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Os ruídos brasileiros que atravancam o acordo entre Mercosul e UE

Enquanto os europeus mostram-se dispostos a ratificar a parceria, disputas internas no governo e questões ambientais atrasam a consolidação do tratado

Por Victor Irajá Atualizado em 13 set 2020, 13h03 - Publicado em 9 set 2020, 16h23

Foram imediatas e desesperadas as ligações para os gabinetes de assessores do vice-presidente Hamilton Mourão depois de o general disparar, com todas as letras: “Acordo MercosulUnião Europeia parece que começa a fazer água”, há duas semanas. Não foi ponto sem nó. Enquanto diplomatas e membros do Itamaraty se preocupavam, Mourão sabia que tinha atingido a mira em cheio. Presidente do Conselho Amazônia Legal, o vice-presidente vem costurando as tratativas para a consolidação do acordo de livre comércio com o bloco europeu e reclama, em conversas privadas, sobre a inércia do Ministério das Relações Exteriores, sob a tutela de Ernesto Araújo, nas conversas para ratificação do tratado. Com a intermediação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vindo da iniciativa privada, o vice-presidente vem se encontrando com membros de instituições financeiras e empresas privadas para mostrar o compromisso com a pauta ambiental. Prova disso, segundo ele aos entes de mercado, era o pedido ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para estender até 2022 a presença do Exército na região amazônica, para coibir o desmatamento na região, por meio da extensão da Garantia da Lei e da Ordem. 

Tem dado certo. Depois de retaliações públicas ao acordo por parte dos europeus, o clima das negociações arrefeceu nos bastidores. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, vem meses a fio costurando essa aproximação. Em uma reunião ocorrida em janeiro a titular da Agricultura dos Países Baixos, Carola Shouten, a ministra brasileira ouviu da colega europeia que o uso de defensivos agrícolas nas produções brasileiras a preocupava. A resposta veio por meio de dados. A brasileira apresentou um levantamento da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a FAO, apontando que os Países Baixos são o país que proporcionalmente mais usa os chamados defensivos agrícolas em relação ao tamanho das produções. Os holandeses usam mais que o dobro de produtos que os brasileiros, 9,38 quilos por hectare, contra 4,31 quilos. Com isso, o ambiente de negociações melhorou e o governo conseguiu arrefecer os ânimos dos europeus em relação ao acordo. O problema, porém, é muito mais de imagem do Brasil no exterior devido a questões ambientais do que qualquer outro ponto do tratado em si. 

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina: Costuras internacionais para arrefecer os ânimos europeus (Marcos Correa/PR)

No mês passado, Stephan Seibert, porta-voz da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, colocou o acordo em xeque. “Temos sérias dúvidas de que o acordo possa ser aplicado conforme planejado, quando vemos a situação”, afirmou, referindo-se à Amazônia. A fala foi feita logo após uma reunião com a ativista sueca Greta Thunberg. Entre altos assessores do Palácio do Planalto, a fala foi interpretada como uma “jogada para a torcida” alemã. “Não pegaria bem para eles ver o Pantanal em chamas e ratificar a parceria”, diz um auxiliar. E os fatos corroboram com a leitura. Presente em um almoço com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, nesta quarta-feira, 9, o embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, confirmou a VEJA a disposição da maior economia da União Europeia para ratificar o tratado. “Nossa posição permanece intacta. Nós fomos capazes de estabelecer esse acordo depois de quase 30 anos de negociação, e estamos muito dispostos em consolidá-lo”, diz. “A Alemanha está arraigada a esse compromisso, mas é um processo. Existem problemas políticos, mas existem muitos interesses mútuos na consolidação do tratado”, completa ele, citando a preocupação alemã com os desmatamentos na região amazônica.

