Ninguém gosta de ser portador de má notícia – e há quem prefira delegar essa missão a terceiros. É assim que Ryan Bingham, personagem de George Clooney, ganha a vida em Amor sem Escalas, filme que estreia nesta sexta-feira nos cinemas: ele é contratado por empresas exclusivamente para demitir funcionários. Fora das telas, profissionais como esse parecem não circular pelo Brasil. Mas há outro que também participa do momento da degola nas companhias: é o consultor em outplacement – cuja especialidade é cuidar da recolocação do demitido no mercado. “Participamos do planejamento: quando e como vai ser feito, e acompanhamos a demissão com um suporte emocional de psicólogo”, explica Vladimir Araújo, um legítimo consultor em outplacement e diretor de projetos da Ricardo Xavier Recursos Humanos. Na entrevista a seguir, Araújo explica como é o dia a dia desse profissional – que inclui tarefas como escolher a palavra certa na hora da dispensa e até oferecer lencinhos para os demitidos – e revela quais são os ganhos das companhias que contratam seus serviços. Por fim, faz reparos às táticas corporativas do galã Clooney nas telas. Assista à crítica ao filme Amor sem Escalas pela editora de VEJA Isabela Boscov.
Existe algum profissional contratado apenas para demitir funcionários de outras empresas?
Eu desconheço e acredito que outros colegas meus, também. Até porque seria como saber pela boca de outro que o seu casamento acabou. Já imaginou como seria estranho?
Então, qual é sua tarefa?
As empresas nos contratam para arrumar uma recolocação para o profissional que vai ser demitido. Chamamos isso de outplacement. Participamos do planejamento: quando e como vai ser feito, e acompanhamos a demissão com um suporte emocional de psicólogo. Às vezes, ficamos na mesma sala, eu, o psicólogo, o “demissor” e o demitido.
Existe alguma preparação da pessoa que vai demitir?
Sim. Nós treinamos o gestor para deixá-lo mais preparado, até para prever algumas reações e para conduzir o processo de forma mais tranquila. É um treinamento rápido. O princípio básico é ele se colocar no lugar de quem vai ser demitido e assim agir como gostaria que agissem com ele.
Qual a melhor maneira de informar a demissão?
Primeira, não fazer rodeios e ir direto ao assunto. Mas é importante ter um discurso pronto. O improviso pode prejudicar o andamento. Levar água e lenço de papel também é recomendável porque, se a pessoa começar a chorar, todo o aparato já está à mão. Ter alguém do lado de fora da sala sabendo o que está acontecendo também é aconselhável, em caso de a pessoa tomar algum tipo de reação que demande ajuda extra.
O senhor já presenciou alguma situação que fugiu ao controle?
O choro é uma constante em boa parte dos casos, não importa o sexo, idade ou posição hierárquica do demitido. Já presenciei também alguns desmaios. Raramente acontecem ameaças ao responsável pelo desligamento. Vale ressaltar que o pronto atendimento que oferecemos ajuda e muito a minimizar reações mais calorosas e intempestivas.
Quais palavras devem ser evitadas na hora da demissão?
As mais complicadas são aquelas relacionadas ao desempenho do profissional na empresa. É preciso ser honesto, mas sem humilhar, e não se deve criar expectativas de que a pessoa vai ser recontratada. Às vezes, o chefe não é sincero e acaba criando falsa expectativa.
No filme, o personagem de Clooney tenta desfazer o mal-estar da demissão tentando convencer o demitido de que aquele é o momento para uma revolução pessoal e profissional. Isso funciona?
Estamos ali para dar apoio à pessoa que acabou de receber a notícia de sua demissão e mostrar que existem opções para ela no mercado. Mas essa história de dizer que aquele é o momento da virada na vida não cola muito. Até porque, às vezes, a preocupação maior diz respeito a como dar a notícia para a família.
Como o senhor se sente quando participa de uma demissão?
Avalio positivamente a situação, uma vez que conseguimos promover uma dissolução do vínculo do profissional com a empresa de forma harmoniosa, oferecendo suporte emocional adequado e posterior preparação dele para a busca da recolocação no mercado de trabalho. Vejo de maneira positiva nosso trabalho porque a maioria dos profissionais demitidos não recebem nenhum tipo de apoio.
Para quais níveis hierárquivos o outplacement é recomendado?
No início, era aplicado só para cargos executivos, mas atualmente pode ser usado desde situações envolvendo presidentes de empresas até porteiros. É claro que com as devidas diferenças. Vale observar que é um serviço utilizado somente pelas grandes empresas.
E qual o grau de sucesso?
Varia: entre 75% e 85% de recolocação. Mas depende muito do tipo de empresa, do momento econômico do país e da região onde a companhia está localizada.
Por que as empresas recorrem a esse serviço?
Por uma questão de imagem. Quando alguém é desligado com respeito e dignidade, dificilmente falará mal da empresa. Do contrário, pode prejudicar a imagem da empresa no mercado.
No filme, Ryan viaja pelos Estados Unidos por conta do trabalho e adora juntar milhas aéreas. O senhor também é assim?
Não me considero um colecionador de milhagens, porque só faço entre 12 e 18 viagens por ano. Nem sempre estou presente nos processos de demissão: encaminhamos outros consultores para essa atividade. Mas participo de programas de milhagens das principais companhias aéreas e já viajei com a família utilizando meus pontos.