Setores desonerados empregaram menos e não aumentaram salário, diz governo
Na luta por derrubar decisão do Congresso que prorrogou benefício, Fazenda divulga relatório em que afirma que conta é cara e não trouxe benefícios

Em meio à escalada dos atritos entre governo federal e o Congresso Nacional na briga pelo futuro da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, o Ministério da Fazenda divulgou nesta sexta-feira, 26, o relatório que prometia há meses com um raio-x dos retornos – ou da falta deles – que a redução dos tributos a essas empresas trouxe para a economia.
O documento aponta que, ao longo da última década, a geração de empregos nos setores beneficiados caiu, enquanto no restante da economia houve crescimento. Como resultado, a participação das vagas de trabalho geradas dentro dessas categorias está hoje menor, dentro do mercado de trabalho total do país, do que quando o programa de desonerações começou.
O levantamento também verificou que não houve aumento nem dos salários pagos aos trabalhadores das empresas beneficiadas, nem da massa salarial, que é a conta que considera tudo o que todas as pessoas empregadas nesses setores recebem em conjunto. Por essa razão, a massa salarial é o dado que melhor traduz os potenciais de aumento para o consumo e o crescimento da economia como um todo.
“Este estudo mostra que a ampla divulgação de que a política atinge ‘os 17 setores que mais empregam na economia’ é enganosa e distorce a realidade presente na legislação, tanto no aspecto do número de setores envolvidos na política, quanto em relação ao peso desses setores como empregadores”, afirma o relatório. “A racionalização do benefício da folha de pagamentos e a mudança de seu desenho é uma recomendação de política pública que deve ser buscada pelos atores envolvidos no processo de políticas públicas do país”, acrescenta.
Depois de diversas tentativas fracassadas de derrubar no Congresso a prorrogação das desonerações promovida pelos parlamentares no fim do ano passado, o presidente Lula levou, na quarta-feira, 24, um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a prorrogação, contestando sua inconstitucionalidade, e, na quinta, 26, o ministro Cristiano Zanin, do STF, acatou a ação e suspendeu temporariamente trechos das desonerações aprovadas. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, proometeu recorrer da ação. No STF, o placar a favor do governo estava em 3 a 0 até a tarde desta sexta.
A relação entre executivo e legislativo sobre esse tema azedou mais no fim do ano passado, quando, nos últimos dias de dezembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, publicou uma medida provisória que derrubava as desonerações votadas dias antes pelos parlamentares para sugerir uma volta gradual dos impostos isentos. O fato de o ministro sobrepor uma medida provisória, que tem efeito imediato e não exige votação em um primeiro momento, a uma matéria votada dias antes pelo Congresso passou bem longe de ser bem visto pelas casas legislativas.
Desde 2011, no governo de Dilma Rousseff, as empresas de um grupo de dezessete setores estão isentas de pagar o INSS – uma contribuição de 20% feita sobre a folha de pagamento – e podem, alternativamente, optar por pagar uma cobrança menor aplicada sobre a receita bruta. O programa era previsto para ser temporária, em meio às dificuldades deixadas pela crise financeira de 2009, mas vem sendo prorrogado repetidamente desde então.
Previsto, da última vez, para acabar em 2023, acabou prorrogado no fim do ano passado pelo Congresso para seguir valendo até 2027. O argumento do governo é que a prorrogação seria inconstitucional, já que foi feita sem demonstrar de onde virão os recursos que compensarão a perda de arrecadação, uma exigência das leis fiscais do país. Só em 2024, de acordo com a Fazenda, a perda de arrecadação com a renúncia está calculada em 15 bilhões de reais – um volume bastante respeitável de dinheiro que teria papel preponderante em ajudar o governo a cumprir sua promessa de tirar as contas do vermelho neste ano.
Sem novos empregos ou aumento de salário
De acordo com o levantamento apresentado pela Fazenda, entre 2015 e e 2021, o total de vagas de emprego existentes em todos os setores beneficiados pela desoneração da folha caiu 0,1%. A tendência foi na contramão do que aconteceu com os demais, em que a oferta de vagas cresceu 2,1%. Como resultado, a participação das indústrias beneficiadas no total de empregos do país caiu de 21% em 2015 para 18% em 2021.
No caso dos salários, os valores médios pagos pelos setores beneficiados caíram menos do que no restante da economia: a perda acumulada de 2015 a 2021, dentro deles, foi de 1,1%, ante redução de 1,4% nos demais. As variações levam em consideração os valores reais, ou seja, já descontam as perdas com a inflação.
A massa salarial, porém, andou em direções opostas entre os dois grupos comparados: nos setores desonerados ela caiu 1,2%, enquanto, no restante, houve aumento de 0,6%, também em termos reais. “Na média, os não desonerados expandiram o emprego, ainda que tenham reduzido os salários pagos, enquanto os desonerados reduziram emprego e salários pagos”, explica o relatório.
Veja a lista dos setores beneficiados:
- calçados;
- construção civil;
- call center;
- comunicação;
- construção e obras de infraestrutura;
- couro;
- fabricação de veículos e carroçarias;
- máquinas e equipamentos;
- proteína animal;
- têxtil;
- tecnologia da informação (TI);
- tecnologia da informação e comunicação (TIC);
- projeto de circuitos integrados;
- transporte metroferroviário de passageiros;
- transporte rodoviário coletivo
- transporte rodoviário de cargas