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Lorota lucrativa

Propaganda da Empiricus, empresa de análise de investimentos, vira fenômeno no YouTube graças a uma papagaiada mentirosa da agora famosa Bettina

Por Caio Barretto Briso
Atualizado em 22 mar 2019, 15h20 - Publicado em 22 mar 2019, 07h00

Poucos conseguiram passar os últimos dias alheios a Bettina Rudolph. Ela apareceu antes dos gols da rodada, de episódios antigos de novelas, até da Galinha Pintadinha, e virou um fenômeno do YouTube. Na manhã da terça-feira 12, a jovem administradora deu o primeiro passo para ficar conhecida ao dizer orgulhosamente para a câmera que havia se tornado milionária aos 22 anos de idade. “Comecei com 19 anos e 1 520 reais. Três anos depois, tenho mais de 1 milhão. Simples assim”, ela afirma, no vídeo, e explica seu método: “Eu comprei ações na Bolsa de Valores”. Bettina não é uma atriz lendo um roteiro de ficção. Ela trabalha como redatora publicitária na Empiricus, empresa que vende análises de investimento. Visto mais de 20 milhões de vezes, o vídeo provocou incredulidade óbvia, reações raivosas contra a jovem, debates sobre machismo, memes para todos os gostos, um funk em sua homenagem, uma notificação do Procon à Empiricus e também a ilusão da riqueza fácil em 1,1 milhão de pessoas. É o número de interessados que se cadastraram no site da Empiricus na última semana sonhando enriquecer como Bettina. O problema é que, como a própria Bettina admitiu depois que o assunto explodiu nas redes sociais, a conta do 1 042 000 reais inclui muito mais do que um investimento certeiro em ações: ela economiza metade do salário todos os meses e 100% dos bônus anuais que recebe no emprego. Além disso, ganhou 35 000 reais do pai (que também pagava suas contas) e junta outras fontes de renda não esclarecidas, que usou ao longo desse período em novos aportes. “Tanto no Japão quanto nos Estados Unidos, um caso como esse seria passível, em última instância, de revogação da licença da empresa”, afirma Alexandre Kawakami, advogado especialista em mercado de capitais e compliance, referindo-se à papagaiada promovida pela Empiricus.

A Bolsa de Valores de São Paulo vive um ótimo momento. Na segunda-feira 18, o Índice Bovespa, que reúne as principais ações negociadas no pregão, atingiu a inédita marca de 100 000 pontos. A boa fase atrai a atenção de milhares de brasileiros que nunca investiram na vida, interessados em aumentar os rendimentos com a compra e a venda de ações. A B3 (nome oficial da bolsa) terminou 2018 com mais de 813 000 pessoas autorizadas a negociar no pregão, uma elevação de 31% em relação ao ano anterior. Só nos primeiros dois meses de 2019, esse número já pulou para 920 000. É gente que está arriscando uma parte de seu patrimônio e tem direito a uma informação confiável e segura.

A DESCULPA - Felipe Miranda, fundador da Empiricus: “Marketing histriônico” (Karime Xavier/Folhapress/VEJA)

A Empiricus é uma entre várias empresas que auxiliam potenciais investidores a compreender o funcionamento do mercado de ações — e fazem indicações de papéis que podem, no seu entender, trazer rendimentos a quem apostar neles. Trata-se de um negócio legítimo que, para se manter idôneo, precisa de regras, como qualquer ramo empresarial. E a Empiricus faz o que pode para burlar essas regras. “A CVM (Comissão de Valores Mobiliários, órgão regulador do mercado) pode aplicar diversas penas pelo descumprimento de suas normas, que vão de simples advertências a multas de até 50 milhões de reais”, explica Otavio Yazbek, ex-diretor da CVM.

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Fundada há dez anos por Felipe Miranda e três amigos, a Empiricus nasceu oficialmente como uma casa de análise de investimentos. Em 2017, justamente por causa de suas propagandas enganosas, Miranda mais dois de seus principais analistas foram suspensos pela Apimec, entidade que autorregula o trabalho de analistas e profissionais de investimento. Em vez de corrigir seu comportamento, o fundador mudou o objeto social da companhia e ela passou a ser uma “empresa de comunicação”, que produz conteúdo de orientação em investimentos para 350 000 assinantes. Com a alteração, a empresa entrou com uma liminar para dar baixa em seu registro na CVM — e assim ficar livre da fiscalização do órgão. A medida, considerada uma manobra para burlar a fiscalização, foi derrubada nos tribunais em dezembro de 2018, mas ainda não há decisão final. Enquanto o caso não se encerra, a CVM aguarda para tomar qualquer atitude, pois, afinal, a Empiricus se desfiliou de seus quadros. O Conar, que regulamenta a atividade publicitária, não instalou processo contra o anúncio. Miranda afirma que não respeita a CVM como órgão regulador e que submeter seus relatórios ao crivo da instituição, como toda empresa de análise de investimentos é obrigada a fazer, seria “censura”. Verdade seja dita, nem a CVM atuou com rigor no caso: a Empiricus responde a quinze procedimentos da época em que ainda era filiada — nenhum resultou em punição.

Felipe Miranda nega que Bettina esteja mentindo na propaganda. “Fazemos um marketing histriônico, exagerado, mas nunca mentiroso”, diz. Ele acredita que, se campanhas de cerveja podem mostrar mulheres de biquíni quando se abre uma latinha, a Empiricus pode prometer ganhos irreais. Miranda está feliz com a repercussão do vídeo. Só teme pela segurança de Bettina, a quem recomendou que passe um tempo em casa e ofereceu guarda-costas. Enquanto as autoridades seguirem ignorando o caso, Miranda continuará enriquecendo — mesmo que não invista 1 real em ações.

Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627

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