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Um jihadista no Brasil

Um xeique saudita que foi proibido de entrar em trinta países da Europa e é acusado de aliciar jovens para o Estado Islâmico pregou no país em janeiro

Por Fernanda Allegretti e Leonardo Coutinho
26 fev 2016, 21h58

O Estado Islâmico já atraiu mais de 30 000 jovens de 100 países para engrossar as fileiras de seu exército terrorista, desde 2014. O chamado para que muçulmanos que vivem no Ocidente lutem na guerra que espalha destruição e morte no Iraque e na Síria ou participem de atentados em seu próprio país geralmente começa com a pregação, pela internet ou em mesquitas, de líderes religiosos radicais, que apresentam a morte em nome da religião como algo altamente recomendável para quem quer provar o comprometimento com o Islã. Assim foram recrutados os jovens que perpetraram os ataques de janeiro e novembro do ano passado em Paris. A mesma estratégia de aliciamento religioso levou um casal de muçulmanos que vivia na cidade americana de São Bernardino a matar catorze pessoas em nome da jihad, a guerra santa. O Brasil não está imune à atuação dos pregadores radicais. No mês passado, entre 18 e 28 de janeiro, o xeique saudita Muhammad al-Arifi pregou a jovens e crianças muçulmanos em São Paulo, no Paraná e em Santa Catarina. Considerado um dos muçulmanos mais influentes do mundo, Al-Arifi é tratado na Europa como uma ameaça proporcional ao seu sucesso.

O clérigo de 45 anos entrou no radar dos serviços de inteligência europeus com a deflagração da guerra civil na Síria, em 2011. Ele passou a usar a internet para defender a reação violenta dos sunitas contra o regime de Bashar Assad, pertencente à minoria alauita, alinhada com o ramo xiita do islamismo. “É garantida a permissão para lutar àqueles que estão sendo perseguidos. Vocês estão no front, mas nós iremos se­gui-los e lutaremos com vocês”, disse o clérigo em uma de suas manifestações. Al-Arifi possui o maior número de seguidores nas redes sociais do Oriente Médio e suas declarações têm a força de um canhão. Ele contabiliza 14,3 milhões de fãs no Twitter e 21 milhões no Facebook. Em 2013, disse em uma conferência de apoio às forças anti-Assad que “os xiitas são infiéis que devem ser mortos”. Presente à conferência estava o então presidente egípcio Mohamed Morsi, integrante do grupo fundamentalista Irmandade Muçulmana, que foi deposto em um golpe militar no mês seguinte.

Em 2012, durante uma das frequentes visitas que fez ao Reino Unido, Al-Arifi pregou aos muçulmanos da mesquita Al Manar Centre, em Cardiff, capital do País de Gales. O discurso incandescente do saudita foi acompanhado por agentes de segurança britânicos, que detectaram o risco potencial do clérigo. Sua retórica exaltava a nobreza dos muçulmanos que ofereciam a vida em combates em nome do Islã. Dois anos depois, o jovem Reyaad Khan e os irmãos Nasser e Aseel Muthana, que estavam na plateia de Al-Arifi, apareceram em um dos vídeos de propaganda do Estado Islâmico. Khan, de 21 anos, morreu em julho do ano passado em um ataque com drone realizado pela Inglaterra. A constatação de que suas mensagens em favor da jihad podem ter levado os ingleses a se alistar nas fileiras do EI fez com que o governo inglês proibisse, em 2012, a entrada de Al-Arifi no Reino Unido, alegando que ele “representava uma ameaça à segurança”.

Membro da vertente sunita do islamismo, Al-Arifi é um expoente do wahabismo, que surgiu na Arábia Saudita no século XVIII e promove a leitura estrita e literal do Corão. O wahabismo é a matriz ideológica de organizações terroristas como a Al Qaeda, o Boko Haram, da Nigéria, e o Estado Islâmico. Muçulmanos mais moderados, como o xeique Zane Abdo, do Centro Islâmico de South Wales, em Cardiff, vetaram a presença de Al-Arifi na mesquita. Até no Marrocos, um país de maioria muçulmana, Al-Arifi foi hostilizado e cancelou a visita. Em 2012, organizações de direitos humanos da Suíça denunciaram a visita iminente de Al-Arifi ao país. O governo suíço se convenceu de que as pregações de Al-Arifi feriam a lei por fazer apologia da violação dos direitos das mulheres, da homofobia e do antissemitismo. Por causa desse parecer, as autoridades emitiram uma ordem proibindo sua entrada no país, decisão que alcançou os outros 25 países signatários do Acordo Schengen, de livre trânsito entre as fronteiras.

Em São Paulo, Al-Arifi visitou a Liga Juventude Islâmica Mesquita do Pari, localizada na região central da capital. Ele participou das orações e fez palestras para os fiéis. Seu anfitrião, o xeique brasileiro Rodrigo Rodrigues, reagiu com indignação às acusações que pesam contra Al-Arifi. Procurado por VEJA, Rodrigues negou que o colega tenha um discurso radical e sugeriu que o saudita é vítima de uma campanha difamatória e de perseguição de países como a Inglaterra. Segundo um frequentador do templo, em nenhuma das palestras públicas Al-Arifi deu mostras de radicalismo. Mas nos encontros pessoais, nos quais era apresentado ou falava rapidamente com alguns brasileiros convertidos, ele fazia uma abordagem mais contundente. Al-Arifi dizia: “Você é um bom muçulmano?”. Ao ouvir um “sim”, ele completava: “Então, diga-me qual é a sua jihad”. Depois de ouvir as explicações sobre o esforço que cada um dizia fazer, ele parabenizava, mas fazia uma ressalva enigmática: “Nunca se esqueça daqueles irmãos que literalmente dão a vida pela religião”.

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Al-Arifi visitou também a favela Cultura Física, na cidade de Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo. O saudita foi apresentado ao rapper César Rosalino, que, depois de transitar pelo budismo, pela umbanda e pelo pentecostalismo, converteu-se ao Islã e adotou o nome de Abdul al Qadir. Al-Arifi foi conhecer uma casa de oração na qual se reúnem moradores que abraçaram o discurso de transformação social que o rapper associou à religião. Vivendo da venda de roupas estampadas artesanalmente com os símbolos de organizações terroristas como Hammas e Jihad Islâmica, Al Qadir proporcionou ao saudita um dos pontos altos da visita ao Brasil. De acordo com um participante do encontro, Al-Arifi ficou bastante interessado em patrocinar a expansão de mussalas – as casas de oração que não possuem a liderança de um xeique – como forma de difusão do islamismo no Brasil.

Como a versão do Islã almejada por Al-Arifi é de uma religião de intolerância e violência, o interesse dele pelo Brasil não deve ser ignorado pelas autoridades. Segundo um policial federal que atua no monitoramento de extremistas, não é por acaso que o saudita visitou áreas socialmente vulneráveis e conflagradas, como as favelas. Os estudos mais recentes com convertidos no Ocidente mostram que a combinação de fatores como a busca por reconhecimento social e a revolta natural da juventude está na origem do processo de radicalização islâmica. Na Europa, muitos dos que acabaram se juntando ao Estado Islâmico tinham problemas com drogas ou participavam de pequenos delitos antes de canalizar suas frustrações pessoais para a violência religiosa.

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