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Cartéis de drogas usam bitcoins para lavar dinheiro

Narcotraficantes da Colômbia e do México buscam na criptomoeda mais uma forma de burlar a lei. E a prática pode estar avançada no Brasil

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 13h45 - Publicado em 18 dez 2020, 06h00

Mais difícil do que produzir e vender drogas é transformar o capital obtido ilegalmente em fundos legítimos, armazenáveis em contas bancárias, livres de suspeita ou risco de confisco. Lavar dinheiro é isso: transformar o fruto do crime em imóveis, empresas, contratos, serviços e até em um bilhete premiado de loteria. Todas essas operações, entretanto, ficaram mais fáceis de ser rastreadas graças à tecnologia da informação. Grandes movimentações disparam alarmes nos órgãos de controle e fiscalização. Além disso, imóveis são um problema quando se precisa de dinheiro vivo para financiar operações, pagar suborno e comprar armas. Por esses motivos, o bitcoin tem se tornado, aos poucos, a moeda de interesse dos narcotraficantes, especialmente da Colômbia e do México.

A venda de drogas gera muito capital. Somente os traficantes mexicanos precisam lavar 25 bilhões de dólares por ano. Para driblar as autoridades e ter liquidez, eles dividem seus depósitos em centenas de contas distintas e também guardam malas de dinheiro, com o inconveniente de que um método é rastreável e o outro, difícil de transportar. Já o bitcoin oferece a vantagem de transferência de somas não detectáveis. Em tese, é um recurso financeiro que não está sujeito à fiscalização do Estado, tem normas próprias e sem registro nas agências reguladoras. Ele é uma criptomoeda, o que significa que não há presença física do dinheiro, representado então por sequências de números codificados digitalmente. Foi criado para permitir a troca de capital virtualmente, usando uma criptografia que envolve o anonimato das partes.

A base dessas operações é o block­chain, um tipo de livro contábil digital e descentralizado em que constam o registro e o destino das transações. Em cada bloco, ficam guardadas as informações da troca feita, como a data e a quantia. O nome dos participantes também é gravado, mas sob a forma de um pseudônimo composto de números e letras aleatórios. No entanto, uma vez que ocorre o armazenamento de dados, a transação passa a ser rastreável — como ocorre com a transferência bancária convencional —, ainda que seja necessário o número do código da operação. “Isso gera uma falsa sensação de anonimato, mas absolutamente todas as transações são gravadas no banco de dados, acessível a qualquer um que tenha internet”, diz Vytautas Zumas, delegado e coordenador do Núcleo de Operações com Criptoativos e Combate ao Crime Organizado do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Dada a existência desse livro contábil on-line, que é público e auditável, especialistas afirmam ser má ideia realizar negócios ilegais com bitcoin. De fato, alguns criminosos têm sido pegos no rastro digital. Em abril do ano passado, a polícia mexicana capturou Ignacio Santoyo, criminoso ligado a uma rede de prostituição. No mesmo ano, Hector Ortiz, suposto líder de um grupo mexicano de hackers, foi preso depois de gastar milhares de dólares em bitcoin, o que chamou atenção dos investigadores.

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Para diminuir as possibilidades de detecção, criminosos realizam operações com bitcoin na dark web, ambiente não catalogado da internet e que, portanto, não aparece em buscadores como o Google, permanecendo oculto para a maioria do público. A dark web é um ambiente virtual tenebroso, uma espécie de círculo dentro da deep web, no qual são encontradas páginas que vendem de tudo: armas, órgãos humanos e qualquer substância proibida — para não mencionar pedofilia e tráfico de pessoas. Ela é composta de diversas camadas codificadas, as quais adicionam outro nível de dificuldade ao rastreamento do dinheiro trocado.

“Em 2019, cerca de 829 milhões de dólares foram transacionados pela dark web, sugerindo que as plataformas de criptomoedas deveriam ser mais zelosas”, opina Manuel Fletes, diretor do Instituto dos Profissionais de Prevenção à Lavagem de Dinheiro. Segundo o DEA, agência de combate às drogas dos Estados Unidos, definitivamente algo grande está em andamento. O confisco de dinheiro dos cartéis colombianos e mexicanos caiu 70% nos últimos dez anos, indício de que está indo para outro lugar, provavelmente para a lavagem via criptomoedas. No Brasil, de acordo com o Departamento de Combate à Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil, milicianos e traficantes cariocas já têm efetuado transações do mesmo tipo.

Como reação, uma comissão na Câmara dos Deputados está revisando a lei de lavagem de dinheiro, e é provável que ela passe a abranger o bitcoin. Além disso, a Associação Brasileira de Criptoeconomia tem trabalhado na criação de um Banco Central digital autônomo, que serviria para regulamentar as transações e coibir essa modalidade criminosa. Por outro lado, defensores da criptomoeda lembram que ela foi a base da modernização do ambiente financeiro digital, fato que é inegável. Mas, como acontece com qualquer ferramenta, caso venha a se tornar uma arma contra a sociedade, o Estado terá de implementar as contramedidas adequadas. Afinal, alguém já disse que, para desvendar um crime, basta seguir o dinheiro.

Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718

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