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Na China, uma cidade com muitos prédios e pouca gente

Autoridades locais investiram mais de 1 bilhão de dólares em projeto visionário

Por The New York Times
24 out 2010, 11h10

Por muitas razões, a cidade de Ordos, no norte da China, é um sucesso. Possui gigantescas reservas de carvão e gás natural, uma economia em crescimento acelerado e um mercado imobiliário fervendo, onde quase toda cobertura residencial é vendida num estalo de dedos. Só falta um detalhe no novo bairro mais extravagante da cidade: pessoas. Ordos tem cerca de 1,5 milhão de habitantes. Porém, sua versão “cidade do futuro” – erguida do nada em uma enorme área localizada a cerca de 25 quilômetros ao sul da cidade velha – é tudo, menos ocupada.

As amplas avenidas da região estão livres do trânsito. Edifícios empresariais continuam vazios. Pedestres têm poucas opções de deslocamento. E até o capim começa a surgir em empreendimentos de luxo desprovidos de moradores. “Aqui é bastante solitário”, afirma Li Li, gerente de marketing de um sofisticado restaurante no Lido Hotel, que está vazio. “A maioria das pessoas que vem ao nosso restaurante são funcionários do governo e seus convidados. Não existem moradores comuns aqui por perto.”

As autoridades da cidade vibraram com os incorporadores agressivos, na esperança de que eles tornariam Ordos uma versão chinesa de Dubai – transformando a vasta região de vegetação árida da estepe mongoliana em uma próspera metrópole. Eles investiram mais de 1 bilhão de dólares no projeto visionário. Porém, quatro anos após a sede do governo ser transferida para Kangbashi, a nova região, com centenas de prédios residenciais, edifícios comerciais prontos e área de 20.000 metros quadrados, virou motivo de chacota no jornal China Daily. É considerada um monumento “fantasma”, aumentando ainda mais a sensação de otimismo frustrado.

Enquanto a economia da China continua a abastecer um boom desenfreado nas construções, especialistas falam sobre lugares como Kangbashi como prova da bolha especulativa imobiliária prevista por eles. Ela eventualmente iria estourar, trazendo ondas de pânico ao sistema financeiro de um país que nos últimos dois anos tem sido o principal motor do crescimento global.

Na última terça-feira, a China surpreendeu os analistas aumentando a taxa de juros pela primeira vez em três anos, aparentemente para jogar um balde de água fria na especulação do mercado imobiliário. A jogada causou nervosismo nos mercados financeiros pelo mundo e ações começaram a despencar, temendo que o país diminua o ritmo como principal potência para a recuperação global. Mas na China especialistas ainda têm dúvidas se o pequeno aumento nas taxas de juros irá reduzir o golpe de sorte da construção civil que chega até a regiões remotas como esta.

Cidades fantasma – Kangbashi foi projetada para ter 300.000 moradores atualmente – o governo afirma que 28.000 pessoas residem nessa área. Porém, durante uma visita recente, um repórter dirigiu por horas pela cidade com dois corretores imobiliários e viu apenas um punhado de moradores nos empreendimentos residenciais.

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Analistas estimam que pode haver uma dúzia de outras cidades como Ordos na China, com dependências fantasma. Ao sul da cidade de Kunming, por exemplo, uma área com cerca de 40.000 metros quadrados chamada de Chenggong levantou preocupação por causa da semelhança entre ruas desertas, arranha-céus e escritórios do governo. E em Tianjin, no nordeste, a cidade gastou fortunas em uma enorme área distrital rodeada por campos de golfe, fontes de água quente e empreendimentos que continuam desocupados cinco anos após a entrega dos imóveis.

A situação pode até parecer mera insensatez de novos ricos, não fosse a meta nacional do governo chinês de deslocar centenas de milhões de moradores rurais para grandes cidades na próxima década na tentativa de expandir a classe média. Determinar se o modelo de crescimento e reengenharia de cidades antigas, como feito em Ordos, está sendo forçado pelo planejamento inteligente ou empurrado pela loucura especulativa realmente é o principal desafio para os governantes de Pequim.

Temendo a desigualdade e a perturbação social, o governo da China tem lutado para tomar as rédeas nos preços exorbitantes dos imóveis e puxar o fio da meada da inflação, ainda que ambiciosos funcionários locais continuem a desenhar mais plantas para novas megacidades. E se os bancos estatais empacarem os empréstimos a incorporadores, o mercado paralelo fará isso com prazer.

