Javier Triana.
Eldoret (Quênia), 4 mai (EFE).- A arrasadora presença de atletas do Quênia nos pódios das competições internacionais de média e longa distância levou muitas pessoas a se perguntarem qual seria o mistério da força dos corredores quenianos.
É o que tenta explicar o jornalista Adharanand Finn em seu livro ‘Running with the Kenyans’ (‘Correndo com os quenianos’, em tradução livre), no qual procura ‘descobrir os segredos do povo mais veloz do planeta’.
Entre outras coisas, Finn indica que os quenianos correm apoiando primeiro a planta dos pés, em vez do calcanhar, como fazem muitos esportistas ocidentais, o que contribui para frear a passada, enquanto vários especialistas apostam também no talento e em uma dieta simples e rica em carboidratos.
‘Comemos a comida comum daqui: arroz e ugali (uma massa de milho), além de bebermos muito leite’, diz à Agência Efe Samson Katam, treinador da Federação de Atletismo do Quênia e de alguns dos principais clubes do país.
‘Talvez a altitude também influencie’, acrescenta Katam, em referência aos mais de dois mil metros acima do nível do mar na localidade ocidental de Eldoret, de onde vem a maioria dos melhores fundistas do mundo.
‘Tudo isso é tolice! Muitos especialistas citam a altitude, a dieta… tudo tolice’, reclama Renato Canova, um veterano treinador de atletismo italiano cujos discípulos conquistaram dezenas de medalhas nas maiores competições internacionais.
‘Altitude também tem na Colômbia, no Peru, nos povos que vivem nos Andes, e eles nunca produziram um atleta’, argumenta Canova em conversa por telefone com a Efe.
O segredo, na opinião do treinador, é ‘uma vida dura’.
‘Existe uma condição aeróbica superior, mas não genética. É bem mais pelo tipo de vida que levam: dez quilômetros a pé para ir e voltar da escola e, quando chegam em casa, brincam por mais três ou quatro horas se movimentando, correndo…’, avalia Canova.
‘É uma constituição como a que havia nos atletas do Ocidente há 30 ou 40 anos’, mas mesmo os próprios quenianos de agora ‘são mais lentos que os de duas décadas atrás’, garante Canova.
Um de seus discípulos, o bicampeão mundial de maratona (em 2009 e 2011) Abel Kirui, tem a mesma opinião: ‘Agora as crianças vão e vêm do colégio de carro, o que não abre seus pulmões desde pequenos, como na nossa geração’.
Para o preparador italiano, além das duras condições de vida no Quênia, em especial em Eldoret, há uma extensa cultura do atletismo.
‘Você vê grupos de 200 corredores que saem para treinar todas as manhãs liderados por um campeão do mundo’.
‘A coisa mais simples que existe é correr. Quando (os quenianos) não têm instalações ou materiais esportivos, se dedicam a correr. Os que veem que levam algum jeito continuam, pois sabem que é um modo de mudar sua vida’, aponta Canova.
Os que conseguem mudam radicalmente a sua história: ‘Um policial ganha US$ 1,5 mil por ano (R$ 2,8 mil), enquanto um atleta de nível médio pode ganhar US$ 20mil (R$ 38 mil), o que para um corredor de elite não é nada, mas para eles são 15 anos de trabalho’, conclui o italiano.
Contudo, os atletas que triunfam têm de aprender a lidar com o sucesso e com uma pressão social para compartilhar seus lucros.
‘O atleta que vem da pobreza e de repente fica rico se encontra em uma situação difícil’, uma vez que depois fica cercado por ‘falsos amigos que os explora’, avalia Canova.
‘As pessoas acham que você ganha porque é bom. Não sabem que você treina duas ou três vezes por dia, que corre 40 quilômetros por dia e que isso requer recuperação, repouso. Isso eles não sabem’, afirma o preparador.
Desta forma, muitos corredores se veem forçados a compartilhar seu sucesso, como Kirui, que conta que, quando ganha, destina 20% do prêmio para amenizar as necessidades de seus vizinhos, enquanto outros 10% são doados para sua igreja.
Por isso, Canova ressalta que o segredo do sucesso do atletismo no Quênia, em todos os âmbitos, ‘é ser duro’. EFE