Câmara aprova PEC dos Precatórios, que destrava Auxílio Brasil a R$ 400
Casa referenda proposta proveniente do Senado que posterga o pagamento de precatórios e abre espaço fiscal de mais de R$ 100 bilhões no Orçamento para 2022
Sob muitos protestos por parte de opositores, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno na noite desta terça-feira, 14, a Proposta de Emenda à Constituição 46, que contém trechos não promulgados da versão do Senado para a PEC 23, mais conhecida como PEC dos Precatórios. Deputados de oposição até tentaram retirar a proposta de pauta, com o intuito de analisar as mudanças provenientes do Senado com mais tempo, mas tal medida mostrou-se em vão. Após a votação de alguns destaques, a aprovação do texto em segundo turno ficou para a quarta-feira, dia 15. Com a proposta, o governo abre um espaço fiscal de mais de 100 bilhões de reais no Orçamento em ano eleitoral, quantia que será dedicada para o aumento do valor pago pelo Auxílio Brasil, o antigo Bolsa Família, dentre outras coisas, como o Auxílio Gás, programa de transferência de renda para a compra de gás de cozinha.
Enquanto alguns deputados criticaram o que chamaram de “manobras” realizadas durante a sessão para levar o texto proveniente do Senado diretamente ao Plenário da Câmara, sem passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) ou por comissão especial, outros congressistas favoráveis ao tema defenderam a matéria como possibilidade à abertura de espaço fiscal para o pagamento de um Auxílio Brasil a um valor mínimo de 400 reais para cada beneficiário. “A PEC dos Precatórios vai garantir recursos para matar a fome de milhões de brasileiros e também garantirá recursos para a saúde e, sobretudo, para a assistência social”, disse o deputado Darci de Matos (PSD-SC). Houve, no entanto, inequívoca compreensão na Casa de que o texto aprovado no dia 2 de dezembro pelo Senado era melhor desenhado.
Negociada no Congresso há meses, a matéria aprovada é vista pelo mercado financeiro como maior risco à política fiscal. Nos últimos meses, a possibilidade de “calote” nos precatórios deixou investidores atônitos e o Ibovespa declinou, atingindo mínima de 100.000 pontos no início de dezembro. “O grande problema da PEC dos Precatórios é a forma como ela foi discutida e feita. Num primeiro momento, a ideia era tratar somente os precatórios, mas, por disputas políticas, o governo decidiu mexer na regra do teto de gastos, o que trouxe toda essa repercussão negativa que nós estamos vendo hoje”, afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Olhando para frente, existe uma dúvida pairando sobre o mercado que é entender se a política fiscal do país chegou em seu pior momento ou se ainda há espaço para piorar em 2022.”
De acordo com Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), o ministro da Economia, Paulo Guedes, trabalhou para realizar os desejos do presidente Jair Bolsonaro em detrimento do comprometimento com o teto de gastos. “O Ministério da Economia está trabalhando para viabilizar um desejo da área política, do presidente da República, que acha que tem de fazer o auxílio, nesse ou naquele molde”, afirma a VEJA. “É um auxílio que está sendo usado como desculpa para fazer uma lambança, que faz com que os riscos cresçam e joga água no chope da recuperação.”
Durante a apreciação da matéria, diversos deputados atentaram para a ausência de tempo de análise para os destaques incluídos pelo Senado. “O Congresso Nacional está ferindo de morte o seu regimento”, disse Marcel Van Hattem (Novo-RS). “Vale tudo para aprovar aquilo que alguns líderes querem e aquilo que vai trazer proveitos eleitorais ou, até mesmo, eleitoreiros para aqueles que estão dando seus votos favoráveis para a PEC dos Precatórios em troca de recursos do malfadado Orçamento Secreto. É triste.”
Para 2022, o texto determina a aplicação dos recursos economizados com o limite de pagamento de precatórios exclusivamente em seguridade social e no Auxílio Brasil, tornando-o assim um programa permanente de transferência de renda. Outros pontos, como as próprias regras que definem o limite de pagamento dessas dívidas, serão votados separadamente nesta quarta-feira, 15, por meio de destaques apresentados pelos partidos. Mudanças na Constituição devem ser aprovadas em ambas as Casas (Câmara e Senado) em dois turnos de votação, por isso os novos trechos incluídos pelo Senado demandam de votação na Câmara.
Risco fiscal
O objetivo principal da matéria é estabelecer um limite para o pagamento dos precatórios. Para isso, a PEC estabelece um valor máximo a partir de 2016, ano de implementação do teto de gastos, com correção inflacionária. Para Vale, da MB Associados, a projeto piora a percepção fiscal do país e deixa uma herança malfadada para o próximo presidente da República. Muitos dos postulantes ao cargo já ameaçaram rever o teto de gastos. “Vai depender do presidente e da força que ele tiver no Congresso para isso acontecer, mas não vai poder, devido ao nosso tamanho de dívida hoje, simplesmente abolir a regra do teto e não ter nenhuma regra. Quem quiser abolir a regra do teto tem de ir com o espírito de aperfeiçoar a regra do teto, transformá-la em alguma coisa que consiga ser sustentada por um período longo dentro da Constituição brasileira”, diz ele. “O Brasil tem sido contumaz em quebrar regras fiscais. Se chegar mais um presidente que quer desmontar a regra do teto, se não for propor algo que seja crível e importante, a gente irá afundar ainda mais.”
A ideia de rolar dívidas que a Justiça mandou pagar já desagradava ao mercado financeiro, porém, com a ordem de Bolsonaro em pagar 400 reais por família no Auxílio Brasil, e a declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, que seria necessário um furo de pelo menos 30 bilhões de reais no Orçamento, a percepção piorou ainda mais. A solução para manter as despesas dentro do teto de gastos e manter o discurso de responsabilidade fiscal foi alterar o período da correção do teto de gastos. Ao mudar o período de contagem, o governo espera se aproveitar de uma inflação maior em dezembro como indexador do teto do que foi em junho, uma vez que a inflação continuou crescendo.
Com a aprovação da PEC dos Precatórios, Bolsonaro pretende recuperar um pouco de sua popularidade, corroída durante o último ano com sua controversa gestão frente à Covid-19 — desde a chegada do vírus ao país, mais de 600.000 pessoas morreram no país e três ministros da Saúde foram demitidos. Nesta terça-feira, 14, um levantamento do Ipec apontou que 55% dos brasileiros consideram o governo de Bolsonaro péssimo ou ruim, enquanto apenas 19% veem a atual gestão como ótima ou boa. Fora isso, 68% dos brasileiros desaprovam a forma como o presidente comanda o país.
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