Desenvolvimento imobiliário – Patrick Chivanec, professor de administração na Tsinghua University em Beijing, conta que o boom é forçado por investidores em frenesi – e não pelas necessidades de habitação de milhões de trabalhadores imigrantes. “As pessoas estão usando os imóveis como investimento, um lugar para se guardar dinheiro – eles os tratam como ouro,” disse Chivanec. “Eles estão empilhando unidades vazias. Isso acontece em cidades de todos os tamanhos.”

Em Ordos, poucos expressam uma segunda opinião. Há guindastes por todos os lados e a construção civil investiu 450 milhões de dólares no distrito financeiro em Kangbashi, um local que terá seis arranha-céus comerciais. O desenvolvimento imobiliário é tão intenso que, no ano passado, as vendas residenciais em Ordos chegaram a 2,4 bilhões de dólares, de 100 milhões em 2004, de acordo com estatísticas feitas pelo governo. Nesse espaço de tempo, o valor médio do metro quadrado residencial e comercial aumentou cerca de 260%.

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“Essa é a cidade do futuro”, disse Li Kong, um funcionário do governo durante recente viagem à Kangbachi. “Nós vamos transformá-la no centro da política, cultura e tecnologia. Este é o nosso sonho.” Mas o futuro ainda não chegou, apesar dos esforços para convencer os visitantes do contrário. “Você nota que tem energia de verdade aqui”, disse ele numa tarde, olhando para uma praça onde se via cerca de uma dúzia de pessoas – presumivelmente funcionários do governo – perto de esculturas em bronze em homenagem ao guerreiro mongol Genghis Khan.

As edifícios vazios que circundam a praça incluem um teatro, um ópera e um museu de arte. Minutos antes, Li Hong acompanhou um repórter a um centro de convenções de 150.000 metros quadrados vazio e a um prédio comercial com corredores escuros, portas trancadas e algumas almas perdidas. “A imprensa que disse que essa era uma cidade fantasma fotografou aqui perto das 6 ou 7 horas da noite”, afirma ele, apontando que muitos funcionários do governo continuam a se deslocar de suas cidades até o trabalho por causa da falta de lojas e restaurantes na nova região.

Otimismo – Alguns líderes podem basear seu otimismo no lucro inesperado em Ordos nos últimos anos, que paira no topo de uma das maiores reservas de carvão do mundo, cujo preço aumentou junto ao voraz apetite por energia na China. Antes miserável, a região agora possui um número crescente de milionários do carvão e o maior PIB per capita do país (19 679 dólares). Os Land Rovers são o símbolo da nova riqueza de Ordos. “Abri minha empresa em 1988; antes disso, eu era um funcionário do baixo escalão do governo”, conta Zhang Shuangwang, 66 anos, presidente do Yitai Group, um das maiores empresas privadas de carvão e transporte. ” O governo nos deu 7.500 dólares, depois emprestou 60.000 dólares e disse’façam o que quiser com o dinheiro’. Então compramos a mina.”

Duas décadas depois, Zhang é um milionário, e Wall Street está cortejando sua companhia de 4 bilhões de dólares ao ajudar uma de suas unidades a se tornar empresa de capital aberto. Em 2004, com os cofres de Ordos polpudos com o dinheiro do carvão, funcionários delinearam um audacioso plano para a criação de Kangbashi, a 30 minutos de carro ao sul da antiga cidade, em área adjacente a um dos poucos reservatórios da região. O fato dos leilões de terra serem uma incrível fonte de renda na China, parte do fascínio do plano foi a chance de elevar o valor de imóveis em área não construída.

Na sequência das desenfreadas construções, compradores ficavam empolgados com os projetos residenciais que tinham nomes do tipo Exquisite Silk Village, Kanghe Elysees e Imperial Academic Gardens. Alguns compradores eram como Zhang Ting, um empresário de 26 anos que agora é um dos raros moradores de Kangbashi, e seu mudou para Ordos no início deste ano. “Comprei dois imóveis em Kangbashi, um para morar e outro como investimento”, afirma Zhang, que pagou cerca de 125.000 dólares no seu apartamento de 600 metros quadrados. Eu comprei porque os preços com certeza vão subir numa cidade como essa. Não há dúvidas disso. O próprio governo já se mudou para lá.”

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