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Governo prepara frente bilionária de investimentos em biogenéricos

Por meio do BNDES, empresas terão linha de crédito para desenvolver remédios biológicos – e assim ajudar a reduzir o déficit da saúde na balança comercial brasileira

Por Ana Clara Costa e Aretha Yarak
30 abr 2012, 14h39

Plano Brasil Maior irá desonerar produção e Anvisa corre para aprovar licenças de biomedicamentos

As articulações do Palácio do Planalto, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para apoiar empresas e setores costumam receber muitas críticas, sobretudo quando se trata de apoiar grupos privados já financeiramente sólidos ou quando o benefício da ação para o conjunto da economia é pouco evidente. O governo está perto, no entanto, de acertar no suporte a uma boa causa: o desenvolvimento de tecnologia e de uma indústria farmacêutica no país.

Disposto a reverter o déficit na balança comercial de medicamentos, que em 2011 passou de 4 bilhões de dólares, o Planalto articula um plano, junto com o BNDES, para incentivar a pesquisa e a produção de biomedicamentos no Brasil. A previsão é que o banco libere, inicialmente, mais de 1 bilhão de reais para esse fim, quer seja por meio de linhas de crédito, quer por participação direta do BNDESPar (braço de investimento privado da instituição). Além disso, estão previstos investimentos em laboratórios públicos que venham a firmar parcerias público-privadas (PPPs) para o desenvolvimento de novas tecnologias no setor.

Biomedicamentos são remédios feitos a partir de organismos vivos, como bactérias ou leveduras (veja quadro explicativo). São usados no tratamento de diabetes, doenças autoimunes, câncer, entre outras enfermidades. A insulina é o biomedicamento mais popular no mundo, enquanto o Avastin – um anticorpo monoclonal, isto é, produzido a partir de clones de uma única célula – é um dos remédios contra o câncer mais usados. Em 2011, o Brasil importou mais de 5,8 bilhões de dólares em medicamentos e exportou apenas 1,1 bilhão de dólares. Quase a metade dessa conta é atribuída aos biológicos, que são usados, principalmente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apenas nos três primeiros meses de 2012, a balança comercial de remédios já está negativa em 1,4 bilhão de dólares.

O que são biomedicamentos?

  1. A substância ativa de um medicamento biológico é feita por (ou derivada de) um organismo vivo, como uma bactéria ou uma levedura (um tipo de fungo unicelular).
  2. Ele pode ainda ser obtido de uma fonte biológica, como um tecido ou sangue, de onde são extraídos compostos que agem como medicamentos.
  3. Diferentemente de um remédio sintético, que é produzido por síntese química em processos controlados, o remédio biológico tem um processo bem mais complexo, que pode envolver etapas de recombinação genética.
  4. Seus efeitos colaterais podem ser graves e têm, geralmente, relação direta com o sistema imunológico, podendo levar a uma doença autoimune.

    No Brasil, há vários biológicos em uso: insulina recombinante, interferon (diabetes), eritropoietina (anemia causada por falência renal), fatores de crescimento e anticorpos monoclonais (usados no tratamento de doenças autoimunes, no câncer e após um transplante).

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  5. Vacinas e antissoros também são considerados biológicos. O remédio Avastin, um anticorpo monoclonal, é um dos remédios contra o câncer mais usados no mundo.
  6. Em 2011, o FDA (agência americana similar à Anvisa) retirou seu uso para casos de câncer de mama em estágio avançado, mas ele ainda é indicado para alguns tipos de câncer colorretal, pulmonar, renal e cerebral.

Custo elevado – Segundo dados do Ministério da Saúde, os biomedicamentos correspondem a 1% de todas as doses que o país compra, mas consomem 34% do orçamento do SUS. Em 2009, esse porcentual era de 41%. “A importação desses remédios tem um custo muito alto e o SUS, que é o maior comprador, não consegue suprir essa demanda, mesmo desembolsando milhões de dólares. No final das contas, muita gente morre por falta de tratamento”, afirma professor e chefe do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), João Bosco Pesquero. Segundo o pesquisador, o governo gasta cerca de 250 mil reais por ano por paciente em tratamentos com biomedicamentos para doenças graves. “Se produzimos no país, geramos emprego, conhecimento e economizamos divisas”, afirma Pesquero.

O objetivo do governo, entretanto, não é investir logo de cara no desenvolvimento de produtos, mas sim estimular empresas a produzirem biogenéricos – que são medicamentos biológicos similares aos que já existem no mercado. Especialistas do setor são unânimes em afirmar que este já é um passo muito importante, pois cria condições para a formação de capital intelectual, capacitação de mão-de-obra e aprimoramento tecnológico – passos necessários para que, um dia, o Brasil desenvolva linhas inteiramente novas de remédios biológicos.

