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‘Indústria da morte’ cresce com vigor e se mostra imune à crise

Planos funerários, um dos termômetros desse setor, já faturam 4 bilhões de reais no país, valor sete vezes maior que o registrado em 2010

Por Luís Lima e Teo Cury
28 nov 2015, 20h24

Em uma de suas frases mais conhecidas, o economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946) vaticinou que, “no longo, prazo estaremos todos mortos”. Se a morte é certa, não é um despropósito supor que serviços fúnerários – para os quais haverá demanda enquanto a humanidade existir, afinal – podem ter uma certa imunidade a crises. E, no momento, esse quadro está particularmente nítido no Brasil. A economia brasileira vai encolher 3% neste ano e um novo passo atrás é esperado para 2016, mas a retração não tem sido percebida na “indústria da morte”, que só faz crescer – e sem dar sinal de que isso vá mudar tão cedo.

Um dos termômetros de força desse mercado é apresentado pela Associação Brasileira do Setor de Informações Funerárias (Abrasif). A entidade reúne empresas que oferecem os chamados planos funerários, compostos por serviços que vão da preparação do corpo à ornamentação do velório e pagos em suaves prestações mensais. Em 2010, o segmento faturou 529 milhões de reais. No ano passado, a receita já havia atingido 3,95 bilhões de reais. Em outras palavras: em um intervalo em que a economia brasileira cresceu, em média, 3,2% – um ótimo desempenho se comparado ao cenário atual -, os planos funerários multiplicaram seu faturamento por sete.

Em 2005, havia 8.500 empresas prestadoras de serviços funerários no país. Hoje, esse número é de 13.720 empresas. De 2013 para 2014, houve uma explosão no faturamento dessas empresas, que passou de 1,68 bilhão para 3,95 bilhões de reais, dado mais recente. E o forte avanço não foi casual. “O fortalecimento está ligado à iminência de regulamentação do setor”, diz Maurício Costa, presidente da Abrasif. Hoje, os planos funerários não são regulamentados. O projeto de lei que trata da regulamentação, do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2013 e seguiu para o Senado, onde permanece desde então. “O projeto é simples e não causa ônus ao governo”, diz o deputado.

Os planos funerários têm como público-alvo as classes C, D e E, que não têm condições de bancar seguros de vida, opção de investimento mais popular entre famílias que ganham acima de cinco salários mínimos. Comercializados com mensalidades que variam em torno de 35 reais, a depender da região, os planos funerários se tornaram a opção mais viável para quem não tem como arcar com uma despesa alta e, não raro, repentina.

Na cidade de São Paulo, onde o serviço é municipalizado, a despesa média com um sepultamento é de 3.500 reais, mas pode chegar a muito mais que isso. A tabela de preços no site da prefeitura paulistana informa que o sepultamento “padrão Orquídea Extragrande” chega a 19.000 reais. O mesmo modelo, mas com cremação, ultrapassa 21.000 reais. O pagamento precisa ser feito à vista ou, no máximo, em três parcelas no cartão de crédito. Essa exigência é que multiplica o número – e o faturamento – de planos funerários de maneira vigorosa.

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Da maquiagem à morte digital – Mas o crescimento do “mercado da morte” não se deve apenas ao impulso conquistado pelos planos funerários. Carolina Maluf é testemunha disso. Há mais de dez anos ela coordena o curso Thanatology, que ensina técnicas de maquiagem de cadáveres. Nina, como é conhecida, diz faturar, em média, 35.000 reais por mês. ” “Nós ensinamos as técnicas aos alunos, mas também a como procurar emprego e como investir na área”, afirma.

Formada em administração, biomedicina e enfermagem, Nina começou a atuar na área por influência do avô, que era técnico de anatomia na Universidade de São Paulo e a levou para acompanhá-lo em um dia de trabalho. Nina tinha 8 anos. “Naquele dia eu o vi preparando peças para dar aula”, conta. “Saí de lá com a certeza do que queria fazer.” Nina oferece cursos de dois dias para todo o Brasil de tanatopraxia (preparação do corpo para evitar a decomposição no velório), necromaquiagem, reconstrução facial, ornamentação e cerimonial. Segundo ela, o rendimento médio dos profissionais é de 1.000 a 1.500 reais, mais comissão por atendimento (que pode ser de até 200 reais). Por falta de regulamentação, a profissão é “livre”, diz Nina, mas a Vigilância Sanitária exige dos profissionais ao menos um curso livre, como os ministrados por ela.

O mercado da morte também tem dado espaço à inovação. Lançado oficialmente na última quinta-feira, dia 5 – não por acaso, na semana de Finados -, o site Morte Digital é voltado para quem deseja pôr fim aos perfis dos falecidos na internet, em particular nas redes sociais. “Temos uma certeza na vida: nasceu, vai morrer. Mas as pessoas não morrem nas redes”, diz Jô Furlan, neurocientista e empresário.

Ele conta que a decisão de criar o Morte Digital surgiu quando entrou no Skype e viu um cunhado, morto havia meses, online. “As pessoas se sentem culpadas por encerrar a vida digital de um ente querido. A ideia do Morte Digital é minimizar o desgaste do luto”, afirma. O preço do serviço varia de 200 a 350 reais, a depender da quantidade de redes sociais englobadas. No caso do Facebook, a empresa de Jô reúne todos os documentos necessários e os apresenta ao departamento jurídico da rede social, acompanhado pelo pedido de cancelamento do perfil. Em paralelo, a empresa de Mark Zuckerberg oferece a opção de notificar o falecimento no perfil, colocando, acima do nome, a frase “em memória de”.

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Outro serviço oferecido pelo empresário é o Nota de Falecimento, um obituário online. Em um jornal do interior paulista – Itu, exemplifica Furlan -, anunciar um óbito custa 50 reais, em média. O Nota de Falecimento oferece o serviço por 24,90 reais – e a mensagem chega a qualquer um com acesso à internet. O procedimento é simples: basta enviar o documento de certidão de óbito digital ao site que, que na sequência autoriza a publicação. “O anúncio fica por tempo indeterminado no site.”

Um potencial concorrente do Nota de Falecimento é o Cadastro Nacional de Falecidos. “Mas o CNF é um banco de dados, nada mais”, diz. “O objetivo do Nota de Falecimento é ser jornal online. Um obituário mesmo.”

Ponto central de um setor que cresce tanto, a morte tem até capital. O município de Cabrália Paulista, cidade de 4.400 habitantes que fica a 370 quilômetros de São Paulo, atribui a si o título de “capital brasileira dos caixões” – e fatura com isso. A JR, na ativa desde 1982, é uma das grandes fabricantes do município. Seus 130 funcionários se dividem entre a montagem e o acabamento de 15.000 caixões por mês. No site da empresa, há caixões que vão da linha básica à super luxo. “Tampa forrada em cetim branco plissado, babado com renda dourada e sobrebabado de luxo com detalhes em renda dourada e travesseiro solto” é uma das opções de urnas oferecidas pela empresa. Se é para morrer, que seja com estilo.

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