos funcionários, mas existe uma pequena parcela de oportunistas que decidiram se beneficiar para aumentar a margem de lucro”, diz Márcio Ayer, presidente do SECRJ. Segundo ele, os estabelecimentos chegaram a demitir funcionários que participavam das mobilizações.

No caso do Carrefour, 25 funcionários foram demitidos às vésperas do Natal, de acordo com o sindicato, com a justificativa de que a empresa estava passando por uma reestruturação. A organização representante dos comerciários disse que já denunciou a marca ao Ministério Público do Trabalho e que todos os demitidos serão ouvidos durante a investigação. “Ainda estamos movendo a ação e devemos retomar o diálogo para entrar em um acordo nas próximas semanas”, diz Ayer.

Já nos supermercados Mundial, a pressão dos trabalhadores obrigou a empresa a voltar atrás e restabelecer o pagamento do adicional mais as folgas previstas antes de outubro, além de reintegrar todos os funcionários demitidos durante o período de mobilização.

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Outro lado

Procurado pela reportagem, o Carrefour diz que “cumpre integralmente a convenção coletiva assinada entre o Sindicato dos Empregados e dos Empregadores, motivo pelo qual não houve nenhum tipo de paralisação em suas lojas. Reforça que, diante do cumprimento integral da legislação e compromisso que mantém com seus colaboradores, oferece ainda aos seus funcionários benefícios espontâneos adicionais que não estão previstos na convenção coletiva, como, por exemplo, assistência médica, assistência odontológica, seguro de vida, convênio farmácia e auxilio ótica.

Sobre os casos de demissão apontados pelo SECRJ, a rede comenta que “mantém intenso diálogo com a entidade e com o Ministério Público do Trabalho, a fim de esclarecer todas as questões levadas para a empresa”. “Mais uma vez, a rede ressalta que permanece à disposição para dialogar com as entidades representativas, mantendo as portas abertas e respeitando os limites da lei e da convenção estabelecida entre as partes.”

O Supermercados Mundial, por sua vez, afirma que “a situação envolvendo os funcionários no final de 2017 foi desencadeada em função de uma alteração na política de benefícios da rede, que foi resolvida no início de dezembro”. “No entanto, o Mundial ressalta que na ocasião estava apenas cumprindo e seguindo fielmente a convenção coletiva que foi assinada e validada pelo próprio Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro. É importante destacar que o episódio ocorrido não teve relação alguma com a reforma trabalhista.”

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A empresa diz que oferece aos seus funcionários outros benefícios independentemente de qualquer exigência legal ou sindical e afirma que “nunca atrasou o pagamento de seus funcionários e cumpre rigorosamente as leis e normas trabalhistas previstas na CLT”.

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