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Empreendedor deve querer impactar pessoas, diz diretor do Google

Para Berthier Ribeiro-Neto, que comanda a equipe de engenharia da empresa na América Latina, Brasil tem condições de ter caso de sucesso internacional

Por Felipe Machado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 mar 2021, 15h51 - Publicado em 3 set 2017, 10h56

O cientista da computação Berthier Ribeiro-Neto era professor universitário na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) quando se juntou a um aluno para transformar um projeto de pesquisa que criava o sistema de busca de sites em uma empresa de tecnologia.

Após conseguir 1 milhão de dólares em investimentos, o ambiente universitário ficou pequeno para o tamanho do negócio que surgia. A empresa deu tão certo que foi comprada pelo Google, em 2005, quando a companhia decidiu entrar de vez no mercado brasileiro. Hoje, ele é diretor de engenharia para a América Latina da gigante de tecnologia.

Nesta semana, ele participou de evento da empresa que premia em dinheiro novos projetos de tecnologia. Berthier falou à VEJA sobre empreendedorismo digital, startups brasileiras e a relação com as universidades:

Você diz que é preciso se observar alguns detalhes para que uma empresa se torne uma gigante global. Quais seriam?

Primeiro, o empreendedor não deve começar uma empresa com uma perspectiva de fazer uma multinacional. Tem de começar uma ideia, com uma paixão tremenda por aquilo. E a intuição de que pode produzir algo que terá impacto na vida das pessoas.

E o jovem, quando começa, não deve restringir o horizonte da empresa que está criando ao Brasil. O país tem um mercado interno grande, se você começa a vender soluções para esse mercado interno, se acomoda aqui dentro. Se visar o Brasil, vai condenar a empresa a ser uma empresa de produtos e serviços voltados para o público brasileiro. Para criar uma empresa de escopo global, deve procurar soluções que resolvam os problemas globais. No mundo de hoje, não existe razão nenhuma para restringir geograficamente a aplicação de uma tecnologia.

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Você criou uma empresa de buscas na internet que foi comprada pelo próprio Google, onde trabalha hoje. Aquela era uma tendência forte na época. Quais seriam os tópicos mais promissores hoje?

Machine learning [aprendizado de máquinas] é uma tendência. O Google continua sendo uma empresa em que o produto principal é a máquina de busca, só que agora ela é acelerada pelo aprendizado de máquina, que está sendo utilizado para produzir sinais que a gente usa para acelerar as repostas.

Mas, talvez a tendência de maior impacto que está vindo aí é o que a gente chama de internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), que é essa ideia de que os dispositivos terão unidades de processamento. Em cinco ou dez anos, haverá mais dispositivos que smartphones hoje, serão dezenas de bilhões de aparelhos. No televisor, na geladeira, em câmeras de vigilância, por exemplo, já há essas unidades de processamento. Mas vai ter nos alto-falantes, no sistema que aciona o motor do portão elétrico. A pergunta é: o que vai acontecer se você colocar elas para se falarem?

Por que o fato de os equipamentos poderem se comunicar é tão promissor para quem pretende criar novos negócios?

Vamos supor que você possa perguntar para o seu refrigerador se você precisa comprar leite ou não. Você, basicamente, vai pegar o telefone celular e acessar o endereço virtual do seu refrigerador. Aí abre um formulário e você pergunta: “preciso de leite?” Ele vai responder: “dois litros”. “Preciso de tomate?” “Meio quilo”. Pronto. Você não precisa usar isso no dia a dia. Mas, se estiver lá no supermercado, correndo, e tem 15 minutos ali, é uma forma simples e conveniente de resolver essa dúvida.

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A pergunta, nesse mundo que está conectado, é quais serão os usos mais interessantes. Ninguém sabe ao certo. Só se sabe que esses casos de uso vão acontecer.

Por que diz que os equipamentos com essa capacidade irão se tornar mais comuns? É possível simplesmente abrir a geladeira para ver se há leite, por exemplo.

Essas conveniências acabam fazendo uma grande diferença na vida das pessoas. Já reparou que hoje quando se trava o carro ou se aciona o controle remoto os vidros sobem? Você concebe um carro que não tem isso, que seja preciso ir lá verificar se o vidro subiu ou não? E é um negócio simplíssimo! Tudo o que tem de fazer é apertar dois botõezinhos e subir o vidro. Mas a gente esquece aberto. E o fato dessas duas coisas estarem conectadas torna-se uma solução. E uma vez que se acostuma com essa comodidade…

Você começou uma startup de tecnologia quando era professor universitário em ciência da computação. Vemos também muita gente que não tem formação na área tentando começar um negócio digital. É preciso ser especialista da área para criar uma startup bem sucedida?

