Eleições nos EUA aumentam urgência para o pacote fiscal
O dólar atingiu o maior valor em quatro anos e segue volátil com as incertezas das eleições americanas, aumentando a pressão sobre a inflação
As eleições presidenciais dos Estados Unidos têm provocado inquietações econômicas em todo o mundo, em especial nos mercados emergentes. Entre os principais riscos está o impacto no câmbio, com fortalecimento do dólar, que chegou a flertar próximo dos 5,90 reais na última semana, valor mais alto desde a pandemia, em 2020. Com a disputa acirrada entre a atual vice-presidente Kamala Harris e o ex-presidente Donald Trump, as propostas econômicas de ambos os candidatos acendem um alerta sobre o cenário cambial brasileiro.
O republicano Donald Trump tem como parte central de sua campanha um retorno a políticas protecionistas e um endurecimento comercial com a China e outros parceiros. Propostas como tarifas de até 60% sobre produtos chineses e de 10% a 30% sobre importações de outros países têm grande apelo junto ao seu eleitorado, mas trazem consigo o risco de aumento da inflação nos EUA, o que elevaria ainda mais as taxas de juros e pressionaria o dólar globalmente.
“Caso sejam colocadas em prática, essas propostas podem reduzir o crescimento do país em 1,4% e elevar a inflação em 0,9% ao ano”, calcula a Monte Bravo Investimentos.
De acordo com o Penn Wharton Budget Model da Universidade da Pensilvânia, o plano de Trump adicionaria 5,8 trilhões de dólares em déficit ao longo de uma década. Em comparação, a universidade calcula um montante de 1,2 trilhão de dólares em caso de uma eleição de Harris. Ou seja, nos dois casos há riscos inflacionários, mas a expectativa por um descontrole fiscal é menor com a eleição da democrata.
Além disso, sob o comando de Trump, a política de imigração proposta removeria pelo menos 1,3 milhão de pessoas dos Estados Unidos, o que traria uma forte escassez de mão de obra e pressão sobre os preços. Um estudo do Peterson Institute for International Economics estimou que esse choque levaria a uma alta de 1,5% na inflação e a uma queda de mais de 3% do PIB em três anos.
Para o Brasil, esse cenário implicaria uma forte desvalorização do real, já que o país, dependente de fluxos externos de capital, enfrentaria uma fuga de investidores em busca de segurança no dólar fortalecido. “A vitória de Trump provavelmente implicará em menos fluxos para países emergentes — o que aumenta a importância do pacote fiscal que Haddad está preparando. Sem um pilar fiscal sólido, existe o risco de o dólar seguir em alta, ultrapassar 6 reais em curto espaço de tempo e gerar uma crise econômica grave”, analisa a Monte Bravo Investimentos.
Com o dólar em alta e o risco de uma escalada na inflação americana potencialmente alimentada pelas incertezas com a futura liderança do país, existe uma urgência para o pacote de corte de gastos do governo brasileiro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já tem trabalhado em um plano para reduzir o déficit fiscal e controlar a dívida pública, mas o sucesso desse pacote depende da rapidez com que será implementado e da confiança que ele gerará nos investidores. Sem esse pilar fiscal sólido, o Brasil corre o risco de ser ainda mais impactado pelas turbulências internacionais.
Além disso, a incerteza quanto à composição do Congresso americano também adiciona uma camada de imprevisibilidade. Se os republicanos, que tendem a favorecer políticas econômicas agressivas e menos regulatórias, controlarem o Senado, as propostas de Trump terão mais chance de avançar, o que aumentaria ainda mais a pressão sobre o real.
Por outro lado, a candidatura de Harris promete uma continuidade das políticas econômicas do atual governo Biden, sem grandes alterações no status quo.
Harris é vista como uma opção de menor risco para os mercados globais, inclusive para o Brasil. “Seus planos fiscais incluem medidas de incentivo à classe média e à criação de empregos, com menor ênfase em tarifas protecionistas, o que tende a estabilizar o cenário internacional”, analisa a Monte Bravo Investimentos.
Enquanto o cenário político ainda está indefinido e as políticas dos candidatos só poderão ser avaliadas no próximo ano, quando o novo governo americano assumir, o Brasil precisa agir de forma preventiva. O governo deve demonstrar que está fazendo sua parte, controlando as contas públicas e mitigando os efeitos das incertezas externas sobre a inflação. O aguardado pacote de corte de gastos é fundamental para manter a confiança dos investidores e evitar uma espiral inflacionária. Se bem implementado, esse pacote pode criar um colchão de segurança para a economia, ajudando a controlar a dívida pública e fortalecendo o real. No entanto, a paralisia política ou a demora na aprovação das medidas pode resultar em uma perda de credibilidade, fazendo com que o Brasil seja um dos países mais atingidos pelas consequências econômicas da eleição americana.