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Uma era dourada da ciência, cheia de luz e sombra

A mostra “1 001 Invenções”, em Nova York, busca relatar a importância das descobertas islâmicas para a ciência, mas manipula tanto quanto tenta iluminar

Por The New York Times
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h11 - Publicado em 11 dez 2010, 18h20

“Dêem uma olhada”, diz Ben Kingsley, derrubando um tomo antigo na frente de três alunos como se estivesse ensinando magia em Hogwarts. “Dêem uma olhada, se tiverem coragem”. O livro se abre magicamente, deixando sair um ciclone de fantasmas brilhantes. E Kingsley – que aqui interpreta um bibliotecário que tenta fazer com que os alunos se interessem pelo que ele chama de “Artes Negras” – se transforma num al-Jazari de turbante: inventor do século 12, engenheiro mecânico e visionário. “Bem-vindos ao Período das Trevas!”, declara. “Ou, como deveria ser chamado, Era Dourada”, acrescenta.

Depois de levar os alunos “da escuridão à luz” em seu filme introdutório, podemos seguir pelas “1 001 Invenções”, no New York Hall of Science. O nome da exposição invoca o exotismo do oriente de Sherazade, mas a exibição é séria em suas intenções.

Não existem 1 001 invenções na mostra, mas as que lá estão, junto com as respectivas descrições, têm o objetivo de mostrar que o Período das Trevas do Ocidente foi na verdade a Era Dourada do Islã: mil anos que acabaram no século 17. Durante esse tempo, a exposição afirma, cientistas e inventores mulçumanos, vivendo em impérios da Espanha à China, anteciparam as inovações do mundo moderno.

Há vários problemas com a exposição, mas isso não afetou sua consagração internacional. Criada por um engenheiro mecânico, Salim T.S. al-Hassani, teve início numa escala pequena, fazendo um tour por cidades britânicas. Sua ampliação chegou ao Museu de Ciências de Londres neste ano, atraindo 400 mil visitantes. E o pródigo livro que a acompanha, “Muslim Heritage in Our World” (A herança mulçumana em nosso mundo), tem angariado aplausos.

Quiosques foram organizados com displays interativos, textos descritivos e vídeos em sete ‘zonas’: Casa, Escola, Mercado, Hospital, Cidade, Mundo, Universo. A exposição também atrai famílias. Uma reprodução de um relógio de água de al-Jazari, que tem um elefante na base e uma fênix no topo, dá as boas-vindas aos visitantes; infelizmente, não é uma réplica de verdade (ele funciona sem o mecanismo da água), mas sua monumentalidade é intrigante. E enquanto algumas mostras interativas são pouco atraentes, há uma instalação que permite que os visitantes toquem um céu à noite como uma divindade, e a cada toque as constelações podem ser organizadas em lugares diferentes.

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Do início ao fim, a exposição faz um tributo a uma importante tradição científica pouco conhecida, com uma extraordinária criatividade tecnológica e empreendimentos eruditos. Do século 10 na Espanha, pode-se ler sobre al-Zahrawi, autor de um tratado enciclopédico sobre cirurgia. Já em Bagdá encontramos al-Haytham, cujo estudos sobre ótica ajudaram a fundamentar as descobertas de Newton. Pode-se aprender sobre avanços nos cuidados médicos, matemática, astronomia e arquitetura.

Quanto mais aprendemos sobre princípios científicos, mais a perspectiva erudita torna-se evidente – ou seja, cada vez mais somos guiados para esse mundo de uma maneira que há muito se esperava que acontecesse em museus científicos. Contudo, a exposição poderia ter sido muito mais poderosa.

Manipulação – O problema é que a exposição manipula tanto quanto ilumina. “1001 Invenções”, dizem os textos, “é um projeto não-político e não-religioso”. Mas de fato é um pouco religioso e consideravelmente político (Veja as principais críticas do The New York Times à mostra).

Trata-se mais de uma exposição de “identidade” que de ciência comum. Foi criada pela Fundação da Ciência, Tecnologia e Civilização de Londres, cujo objetivo é “popularizar, divulgar e promover a contribuição da herança muçulmana”. A mostra tenta ainda “incutir confiança” e mostrar “exemplos positivos” a jovens mulçumanos, como al-Hassani registra no livro. É parte de uma “iniciativa educacional global” que inclui diversos materiais para salas de aula.

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O objetivo promocional é óbvio. A ideia é sempre a de que cientistas mulçumanos fizeram descobertas que depois foram atribuídas a ocidentais, e que muitas instituições do ocidente foram criadas sobre contribuições mulçumanas.

Em vez de ampliar a perspectiva, a exposição a reduz a uma caricatura; mostrando a cultura muçulmana saindo de um passado sombrio para alcançar glórias que, posteriormente, foram apropriadas por epígonos ocidentais. O fato de ter sido deixada no esquecimento é também como a tradição acabou, levando ao longo eclipse da ciência em terras muçulmanas.

O paradoxo é que esta narrativa não é apenas questionável, mas também desnecessária. Uma exposição sobre as realizações científicas durante o califado de Abbasid poderia ser maravilhosa se fosse realizada sob uma perspectiva curatorial.

Então, por que tanta indulgência? Talvez porque há uma tendência no Ocidente, particularmente após os atentados de 11 de setembro de 2001, de responder a acusações de injustiça por parte dos muçulmanos com exageradas declarações de consideração. São culpadamente oferecidas como se fosse uma espécie de compensação, inspirada pelo desejo de não parecer ligar o Islã àquelas reivindicações feitas por seus adeptos mais violentos.

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