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‘É preciso saber ouvir’, diz autor de ‘Inteligência Emocional’

Para Daniel Goleman', a liderança, tema de seu último livro, é uma habilidade que se aprende, mas os líderes atuais já não escutam nem os seus pares

Por Fernanda Allegretti 14 mar 2015, 12h20

O psicólogo americano Daniel Goleman, de 69 anos, tornou-se uma celebridade do mercado editorial em 1995 com a publicação do livro Inteligência Emocional, no qual afirmava que o segredo para alguém ser bem-sucedido na vida está em conseguir equilibrar seu lado racional com o conhecimento das próprias emoções. Cinco milhões de cópias da obra foram vendidas mundo afora, em 40 idiomas. Desde então, quase todo título de Goleman alcança o status de best-seller. Doutor pela Universidade de Harvard, o psicólogo trabalhou como jornalista de ciência no jornal The New York Times por 12 anos. Suas reportagens sobre o cérebro e o comportamento humano lhe renderam duas indicações ao Pulitzer, o maior prêmio da imprensa americana. Seu livro mais recente, Liderança (Editora Objetiva), reúne textos escritos para a Harvard Business Review e outras publicações da área. “Todo mundo é líder em alguma medida”, assegura o autor. “Os líderes não são apenas aqueles que aparecem na capa das revistas de negócios.” De Massachusetts, onde mora, Goleman falou a VEJA.

Quais características distinguem um bom profissional de um líder? Você pode ser competente no que faz, um exímio contador ou cientista excepcional, por exemplo, mas alcançar bons resultados solitariamente. Muitas pessoas são bem-sucedidas em suas carreiras dessa maneira. Um líder, por outro lado, tem a habilidade de influenciar, dirigir, guiar, inspirar, ouvir e mobilizar profissionais que são bons individualmente de maneira que todos, em conjunto, consigam dirigir seus esforços particulares a um objetivo comum no momento correto. Um líder catalisa o impacto das pessoas e o multiplica.

Qual habilidade é desejável, porém difícil de encontrar em um líder? A de ouvir. Líderes não escutam mais seus subordinados ou mesmo seus pares como costumavam fazer. A razão para isso é que eles estão mais distraídos do que nunca. Checam e-mails constantemente, saem e entram de reuniões, têm uma agenda apertada e, portanto, tanta coisa na cabeça que fica difícil prestar atenção em quem está logo ali na frente. Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.

Em todas as suas obras o senhor destaca os benefícios da meditação e essa prática é cultuada também entre executivos de peso do Vale do Silício. A meditação pode contribuir para formar um líder? Certamente. Quando falo em meditação, eu me refiro à técnica chamada de mindfulness, que não é uma prática religiosa, mas um modo de aprimorar a atenção. Um líder precisa estar focado e, no mundo atual, a atenção está sob ataque constante porque, como eu disse, temos mais distrações do que nunca. Hoje, todas as pessoas, e não só as que têm posição de chefia, precisam exercitar a intenção de prestar atenção. De parar e ponderar “estou distraído ou estou realmente presente neste evento?”. A meditação ajudará a monitorar sua própria atenção e a trazê-la de volta para o que de fato importa naquele momento.

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Quais modelos de liderança produzem melhores resultados nos negócios? A resposta que vou dar encontra amparo em muitas pesquisas. Líderes que se sentem motivados pela missão de suas companhias e que podem articulá-la de maneira carismática inspiram seus subordinados. É o tipo de chefe cuja equipe se sente satisfeita em dar a ele o seu melhor. Esse estilo de chefiar é extremamente positivo. Outro modelo eficiente é o que se assemelha ao de um treinador, que consegue enxergar o funcionário para além da função que ele desempenha, como uma pessoa de fato. Esse chefe sabe o que seus subordinados querem da vida, da carreira, do trabalho que fazem, e consegue ajudá-los a alcançar esses objetivos. Em troca, ganha a fidelidade dos empregados.

E quais são prejudiciais? Destacaria dois: o chefe perfeccionista, que faz muitos julgamentos, está sempre apontando aquilo que não foi feito ou que foi feito errado e nunca elogia. Apesar de ter padrões elevados de sucesso, as pessoas se sentem desmoralizadas diante dele e isso certamente não ajuda no ambiente de trabalho. O segundo modelo é o do chefe à moda antiga, supercontrolador e centralizador. É aquele que só grita ordens e diz: “Você deve fazer isso porque eu sou o chefe”.

