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Bienal abre as portas para o vandalismo que pretende ser arte

Por Milene Chaves
6 Maio 2010, 17h26

A 29ª Bienal de Arte de São Paulo está marcada para setembro e vai tratar do tema arte e política. Para fazer companhia a obras de nomes consagrados como Cildo Meireles, Lívio Tragtenberg e Luiz Zerbini, os curadores do evento convidaram dois pichadores e um fotógrafo do “movimento do pixo”, (grafia adotada pelos integrantes). Os três são os mesmos que, em 2008, estiveram no ataque às paredes da faculdade Belas Artes, às obras da galeria Choque Cultural e à própria Bienal.

Ao abrir as portas da frente para acolher os pichadores, os organizadores oficializam: é arte aquilo que o estado considera vandalismo. De acordo com a Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605), quem “pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano” está sujeito a pena de prisão que varia de três meses a um ano, além de multa. Em prédios tombados, a punição é mais severa: vai de seis meses a um ano.

Na exposição, Pixobomb, Cripta Djan e Choque não vão sujar as paredes do prédio de Oscar Niemeyer. “Vamos pensar em formas de documentação, em vídeos, fotografias e desenhos, que não se confundem, mas remetem ao que está na rua”, diz Moacir dos Anjos, um dos curadores-chefes. “Pichar seria esvaziar a expressão do que eles fazem e que têm de mais forte, como ocorreu com o grafite”, completa.

Grafite, bem lembrado – A atividade foi ganhando, a partir da década de 2000, as limpas paredes de museus e galerias de arte. A dupla osgemeos, dos irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo, é o nome mais forte da categoria. No Brasil, eles são representados pela Fortes Vilaça desde 2006 – ali, uma tela de 2 x 1,60 m alcança o valor de 45 mil dólares; no exterior, já são renomados. Em 2008, foram convidados a pintar um painel gigante na fachada da Tate Modern, de Londres.

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No mesmo ano, e numa interessante manobra inversa, osgemeos e os colegas Nunca, Nina, Finók e Zefix receberam autorização da prefeitura da cidade de São Paulo para pintar um painel na avenida 23 de maio, uma das mais movimentadas da cidade.

Custeada pela Associação Comercial de São Paulo, que desembolsou cerca de 60 mil reais para pagar por materiais, a pintura foi devidamente pichada pela mesma trupe da mostra, que condena os exercícios mercantis e/ou qualquer expressão encomendada dessa nova arte – ainda que, segundo a prefeitura, eles não tenham ganhado nada pelo serviço. Os pichadores, que atacam como uma forma de chamar a atenção da O painel grafitado na avenida 23 de Maio, em São Paulo. (Foto: Fernando Moraes)sociedade para a sua condição de excluídos, parecem não perceber – ou fazem vista grossa – para o fato de que, ao entrar oficialmente na Bienal, o pixo deve passar pelo mesmo processo de higienização do grafite. Não há de ser exagero dizer que, logo mais, alguns sortudos deles começarão a receber convites para pichar a preço de ouro.

“Arte como crime, crime como arte” – A história toda tem sabor estranho. A começar pela Bienal, que justifica o convite partindo de um discurso que inclui palavras como “discutir”, “dialogar” e “incluir”, dando pistas de um comportamento mais demagógico do que arrojado. Foi por meio do Ministério da Cultura que os pichadores foram apresentados aos curadores. Dos Anjos é enfático ao dizer que o convite não foi uma sugestão da pasta: “Se nós nos dispusemos a discutir arte e política, faz parte desse escopo tentar entender o que os pichadores fazem na cidade. É complicado, é difícil, é problemático, mas ninguém disse que seria fácil”. Nesses termos, tudo fica com cara de “Bienal para a burguesia ver”.

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Prédio pichado, também na avenida 23 de Maio, em foto de 2003. (Foto: Rogério Albuquerque)No que concerne aos pichadores, a coisa não fica menos contraditória. Eles lutam pelo status de artistas, porém não abrem mão do lema “arte como crime, crime como arte”. Querem o reconhecimento de seu trabalho, sem deixar de escalar prédios e fugir da polícia, para que sua obra continue sendo radical – ou, como eles gostam de explicar: “o grito mudo dos invisíveis”, “terrorismo poético”. Com razão, para manter o teor político do pixo, é preciso que a cidade acorde com uma nova e ousada inscrição, feita às escondidas na madrugada. Se reconhecidos como grandes mestres, vão pegar o elevador para assinar seus nomes nos topos dos edifícios?

A chancela da Bienal dá visibilidade aos pichadores e a seu movimento e a novidade causa um barulho muito bem vindo ao mercado. Ainda assim, o que quer que aconteça depois da mostra não vai garantir ascensão social à larga aos muitos que empunham uma latinha de spray, porque eles não são, afinal, artistas. A questão por trás de cada letra escrita no reboco ou na pastilha é a falta de um pacote básico que inclui lazer, saúde e educação – como o movimento mesmo pretende mostrar, o problema é a exclusão social, não a inclusão artística.

Vida de pichador

Em 2009, João Wainer lançou Pixo, um documentário sobre a pichação exibido no mesmo ano na 33ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo. Assista a trechos do filme, que tem cenas dignas de cinema – gênero aventura.

Pixo é arte?
Sim. Eu teria obras de pixo em casa.
Não. Pichação é a arte de sujar a cidade.
Sim. Mas bem longe do meu muro.
Arte não se discute.
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