General Mourão, no Conselho Amazônia: Cargo benquisto pelos europeus (Bruno Batista//VPR/Divulgação)

A União Europeia concorda com a leitura. Em entrevista a VEJA, o embaixador responsável pelas relações diplomáticas entre o bloco europeu e o Brasil, o diplomata espanhol Ignacio Ybáñes, diz que o acordo “é aposta para o futuro”. “O acordo está baseado em valores que a União Europeia e o Mercosul compartilham, como a democracia e os direitos humanos, mas também em compromissos, digamos, mais modernos, como os da sustentabilidade”, destaca ele. “O acordo estabelece que cumpramos os grandes tratados do clima internacionais, como o Acordo de Paris”, afirma, reconhecendo que, na visão europeia, o acordo é interessante e ganhou novos ares de urgência depois da pandemia de Covid-19 assolar os dois continentes. Ele, porém, reconhece as dificuldades de consolidar as tratativas. “Estamos em um momento mais delicado do processo”, admite. Não é para menos. No ano passado, o monitoramento de desmatamentos por satélite registrou uma área de derrubada de 10.129 quilômetros quadrados, um aumento de 34% em comparação a 2018. O problema, portanto, para a consolidação do maior tratado comercial da história do país é interno.

A nomeação de Mourão para a presidência do Conselho Amazônia renovou as esperanças dos europeus com o acordo e os compromissos do Brasil com a pauta ambiental. A atuação de Mourão é bem-vista entre as autoridades europeias. Mas há críticas entre esferas do governo. Incomodam à área técnica do Conselho Amazônia e do Ministério da Agricultura as atuações dos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e de Ernesto Araújo. O vice-presidente e Tereza Cristina têm se queixado da atuação do responsável pela pauta ambiental do país, argumentando que as declarações e políticas de Salles têm afastado investimentos e afetado ainda mais a imagem do governo no exterior. Mourão reclama que, por causa do que classifica como pouco apreço do ministro pela pauta ambiental, Salles não oferece equipes para construir pontes de diálogo, em consonância entre a vice-presidência e a pasta do Meio Ambiente, para engendrar as medidas de combate ao desmatamento.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles: Imagem queimada lá fora (Bruna Prado/Getty Images)

De acordo com interlocutores do vice-presidente, Salles não confia nos assessores e membros mais antigos do Ministério do Meio Ambiente e tampouco nos presidentes de órgãos sob o guarda-chuva da pasta, como o Ibama. O último entrevero envolveu a denúncia pública de Salles a respeito do bloqueio de 60,6 milhões de reais para o Ibama e para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo o ministro do Meio Ambiente, o bloqueio inibiria a atuação de fiscais na Amazônia. Mourão, publicamente, botou panos quentes: “O ministro teve uma precipitação aí e não vai ser isso que vai acontecer”. Internamente, a cobrança pública pegou mal. “Viesse falar comigo antes, a gente resolvia”, disse Mourão a ministros da cúpula militar do governo. O episódio desgastou ainda mais a relação do titular do Meio Ambiente com os ministros Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Walter Braga Netto, da Casa Civil. Salles, aliás, respiraria por aparelhos dentro do governo, graças ao respaldo com os filhos do presidente e a interpretação por parte dos Bolsonaros que, com a demissão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, a ala ideológica só tem de remanescentes no primeiro escalão o ministro Salles; Damares Alves, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos; e Araújo.

 

No caso do chanceler, o problema é de gestão. Cobrado por eficiência, o ministro foi ofuscado pela atuação de Tereza Cristina em âmbito internacional, até mesmo nas costuras das tratativas com o bloco europeu. A principal conquista do ministro, segundo fontes palacianas, foi uma aproximação do Brasil com os Estados Unidos, numa relação em que o país não coletou benefício algum — apenas cedeu. O acordo com a União Europeia é visto pelo ministro como a bala de prata para sua biografia à frente do Itamaraty. A pancada de Mourão ao jogar “por água” o acordo pressionou os diplomatas do Itamaraty, que confirmaram ao vice-presidente a inclinação e os trabalhos diários para melhorar a imagem do país no exterior. Em chamas, a reputação do Brasil no exterior vem sendo tópico das discussões diárias do Itamaraty, da vice-presidência e do Ministério da Agricultura junto aos europeus. Cabe ao presidente Jair Bolsonaro o chapéu de bombeiro e demonstrar compromisso firme com a agenda ambiental.

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