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Seca no RS é problema antigo; a solução também é velha conhecida

O Rio Grande do Sul convive, há anos, com secas prolongadas; o uso da irrigação, contudo, avança lentamente no estado

Por Ana Clara Costa
12 jan 2012, 17h55

Acostumados a assistir com pesar ao castigo da seca no Nordeste, muitos brasileiros espantaram-se nas últimas semanas com as imagens fortes de terra rachada e plantações perdidas no Sul do país. De clima temperado, com quatro estações bem definidas, a região sempre se gabou de seu potencial agrícola, explorado por pequenos proprietários reunidos em cooperativas. Contudo, as mudanças climáticas das últimas décadas têm provocado efeitos extremos na produção de uma extensa área. As tempestades de inverno aumentaram sua força, a estiagem de verão está cada vez mais prolongada e não há o menor indício de que o tempo será piedoso com os agricultores nos anos que virão. O governo estadual do Rio Grande do Sul estima que a seca atual tenha provocado um prejuízo de 2,2 bilhões de reais para o estado, que é o mais afetado pelo problema. As perdas da safra podem ser ainda maiores se não chover em janeiro.

As adversidades do clima não são exatamente uma novidade para os gaúchos. Plantações castigadas pelo excesso de chuva ou pela estiagem existem desde que a região começou a ser colonizada, nos idos do século XVIII. “Aqui a quebra de safra é iminente. Sempre teve. Meu avô, quando era produtor, há mais de 40 anos, sempre se queixava da quebra de safra e continuamos com isso até hoje”, afirma Arlindo de Azevedo Moura, presidente da SLC Agrícola, o maior conglomerado de agronegócio da América Latina, com sede em Porto Alegre. Segundo o executivo, que administra mais de 250 mil hectares de terra no país (nenhum deles no Rio Grande do Sul), soluções antigas, como a irrigação e a diversificação do cultivo, continuam eficientes quando se busca reduzir o impacto das mudanças climáticas nos estados afetados pela seca. “O clima no Sul não é o melhor para a agricultura. O solo, sim, é rico e faz com que o custo de produção seja menor, já que se gasta menos com fertilizantes. Mas é preciso irrigar para que a produção fique estável”, diz o executivo. Para Moura, o estado deveria diversificar sua produção e intensificar o cultivo de frutas e legumes – que possuem maior valor agregado e são típicos de pequenas propriedades. “O modelo gaúcho deveria ser o europeu”, afirma.

A irrigação é ainda uma realidade distante para a maior parte dos produtores do estado. De acordo com um levantamento da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER/RS), dos 430 mil estabelecimentos agrícolas gaúchos, apenas 27 mil usam algum tipo de irrigação. O Rio Grande possui 6 milhões de hectares em plantações de grãos. Deste total, apenas 1,2 milhão é irrigado, sendo 1,1 milhão de hectares ocupados com lavouras de arroz, que usam o método de irrigação de inundação. Segundo o técnico da associação, José Enoir de Stefani Daniel, o estado não tem relevo apropriado nem capacidade hídrica suficiente para ter toda sua área agrícola irrigada. “É possível aumentar a área irrigada em 200 mil hectares nos próximos anos. Se muito dinheiro for investido em infraestrutura, essa área pode se ampliar para um milhão de hectares, mas não mais que isso”, afirma Daniel.

Para incentivar o pequeno produtor a combater a estiagem, a ex-governadora Yeda Crusius criou em 2009 o Programa Estadual de Irrigação. Com ele, o governo gaúcho pretendia fazer com que os produtores utilizassem linhas de financiamento para irrigar pequenas propriedades – a estrutura necessária para cada hectare irrigado sai por 5 mil reais, a serem pagos no decorrer de uma década, com três anos de carência, segundo a EMATER. Contudo, em dois anos, a área irrigada foi aumentada em apenas 10 mil hectares. “Não há uma cultura de irrigação nas pequenas propriedades. Como no estado chove em muitos meses do ano, esse investimento é sempre postergado”, diz Daniel.

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Seca pode piorar em 2012 – Segundo o economista Vanclei Zanin, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), com sede em Porto Alegre, a seca atual não é a pior dos últimos tempos – esse título ainda é guardado para a de 2005/2006. Contudo, as chuvas de janeiro serão essenciais para quantificar as perdas, sobretudo para a soja. “A seca afetou de maneira pesada a cultura do milho, que precisava de muita água entre novembro e dezembro. A soja vai precisar de água em janeiro, e por isso as plantações ainda não foram tão castigadas. Por isso, janeiro definirá as proporções dessa estiagem”, afirma. Até o momento, estima-se que a quebra de safra no estado atinja cerca de 20% da produção.

Nos últimos anos, houve quatro quedas de produção no setor agrícola gaúcho – todas elas explicadas por longas estiagens. Como toda a cadeia agroindustrial representa um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, a cada quebra de safra, a economia do Rio Grande do Sul é penalizada e tem sua participação reduzida nas contas nacionais. Segundo a FEE, a perda de participação da economia gaúcha no PIB do país concentrou-se justamente entre 2004 e 2006, quando houve a seca. “As duas estiagens sucessivas tiveram como consequência a redução de 0,6 ponto percentual da participação do estado na economia nacional”, informou a entidade em seu último comunicado econômico.

Contudo, Zanin avalia que o impacto de seca na economia do estado não deverá afetar o PIB nacional. “Há estados que certamente terão uma produção forte e poderão contrabalancear as perdas do Rio Grande do Sul nas contas nacionais”, diz o economista. No longo prazo, recomendam os especialistas, o governo e a iniciativa privada locais não podem continuar tomando atitudes comedidas em relação aos problemas climáticos. A busca por políticas que minimizem os prejuízos causados pelo excesso de chuva e pela longa estiagem deve ser primordial, assim como a criação de programas que incentivem a diversificação de cultivo.

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