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Os quatro erros da Alemanha

Para Marcel Fratzscher, a Europa precisa de uma grande negociação, com coordenação de reformas, que a Alemanha parece brigar contra

Por Marcel Fratzscher
Atualizado em 30 jul 2020, 21h43 - Publicado em 19 dez 2014, 06h41

A postura da Alemanha em relação à Europa hoje é de rejeição e distanciamento. Os formuladores de políticas públicas do país negam aos vizinhos em crise da zona do euro uma política fiscal mais ativa, recusam-se a apoiar a agenda europeia de investimentos para gerar demanda e crescimento. Além disso, declararam como objetivo doméstico número um o excedente orçamentário – em vez de um potencial crescimento mais acelerado – e começaram a se voltar contra o Banco Central Europeu (BCE) na batalha contra a deflação e a crise do crédito. Em todos estes quatros pontos, a Alemanha está errada.

É claro, a Alemanha tem motivos para rejeitar os pedidos tacanhos de expansão fiscal irrestrita da França e da Itália. Afinal de contas, o estímulo fiscal só funciona se sustenta o investimento privado e é acompanhado de muito mais do que reformas estruturais ambiciosas – o tipo de reforma a que França e Itália resistem atualmente.

Mas a Alemanha tem a influência necessária para implementar as reformas voltadas para a estabilidade que deseja para a Europa. Para começar, a Alemanha, juntamente com a Comissão Europeia, pode obrigar a França a empreender reformas mais profundas em troca de mais tempo para consolidar o seu déficit.

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A Alemanha não pode, no entanto, ceder à sua obsessão por reformas de oferta sem visar também políticas de estímulo ao crescimento. Como a Alemanha aprendeu por experiência própria, no início dos anos 2000, os resultados benéficos das reformas de oferta – como o aumento da competitividade e das taxas de crescimento de longo prazo – levam muito tempo a aparecer.

O tempo é um luxo que a Europa não possui. A cada mês que a economia perde capacidade produtiva, a probabilidade de estagnação e deflação aumenta.

A chave para acabar com a crise europeia é um plano de estímulo que ataque as deficiências tanto de oferta quanto de demanda. É por isso que a recusa da Alemanha em ajudar a achar uma maneira de financiar a agenda europeia de investimentos – que, por um tempo limitado, financiaria investimentos privados produtivos – é um erro.

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Igualmente problemático é o foco alemão em manter um excedente orçamentário. Com a revisão da projeção de crescimento do PIB alemão deste ano indicando uma queda de mais de 0,6% nos últimos meses, o governo poderia ser forçado a iniciar uma política fiscal pró-cíclica para atingir seu objetivo, induzindo a um crescimento ainda mais baixo no país e em toda a zona do euro.

Considerando que o produto interno bruto alemão segue negativo, o governo deveria implementar uma política fiscal de expansão que atacasse as fraquezas do país. Neste sentido, o plano ministro das Finanças Wolfgang Schäuble de gastar 10 bilhões de euros adicionais (12,5 bilhões de dólares) em investimentos públicos entre 2016 e 2018 é um passo na direção certa. Mas, com apenas 0,1% do PIB anual da Alemanha, o projeto de Schäuble parece mais uma tentativa de calar as críticas do resto da Europa do que uma verdadeira mudança de política.

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O quarto erro da Alemanha no que diz respeito às políticas é a sua aparente retirada de apoio ao BCE. Nos últimos sete anos, as ações do BCE ajudaram a economia e os contribuintes alemães tanto quanto ajudaram seus vizinhos. Além disso, a alegação de que as aquisições do BCE de instrumentos de dívida são equivalentes a “empréstimos tóxicos” que transferem risco para os contribuintes alemães é infundada; afinal de contas, quase não houve incumprimentos desde 2008.

Os líderes alemães precisam reconhecer isto – e defender publicamente o BCE de boatos alarmistas sem fundamento. O fracasso em fazer isto pode refletir um esforço em antecipar o avanço das forcas políticas anti-europeias de extrema direita, particularmente da Alternativa para a Alemanha. Mas esta estratégia só serve ao partido.

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Se a Alemanha se recusar a adotar uma abordagem mais razoável, arrisca minar a credibilidade do BCE, reduzindo, deste modo, a eficácia de suas medidas. Se isso acontecer, o BCE pode muito bem ser obrigado a fazer aquisições em larga escala de investimentos de governos da zona do euro através do seu chamado esquema de “transições monetárias definitivas” – um plano a que muitos formuladores de políticas e economistas alemães se opõem fortemente.

O governo alemão pode usar a sua considerável influência para obrigar França e Itália a fazerem as reformas estruturais de que necessitam, permitindo, enquanto isso, um estímulo à demanda favorável ao crescimento para afastar a ameaça de deflação que paira sobre a zona do euro. E ele tem a autoridade para reforçar a credibilidade do BCE e, consequentemente, os seus esforços para garantir a futura estabilidade dos preços e prevenir o contágio financeiro.

A Europa precisa de uma grande negociação, com uma estreita coordenação de reformas estruturais e políticas fiscais e monetárias. A relativa estabilidade econômica e política da Alemanha, longe de permitir ao país que se distancie desses esforços, está entre os protagonistas mais importantes do seu desenvolvimento e implementação. A questão é se os líderes alemães irão reconhecer isto antes que a economia europeia caia em uma depressão ainda mais profunda.

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Marcel Fratzscher, ex-chefe de Política Internacional do Banco Central Europeu, presidente do think tank DIW Berlin e professor de Macroeconomia e Finanças da Universidade Humboldt.

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