Declarações de Lula podem mexer com a Selic, dizem banqueiros
Ao dizer que o governo não vai atingir déficit fiscal zero, o presidente pode ter fechado a porta para a manutenção da trajetória futura de corte dos juros

Os primeiros efeitos foram quase imediatos: a Bolsa, que andava de lado, passou a cair, enquanto o dólar trocou de sinal e começou a subir. No mercado futuro de juros, as taxas para operações com vencimento no início de 2024 também foram reajustadas. Mas se engana quem imagina que deve parar por aí o estrago provocado pelas declarações feitas na semana passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A avaliação de banqueiros consultados pela coluna é de que elas têm força para mexer com a perspectiva de redução da Selic – o que seria, isso sim, um problema grave para a economia doméstica.
E o que Lula disse? Afirmou que, dificilmente, o governo conseguirá cumprir a meta de déficit primário zero em 2024. E mais: acusou o mercado de ser “ganancioso” por cobrar metas que não podem ser cumpridas.Uma dupla leitura foi feita. A primeira é de que o presidente praticamente desautorizou seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem gasto saliva e energia para se proteger do “fogo amigo” dentro do governo e defender maior equilíbrio das contas públicas. A segunda é de que Lula chancelou o movimento da ala política do governo e de parlamentares por mais gastos no próximo ano – que, não custa lembrar, será ano de eleições nos municípios.
“Foi o maior tiro no pé que vi um presidente dar. Tipo Bolsonaro contra vacina (da covid-19)”, afirmou um banqueiro. “Jogou fora toda a ancoragem (de expectativas) que o ministro Fernando Haddad tentou construir e ainda liberou o Congresso para não aprovar as reformas que ele precisa para ter dinheiro (em caixa). Bem complicado.”
Para outro banqueiro, isso “quer dizer mais juros, menos crescimento, investimento, produtividade e renda”. Ele se refere ao fato de o déficit fiscal impactar de forma negativa na economia brasileira, levando a um aumento da dívida pública, inflação e desvalorização da moeda. O governo pode ser forçado, assim, a aumentar os impostos ou reduzir os gastos em áreas importantes para tentar equilibrar o Orçamento. “Uma coisa é tentar, cortar custos e não conseguir. Outra coisa é se recusar a cortar custos e não estar preocupado’, analisa ele. Outro banqueiro vai mais longe e já prevê impacto na Selic a ser definida nesta semana pelo Banco Central: “Sem dúvida (o governo) vai precisar convencer o BC a estourar a meta de inflação”, conclui.
A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está marcada para esta terça e quarta-feira. Ainda parece haver um consenso no mercado sobre a possibilidade, no curtíssimo prazo, de o colegiado manter a indicação já dada e anunciar um novo corte de 0,5 ponto porcentual – o que levaria a taxa básica de juros para 12,25%. Neste caso, porém, os integrantes do Copom teriam de recorrer a uma ginástica para explicar na ata por que não levaram em conta as declarações de Lula, e o receio de uma piora do quadro fiscal.
A dúvida fica mesmo em relação ao resultado da reunião de dezembro (dias 12 e 13), a última do ano. Para os banqueiros, ao voltar a falar fora do script Lula pode ter fechado a porta para a manutenção da tendência de cortes da Selic.