As duas trajetórias são possíveis: tem professor que desenvolve um protótipo de tecnologia dentro de um laboratório e se move para fora da universidade e tem empreendedor que começa uma empresa, com um produto ou serviço qualquer. Às vezes, na sua forma inicial é um produto incipiente, mas logo ele encontra um problema importante na área de atuação da empresa, que a tecnologia que ele tem não resolve, e vai atrás de gente para auxiliá-lo

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Acho que o número de professores que estão se lançando é ainda pequeno. E o número de empreendedores que procuram a universidade para procurar uma expertise também. A gente precisa intensificar esse diálogo.

Existe a visão de que as pesquisas desenvolvidas em universidades, por usarem estrutura pública, devem ficar na própria instituição. Como vê isso?

Se você tem uma posição de que vai reter a tecnologia nos muros do campus universitário, o destino mais provável dela é o esquecimento. E vemos isso acontecendo com bastante frequência. O professor universitário tem a ideia, mas precisa se lançar na confecção de um protótipo para materializá-la, concretizá-la, torná-la clara e observável.  Uma vez que se tem esse protótipo, é preciso dar o passo seguinte, que é mover essa tecnologia para além dos muros da universidade.

Você diz que, no seu caso, quando falou com o reitor da UFMG que iriam tirar a tecnologia da universidade, houve apoio. Como foi esse processo?

Esse caminho envolve uma posição mais aberta por parte da liderança universitária. E uma conversa franca, de como é que você move essa tecnologia para fora, e de como é que você protege interesses da instituição. É um caminho de duas mãos.

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Inclusive, a ex-presidente Dilma assinou uma lei no ano passado que flexibiliza a participação do professor universitário em empreendimentos construídos a partir de protótipos de tecnologia concebidos em campus universitário. Já existe o caminho legal. O que precisa discutir ainda é a participação da instituição universitária na empresa, como a sua participação se materializa.

Hoje, você é diretor de uma gigante de tecnologia. Mas há pouco mais de uma década, tinha uma startup. Como vê a situação das startups brasileiras de tecnologia hoje?

Se olharmos a cena das startups no Brasil nos últimos 15 anos, vemos uma evolução espetacular. Estão muito mais originais, mais intensivas em conhecimento, com a parte tecnológica muito mais intensa. Uma característica é que produzem soluções que têm valor. E ao fazê-lo, começam a crescer muito rapidamente.

Nós vimos um exemplo, aqui no Google Campus [espécie de incubadora de startups da empresa], da Nama, que trabalha com inteligência artificial. Estava numa situação com milhares de usuários e, de repente, teve a oportunidade de aplicar sua solução para dezenas de milhões de pessoas, em um projeto no Poupatempo, do governo de São Paulo. Lá em Belo Horizonte, há empresas como a Hotmart, criada há poucos anos e que está com escritório em cinco países. Tem uma empresa chamada Méliuz, que está com 200 pessoas trabalhando nela e, há dez anos, estava com 30 pessoas.

O que fez com que as startups brasileiras progredissem?

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As empresas estão muito mais preocupadas em usar a tecnologia como um diferencial competitivo. O Rodrigo Scotti, da Nama, por exemplo contou que ele poderia usar a tecnologia disponível para gerar uma solução, ou investir na própria tecnologia. A opção foi investir na tecnologia. Para uma empresa pequena, que está precisando gerar caixa, esta não parece a melhor solução no curto prazo. Mas é a melhor no médio e longo prazo, porque você passa a controlar a pilha de tecnologia inteira. Ou seja, na sua solução não tem componentes que são fabricados por outras empresas. Você tem um entendimento de todos os componentes, a possibilidade de integrá-los para criar uma solução de alto valor. É muito melhor.

Isso significa dizer que as startups têm apostado mais alto no futuro, assumido riscos maiores?

Em geral, elas começam com uma ideia simples. Mas o que se observa, com muito maior frequência que anteriormente, são empreendedores dispostos e desejosos de investir em tecnologia, para desenvolver uma solução que tem um diferencial competitivo, uma barreira de entrada.

Se você, como empreendedor, está criando uma solução qualquer – como um aplicativo para tirar foto – e este é um aplicativo que um aluno universitário pode criar em uma semana, não tem diferencial competitivo. Você tem que criar um.

Temos condições de ter casos de sucesso estrondoso no Brasil, como Google ou Facebook?

Temos condições sim. Temos um programa sistemático de investimento em qualificação. Qualquer jovem brasileiro que for aceito em um programa de doutoramento numa boa universidade do mundo vai ser financiado pelo contribuinte brasileiro. Acho que só o Brasil e Chile fazem isso na América Latina. Temos massa crítica, gente muito bem formada no país, um grupo de jovens se lançando na tentativa de construir novos negócios, novas empresas. Se a gente promover o encontro desses jovens com essa inteligência das universidades, a mágica pode acontecer, sim.

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