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Especialistas em aids pedem fim do combate policial às drogas

Em manifesto radical, médicos dizem que criminalização dos usuários de entorpecentes não resolve seu problema e ajuda a disseminar o HIV

Por The New York Times
24 jul 2010, 20h41

Alguns dos principais especialistas em aids do mundo emitiram um manifesto radical esta semana na 18ª Conferência Internacional sobre Aids, em Viena: declararam que o combate às drogas é um fracasso há 50 anos e defenderam seu abandono. Ninguém os ouviu.

Oficialmente, o assunto da reunião sobre aids, o maior encontro de saúde pública do mundo, é a necessidade de atacar a epidemia que cresce a passos largos entre viciados na Europa oriental, Rússia e Ásia. No entanto, os esforços dos organizadores em buscar publicidade para a Declaração de Viena, a favor de evitar a prisão de usuários de drogas e oferecer agulhas descartáveis, metadona e tratamento em caso de doença não chegou a lugar nenhum. Quase ninguém fala sobre o combate às drogas.

Mas todos se preocupam com o combate à aids, que está desmoronando. Os recursos de doadores se evaporaram com a recessão e, ao que parece, é possível que só um terço dos 33 milhões de infectados no mundo terá alguma esperança de tratamento.

Funcionários do Fundo Mundial de Combate à Aids, Tuberculose e Malária dizem temer que não consigam chegar perto do objetivo de 17 bilhões de dólares que fixaram para a próxima reunião de doadores, em setembro.

Muitos ativistas responsabilizam o governo Obama, que está modificando suas prioridades para a saúde materna e infantil. Na quarta-feira passada, o arcebispo Desmond Tutu criticou o presidente Barack Obama em artigo publicado no New York Times.

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No entanto, um novo informe da Fundação da Família Kaiser mostra que os Estados Unidos seguem oferecendo mais ajuda contra a aids que todos os demais países somados, com 58% das contribuições. As doações ainda estão subindo ligeiramente, ao passo que as da Europa, Canadá, Japão e Austrália não apresentam mudanças ou estão caindo.

A Declaração de Viena é a segunda vez que a Sociedade Internacional de Aids emite um documento desta natureza. O último foi a Declaração de Durban, em 2000, que reafirmou que o HIV era a causa da aids. Fora da África, quase um terço de todas as infecções por HIV tem sua origem em transmissão entre viciados.

A declaração argumenta que a prisão de usuários de drogas os obriga a esconder-se, disseminando a epidemia. Respalda “enfoques de saúde pública fundamentados na ciência”, provados em estudos clínicos, que incluem seringas descartáveis, programas de recuperação de 12 passos e metadona.

Evan Wood, especialista em políticas para aids na Universidade da Colúmbia Britânica e principal autor da declaração, citou o caso de Portugal. Com base em um relatório de 2009 do Instituto Cato, na década que transcorreu desde que Portugal legalizou a posse de até o equivalente a uma dose para dez dias de qualquer droga para uso pessoal, incluindo cocaína e heroína, os índices de aids se reduziram à metade. Também diminuíram as mortes por overdose, muitos cidadãos buscaram tratamento, o consumo entre os jovens caiu e não se desenvolveu um turismo de drogas. O instituto se referiu à política portuguesa como “um sucesso contundente”.

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A declaração está voltada principalmente a países da ex-União Soviética. Na Rússia, por exemplo, 1% da população adulta está infectada. O país proíbe todo tipo de tratamento com metadona, enquanto o plano nacional de saúde oferece apenas desintoxicação abrupta, que tem um alto índice de fracasso. As vítimas mais frequentes, prisioneiros e moradores de rua, são os que menos probabilidades tem de receber remédios para a aids. Os ativistas afirmam que os preços dos medicamentos subiram muito.

“O governo diz que está tudo bem”, comentou Aleksandra Volgina, 31 anos, líder da Vela, organização russa de combate à doença em São Petersburgo. “Somos doadores do Fundo Global, mas não temos tratamento, nem mesmo temos prevenção.” Aleksandra se mantém longe da heroína graças a um programa de 12 passos pago por sua família, mas todos os meses teme que a farmácia não tenha os três remédios que precisa. Alguns de seus amigos morreram por falta de medicamentos. “Não se fala sobre o que acontece na Rússia”, disse. “Não se pode pedir ajuda nem ao ministério da Saúde.” O governo russo não participou da conferência.

Apenas dois governos reagiram à declaração: o Canadá, que a rechaçou, e a Geórgia, cuja primeira-dama a assinou em cerimônia pública. A diminuta ex-república soviética tem uma história de tratamento brutal para os viciados, disse Wood.

Quase todas as autoridades americanas se negaram a discutir a declaração. Um oficial, que falou sob a condição de anonimato, disse que o embaixador Eric Goosby, coordenador mundial de aids do governo Obama, anunciou recentemente que os países que recebem ajuda americana para o combate à aids poderão usar os recursos para comprar agulhas para viciados, uma mudança em relação à política da gestão de George W. Bush.

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Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas, disse que pessoalmente estava de acordo com a premissa da declaração. “O vício é um doença cerebral”, disse Nora. “Sou cientista. A evidência demonstra sem equívoco que criminalizar o viciado não resolve o problema. Me oponho com firmeza contra a legalização das drogas e ao narcotráfico. No entanto, não prenderia um viciado. A enviaria para tratamento, não para a cadeia.”

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