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Contribuinte vai pagar a conta do julgamento dos planos econômicos, diz procurador do Banco Central

Isaac Ferreira, procurador-geral da autoridade monetária, afirma que se STF decidir a favor de poupadores o Tesouro Nacional terá de socorrer os bancos públicos pois impacto será muito maior do que os R$ 8 bi calculados pelo Idec

Por Talita Fernandes, de Brasília
27 Maio 2014, 02h03

Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade dos planos econômicos dos anos 1980 e 1990, o procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Ferreira, afirma que os planos se prestavam ao combate da inflação e isso é um dos papéis da autoridade monetária – ser a guardiã da moeda e evitar a alta dos preços. “É surreal, e chega a ser mesmo estarrecedor, criticar o BC por defender a validade de leis voltadas a combater a inflação”, diz ele, em entrevista ao site de VEJA.

O Supremo vai julgar nesta quarta-feira se os planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II foram aplicados dentro dos termos constitucionais. Caso sejam considerados inconstitucionais, os bancos terão de arcar com uma indenização bilionária para milhares de poupadores que entraram com processos alegando perda de dinheiro devido às mudanças nas regras de correção monetária impostas pelos pacotes econômicos. Na semana passada, o Superior Tribunal e Justiça (STJ) decidiu a favor dos poupadores em julgamento sobre a incidência de juros de mora (aplicadas em caso de atraso de pagamento) sobre correções das cadernetas.

Para Ferreira, o resultado da decisão do STF pode pesar no bolso do contribuinte, afinal, metade do pagamento terá de ser feito pelos banco públicos. “Esse é um exemplo do oportunismo de alguns que pousam de defensores dos consumidores, mas que na realidade arquitetam um projeto político”, afirma o procurador-geral do BC. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Metade do custo do julgamento sobre os planos econômicos vai ficar com os dois bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Por esse motivo o contribuinte que vai pagar a conta?

Se houver inconstitucionalidade, haverá uma conta a pagar. Certamente o Tesouro Nacional será chamado a capitalizar esses bancos e, em última instância, essa capitalização custará para o contribuinte. Não há como negar esses aspectos fáticos, 50% de qualquer conta repousam nos dois bancos públicos e, de fato, o impacto não é nada desprezível. É o que tenho chamado de tragédia dos comuns, ou seja, visando ganhos imediatos alguns sairiam ganhadores, em detrimento do todo e dos próprios poupadores que teriam de arcar a médio e longo prazo, inclusive com tributos, para fazer frente a gastos do Tesouro Nacional, que é o principal acionista desses bancos.

Há uma divergência grande sobre o impacto desse julgamento: o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) fala em aproximadamente 8 bilhões de reais, enquanto que o Banco Central calcula um impacto superior a 100 bilhões de reais. A diferença não é desprezível. O pior cenário é o mais factível?

De fato há intensas divergências no que diz respeito às estimativas de impacto do julgamento do Supremo e pelo STJ. Aliás, são essas divergências que levaram o Advogado-Geral da União (Luís Inácio Adams) e o Procurador do BC a requerer ao STF a realização de uma audiência pública para que se aprofunde a análise e o dimensionamento dessas estimativas. O Idec vem falando em números em torno de 8 bilhões de reais. Todavia, o próprio Idec não menciona que existe um impacto potencial relacionado às ações coletivas, que não são objeto de provisão porque não se sabe o universo correto dos poupadores. Há efetivamente uma intriga nessa posição do Idec, que é recente. Porque em 2009, o próprio Idec, por meio de petição nos autos da principal ação que será avaliada pelo STF reconheceu uma estimativa de impacto de 102 bilhões de reais. À época, o BC e a Fazenda estimavam o impacto em 105 bilhões de reais. Agora, números mais convenientes acabam sendo explorados pelo Idec.

Mas um número expressivo de pessoas que se sentiram prejudicadas não mostra que faltou alguma explicação sobre esses planos econômicos?

Por vezes a comunicação ou a falta dela pode levar a essa incompreensão. Mas há algo que me parece muito fácil de ser compreendido por todos: ninguém quer inflação. A indexação é efetivamente um veneno, ao contrário do plano, que foi um remédio amargo para debelar a inflação. Não me parece que teria faltado explicação aos cidadãos de que esses planos se prestavam a combater a inflação. O que imagino é que faltou a compreensão de que, sem choques monetários, e sem uma política que alcançasse os contratos em geral, não haveria como ter uma política eficiente de combate à inflação. Era preciso que todos se sacrificassem um pouco para que todos ganhassem no final.

Caso o Supremo julgue pela inconstitucionalidade, os bancos precisarão fazer uma provisão. Essa estimativa de perda pode ser prejudicial para a saúde das instituições financeiras?

Na hipótese de o Supremo declarar inconstitucionais todos os planos, de fato haverá consequências do ponto de vista do patrimônio deles. Será necessário que refaçam suas contas e o Banco Central haverá de expedir normas nesse sentido para que o provisionamento reflita a realidade do julgamento. Hoje, o que os bancos têm de provisão é cerca de 9 bilhões de reais que dizem respeito apenas às ações individuais daqueles planos monetários em que eles estavam perdendo na Justiça: os planos Bresser e Verão. Eles não fizeram provisão para os planos Collor I e Collor II porque estavam tendo êxito judicialmente. No que diz respeito às ações coletivas, como ainda há uma série de indefinições no STJ, ainda é incerto o universo dos poupadores beneficiados e, portanto, não há obrigatoriedade regulatória para que eles façam essa provisão.

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Então, se a decisão do STJ a favor dos poupadores na semana passada derrubou as ações dos bancos na bolsa de valores, o STF pode mexer ainda mais com a estabilidade do mercado?

O sistema financeiro brasileiro é, sem dúvida, estável, sólido, bem provisionado e capitalizado, e com liquidez que faz frente a seus compromissos. Todavia, um julgamento por uma Corte superior de Justiça traz como consequência o impacto patrimonial nas instituições financeiras e o consequente aumento da volatilidade dessas instituições. Não foi por outro motivo que no mesmo dia em que o STJ proclamou uma decisão houve um decréscimo patrimonial em termos de valor das ações dos principais bancos do país. Isso significa que qualquer que seja o julgamento do STJ ou do Supremo é necessário que seja precedido de uma profunda discussão sobre o contexto fático de que se reveste esse julgamento.

A insegurança jurídica seria a primeira discussão?

Sim, porque ela traz consequências. No Brasil, a síndrome do passado incerto parece vantajosa para alguns, em especial para aqueles que enxergam oportunidades para ganhos financeiros e dividendos políticos. O BC, enquanto guardião da moeda, confia que o Supremo Tribunal Federal saberá conduzir muito bem esse julgamento e não abrirá espaço para tamanha incerteza jurídica. A discussão judicial em torno da poupança dos planos econômicos é um exemplo lastimável do oportunismo de alguns que pousam de defensores dos consumidores, mas que na realidade arquitetam um projeto político.

A que projeto político o senhor se refere?

Essa seria uma pergunta melhor endereçada a eles (associações de defesa do consumidor). Se existe uma demanda judicial que acaba insuflando cidadãos em massa para pleitear a indexação, há um projeto que acaba incutindo um sentimento de ganhos imediatos, sem a preocupação com o todo. Qual é o interesse principal de um eventual projeto político? Caberia a cada uma dessas entidades responder.

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