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A nota nova do império americano

À semelhança da fábula "A Roupa Nova do Rei", o anúncio da Standard & Poor's representou para o mercado o grito que muitos não queriam ouvir: "O rei está nu!"

Por Benedito Sverberi e Carolina Guerra
8 ago 2011, 22h04

Já contava uma famosa fábula de Hans Christian Andersen que um rei estava nu em meio a uma aparição pública. Ele havia se convencido de que usava uma veste especial e seus súditos temiam contrariá-lo. Foi preciso um menino gritar o óbvio no meio da multidão – “Que engraçado! O rei está pelado!” – para que o monarca se convencesse de sua situação humilhante. O rebaixamento da nota da dívida soberana dos EUA por parte da agência Standard & Poor’s, na semana passada, funcionou como o ‘grito da criança’. Foi preciso que a S&P exteriorizasse em alto e bom som suas desconfianças com o endividamento do país para que boa parte do mercado – antes na expectativa de que algo de bom pudesse acontecer – se convencesse que o cenário mais provável para o longo prazo é mesmo aquele mais pessimista. Bolsas caíram por toda parte nesta segunda-feira pelo temor, agora renovado, de que a economia global enfrentará um longo período de estagnação. Afinal, duas de suas grandes forças motrizes, EUA e Europa, terão de passar anos para resolver seus problemas fiscais, emperrando as chances de uma recuperação mais vigorosa.

A economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli, explica que o anúncio da S&P evidenciou uma percepção que já vinha se formando nas últimas semanas. “A percepção de que o mundo crescerá pouco por muito tempo vinha se cristalizando faz alguns meses. Veio o rebaixamento e escancarou o problema. O rei, enfim, está nu”, afirma. “Está cada vez mais claro que esta não é uma crise passageira. Há uma conta a ser paga por dez anos”, acrescenta. A conta, na avaliação da economista, é a profunda reforma que EUA e países europeus terão de fazer em suas próprias contas públicas. Tais ajustes implicam cortes de gastos, demissões de pessoal, eliminação de estímulos fiscais, etc – medidas que, em seu conjunto, implicam a retirada de estímulos de economias que já sofrem para crescer.

Pânico – A movimentação dos mercados nos últimos dias, e em especial nesta segunda-feira, possui, é claro, um forte componente emocional. Quando bolsas despencam e os preços de ativos considerados seguros disparam, instala-se um clima de pânico que só aprofunda a turbulência. Alguns investidores, que ainda se mostravam relativamente tranquilos, aderem à movimentação – o que significa, no jargão do mercado, um comportamento de manada. Nesta segunda-feira, dia em que o Dow Jones cedeu 5,55% e a Bovespa por pouco não teve os negócios paralisados, o ouro bateu novo recorde de apreciação, atingindo a máxima histórica de 1.723,40 dólares. A busca por segurança projetou – ironia do destino – os juros (yields) dos títulos do Tesouro americano de dois anos para o menor patamar histórico, aos 0,228%.

Cristiano Souza, economista do banco Santander, destaca que o anúncio da S&P veio num momento em que incertezas já pairavam no ar. “Houve um plano para o resgate da economia da Grécia, mas muitos pontos ficaram em aberto. O fundo de estabilização da zona do euro, por exemplo, poderá comprar títulos no mercado secundário. Mas quanto cada integrante do bloco terá de colocar no fundo para bancar a nova atribuição?”, destaca. O analista aponta que alguns investidores mostravam-se temorosos com a possibilidade de a crise da dívida europeia atingir economias importantes, como as da Itália ou da Espanha – algo que ele, particularmente, refuta. Por fim, destacou que os mercados temiam também a participação dos bancos privados na chamada reestruturação das dívidas dos países (um eufemismo para que o sistema bancário arcasse com uma parte do calote destas nações).

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Futuro incerto – A economista do Banco Fibra relembra que já existem reações por parte dos bancos centrais das principais economias, como, por exemplo, ficou evidente na decisão do Banco Central Europeu (BCE) de comprar títulos da dívida italiana e espanhola. Souza, do Santander, afirma que os mercados só recobrarão a tranqüilidade se houver ação consistente por parte das autoridades americanas e europeias. “É preciso ir além do discurso e partir para o detalhamento de como os governos pretendem resolver seus problemas”, destacou.

O ponto unânime é que, independentemente do medo que produzem as crises de dívida, a atividade econômica internacional já não se encontrava em sua melhor forma. Nos últimos três anos, a estratégia de despejar trilhões de dólares nas economias não foi suficiente para que estas engatassem uma trajetória consistente de crescimento, mas foram altamente perniciosas para o endividamento das nações. Nos últimos meses, a alta das commodities (que começa a ser revertida) funcionou com um imposto a retirar competitividade dos países desenvolvidos; o terremoto no Japão fez decrescer um dos maiores PIBs do planeta; e a somatória desses fatores fez com que cidadãos reduzissem o consumo e procurassem aumentar a poupança. Delineava-se, portanto, um quadro de fraca expansão econômica. Os pacotes de austeridade na Europa e EUA, e agora o rebaixamento da nota americana, vem aprofundar a perspectiva de que anos ruins virão.

Ibovespa – Num ambiente como esse, nenhum dos economistas ouvidos pelo site de VEJA quis fazer apostas sobre o Ibovespa, com a argumentação de que é preciso analisar o mercado por alguns dias para entender que trajetória adotará. O elevado peso no Ibovespa de empresas exportadoras – vítimas potenciais, portanto, de uma desaceleração do crescimento global – torna a bolsa brasileira candidata a sofrer. José David Martins Junior, diretor superintendente da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord), relembra que o índice chegou duas vezes à casa dos 31 mil pontos no final de 2008, no auge da crise financeira mundial deflagrada pelo estouro da bolha imobiliária nos EUA. No final do ano passado, houve quem apostasse que o Ibovespa poderia chegar a 80 mil pontos, visto que, em outubro, ele atingiu o pico de 72 mil pontos. De lá para cá, investidores estrangeiros e brasileiros vinham retirando seus recursos, alocando-os em outras operações. A bolsa já se encontrava perto de 50 mil pontos – nível que, até semana passada, era considerado por analistas um patamar no qual poderia, no médio prazo, se estabilizar. “Provavelmente, a expectativa que se tinha em 2010 não vai se realizar. As metas dos investidores devem ser revistas”, afirmou. É muito cedo, no entanto, para saber em que patamar, e quando, os mercados encontrarão um pouco de tranqüilidade. Por ora, apostar num cenário róseo é o mesmo que querer enxergar uma nova roupa invísvel.

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