Polícia do Rio entra, agora, na fase de caça aos fugitivos
Chefe de Polícia Civil alerta, no entanto, que a prioridade hoje não pode ser apenas correr atrás de traficantes, mas atacar a estrutura do crime
“É óbvio que alguns bandidos fugiram, mas não é esse o ponto. Durante muito tempo, trabalhamos com a lógica de prender os ‘cabeças’ do tráfico. Minha pergunta é: essas prisões reduziram o poder dos traficantes?”
A operação no Complexo do Alemão é considerada um sucesso – inclusive de público, como mostrou uma pesquisa do Ibope sobre a aprovação da população. Mas na esteira da ocupação, começa um complicado trabalho de buscas para encontrar os mais de 500 traficantes que as câmeras de TV mostraram na quinta-feira, quando criminosos fortemente armados abandonaram a Vila Cruzeiro para se abrigar na favela vizinha. A Polícia Civil, encarregada das investigações, já tem pelo menos dois indícios fortes sobre a fuga da quadrilha.
O primeiro deles é um conjunto de denúncias sobre a debandada de cerca de 50 criminosos pelas redes de esgoto e pluvial, algumas delas construídas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Cartas e denúncias anônimas levaram a polícia a descobrir que as galerias podem ter funcionado como uma rede de túneis de cerca de 600 metros, desembocando fora do complexo de favelas. A segunda, a suspeita de que sejam do Alemão os seis criminosos que mantiveram uma família refém na Vista Chinesa, na zona sul. O grupo teria fugido pela mata da Floresta da Tijuca.
As capturas – como a de um dos ‘seguranças’ do traficante Fabiano Atanásio da Silva, o FB, nesta quinta-feira – estão na pauta. Mas não têm hoje, segundo o chefe de Polícia Civil do Rio, Allan Turnowski, o mesmo peso para o combate ao tráfico. “Nossa lógica hoje é a de atacar a estrutura do crime: armas, drogas, bens de familiares, lavagem de dinheiro. Vamos prender. Mas a prioridade não pode mais ser apenas correr atrás de traficante”, diferencia Turnowski.
“É óbvio que alguns bandidos fugiram, mas não é esse o ponto. Durante muito tempo, trabalhamos com a lógica de prender os ‘cabeças’ do tráfico. Minha pergunta é: essas prisões reduziram o poder dos traficantes?”, indaga Turnowski. “O traficante Pezão, do Alemão, recebe ordens do Marcinho VP, que é o chefe. VP está preso, mas ainda dá ordens. Não é difícil enxergar que prender chefes não adiantava, pois vinha em seguida o segundo escalão e operava”, explica. “Atacamos o território, as armas e a droga. Trinta e cinco toneladas é muita coisa, muito dinheiro deles que estava empenhado em um estoque. Os que por ventura tenham escapado ainda são bandidos, mas não têm mais o mesmo poder”, diz o chefe de polícia.
Tubulações – A suspeita mais grave é de que, por pressão dos bandidos, funcionários do PAC teriam construído redes pluviais e de esgoto fora do projeto original, para favorecer uma situação de cerco como a do último fim de semana. Os bandidos que escaparam seriam a ‘cúpula’ do Comando Vermelho, que receberam a cobertura de uma espécie de segundo escalão, encarregado de trocar tiros com as tropas na noite de sábado para ocultar a movimentação nos subterrâneos do Alemão.
O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, prefere se dedicar ao mérito da ocupação e à retomada do território – verdadeiro propósito da polícia de pacificação. “Marginal sem território, sem armas, sem quadrilha e sem dinheiro é muito menos marginal”, disse, na noite de domingo, ainda no calor da invasão do conjunto de favelas.
A captura dos bandidos fora da situação de flagrante – com armas, drogas ou cometendo um crime – é mais complexa, como explicou o secretário. “A legislação é assim. Só posso prender uma pessoa em flagrante delito, com processo judicial ou se é procurada. Obviamente, pessoas vão passar pelos policiais e podem ser conhecidas na região como participantes de crime. Mas isso não basta para uma prisão dentro da lei”, explicou.
Há ainda um complicador: por suas dimensões e população, o Alemão é uma verdadeira cidade, com construções irregulares, subterrâneos ocultos, paredes falsas e todo tipo de dificuldade para as investigações. A operação ‘pente-fino’ que recupera armas, recolhe drogas e dinheiro do tráfico tem conseguido chegar até os esconderijos mais óbvios. Mas há, certamente, inúmeros outros a descobrir.
Detran – A operação “pente fino” realizada no Alemão desde a ocupação do complexo ganhou, na quarta-feira, um apoio importante para identificar foragidos, pessoas com passagem pela polícia por tráfico e produtos de roubos e furtos. O Departamento de Trânsito (Detran) do Rio disponibilizou um equipamento que identifica, em poucos minutos, se a pessoa tem algum problema com a Justiça ou com a polícia para o comando das operações policiais no Complexo do Alemão.
Um veículo do Detran, conectado com o bando de dados da instituição, ajuda os policiais a descobrir, imediatamente, a situação de uma pessoa que passa por averiguações. A consulta pode ser por nome ou impressão digital. O Detran também cedeu veículos equipados com câmeras que leem placas de veículos e reconhece carros roubados ou placas frias. O mesmo sistema tem capacidade de verificar a situação da Carteira Nacional de Habilitação vinculada a cada carro, sem que haja necessidade de parar o motorista.
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