A Bionovis, companhia recém-criada pelas farmacêuticas EMS, Hypermarcas, Aché e União Química, atuará em biogenéricos. Com 500 milhões de reais em investimentos previstos, a empresa terá uma planta voltada ao abastecimento do mercado interno, sobretudo o SUS. “Hoje, existe uma regulamentação e vários produtos estão começando a perder patente. O governo brasileiro está criando condições para a produção local e há um convite do governo para que a gente possa investir dentro do Brasil”, afirma Odnir Finotti, presidente da Bionovis.

BNDES de olho – O empresário nega a participação do BNDES na empreitada e reitera que a companhia já está capitalizada com dinheiro privado. Fontes ligadas ao negócio garantem, no entanto, que o banco estatal articula adquirir participação na companhia por meio do BNDESPar. “O BNDES está fazendo uma aposta correta. Essa é a última chance de o país ter inovação neste setor. Perdemos todos os bondes, inclusive o farmoquímico. Em biomedicamentos, estamos com atraso de mais de cinco anos”, afirma um especialista do ramo farmacêutico ligado à operação. O site de VEJA apurou que a Bionovis possui sete biomedicamentos em diferentes fases de desenvolvimento, sendo que dois deles estão próximos de receber aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Segundo especialistas, faz sentido no escopo de atuação de qualquer banco de fomento, à luz da literatura econômica e da experiência internacional, apoiar iniciativas como essa. A explicação é relativamente simples. Sem linhas de crédito subsidiadas ou mesmo garantias de compra governamental, o negócio farmacêutico costuma não ser atratativo o suficiente para que empresas se articulem sozinhas. É que o ramo, por sua própria natureza, requer investimentos pesados por anos a fio e o risco de as pesquisas não oferecerem um produto rentável é elevado. Como o retorno à sociedade, na forma de conhecimento e inovação, é evidente, os governos geralmente entram na empreitada como indutores do negócio.

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Segundo grupo – Outras quatro empresas, Biolab, Cristália, Libbs e Eurofarma, também decidiram aderir à ideia. O projeto está em fase bastante preliminar, contudo. Elas deveriam inicialmente fazer parte do primeiro grupo – ideia que agradava ao governo. Porém, a incompatibilidade entre alguns dos sócios e as diferenças de objetivos de negócio dos dois grupos fizeram com que houvesse a cisão.

A Eurofarma já havia trabalhado em parceria com a Biolab e a Cristália, o que abriu portas para uma parceira. União Química, que faz parte do primeiro grupo, e Biolab possuem os mesmos sócios, que são irmãos. Eles travam, no entanto, uma batalha societária pelo controle da Biolab. “As empresas dos dois grupos têm competências distintas, mas só o fato de elas terem se agrupado já mostra disposição. Elas sabem que este é um jogo de investimento pesado”, afirma um analista do setor que preferiu não ter seu nome citado. Segundo a assessoria de comunicação da Libbs, como o projeto ainda está em fase de discussão, nenhuma declaração sobre a joint venture será feita por enquanto.

Laboratórios Roche anunciam falsificação do remédio contra câncer Avastin
Laboratórios Roche anunciam falsificação do remédio contra câncer Avastin (VEJA)

Nova política – Segundo fontes ouvidas pelo site de VEJA, o governo deverá anunciar nos próximos meses uma política de investimentos em biogenéricos. Parte dela estará no escopo do Profarma, o programa de financiamento do BNDES para o setor da saúde. A vigência do atual Profarma expira em 31 de julho deste ano.

Atualmente, a equipe do banco de fomento que estuda o setor, pilotada pelo economista Pedro Loureiro, finaliza os detalhes da nova etapa do programa, que deverá abranger os biogenéricos. “Devido à importância do setor de biomedicamentos, o banco está estudando a melhor maneira de apoiar a construção de uma cadeia de valor em biotecnologia no país”, afirmou a instituição, por meio de sua assessoria de imprensa.

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Plano Brasil Maior – Ainda que tenha frustrado muitos dos setores da indústria, o Plano Brasil Maior prevê um claro benefício aos medicamentos produzidos no Brasil. O documento prevê que as compras governamentais priorizem biomedicamentos brasileiros que tenham um preço até 25% maior que os similares importados. O Comitê Executivo e o Conselho de Competitividade do Complexo da Saúde, criados junto com o plano, estimam que o governo federal deve comprar 3,5 bilhões de reais em biofármacos nacionais nos próximos cinco anos.

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