O que é pior: um chefe que fica amigo dos subordinados ou o carrasco temido pela equipe? O medo prejudica a capacidade de alguém prestar atenção, de dar o melhor de si e cria deslealdade. É certamente o estilo de chefiar mais desastroso.

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Como sobreviver a um chefe horrível? Com resiliência. Àqueles que têm um mau chefe, recomendo enviar o currículo da pessoa em questão a uma companhia de recrutamento. Quem sabe assim ele não consegue emprego em outro lugar.

Em seu livro mais recente, Liderança, o senhor volta a enfatizar a importância da inteligência emocional nas posições de chefia. Como um profissional pode melhorá-la ou desenvolvê-la? Cada vez mais vemos no mundo corporativo a figura do coach executivo. Sua função é avaliar determinado estilo de gerenciamento e ajudar o executivo em questão a identificar aquilo que precisa melhorar e os benefícios que essa melhoria traria à equipe. Colocar-se à prova com um coach executivo é uma atitude interessante, entretanto o primeiro passo para qualquer um que queira ter uma visão objetiva de suas qualidades e deficiências é escolher uma área que precisa aperfeiçoar e fazer uma espécie de contrato consigo mesmo. Para isso, é importante ter um modelo em mente. Alguém que você conheça e que seja muito bom no quesito que deseja aprimorar. O exercício é tentar agir como essa pessoa toda vez que se deparar com uma situação na qual ela usualmente se sai bem.

Como é possível ressaltar qualidades emocionais, mais subjetivas, durante uma entrevista de emprego ou mesmo em um currículo? Pode ajudar bastante afixar ao currículo uma carta de recomendação de alguém que tenha trabalhado com você. Esse colega ou ex-chefe poderá enfatizar suas habilidades técnicas, mas principalmente as emocionais. Há duas situações diferentes acontecendo simultaneamente durante uma entrevista de trabalho: a primeira é formal, quando se destaca as habilidades técnicas. A segunda é pessoal, que se refere ao que o entrevistador capta a seu respeito. É preciso estar atento a isso também, porém de uma forma descontraída, sem mostrar preocupação.

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Há companhias, como a americana General Eletric, que mantêm universidades com o objetivo de formar lideranças. É possível criar líderes ou essa é uma característica inerente a determinadas pessoas? A liderança é uma habilidade que se aprende e há várias maneiras de se ensiná-la. Em geral, o aprendizado começa a se enraizar na adolescência. Por exemplo, sendo o capitão de um time de esportes no colégio. As habilidades aprendidas ali serão usadas por toda a vida quando o indivíduo entrar no mundo corporativo e começar a gerenciar uma equipe. Portanto, se uma companhia tiver, dentro da própria estrutura, um bom programa de treinamento de suas lideranças, ajudará bastante.

Os pais podem auxiliar seus filhos a se tornarem líderes? Sim. O ingrediente principal da receita é a inteligência emocional. Ou seja, os familiares estarão ajudando no desenvolvimento de habilidades ligadas à liderança sempre que incentivarem uma criança a ser autoconsciente, sociável e a expor suas aflições. Também ajuda motivá-la em direção a seus objetivos – e ampará-la na superação de possíveis reveses.

Como alguém que não é líder pode ficar em paz consigo mesmo numa sociedade que estimula e premia essa habilidade? Todo mundo é líder em alguma medida. Algumas pessoas o são por causa da função que desempenham no trabalho, mas ocorre que todos nós influenciamos outras pessoas em alguma área de nossas vidas, pode ser na família, na comunidade, no condomínio. Os líderes não são apenas aqueles que aparecem na capa de revistas de negócios.

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As sociedades ocidentais valorizam respostas rápidas e, como consequência, os CEOs da atualidade perseguem resultados de curto prazo. Isso é bom? Há um paradoxo. Investidores e o conselho diretivo das companhias enfatizam resultados no curto prazo, se uma empresa julgar o que fez certo se baseando apenas nesses dados, perde a oportunidade de observar as tendências que estão surgindo e que serão importantes para desenhar negócios futuros. Se ignorar o longo prazo, o que está por vir, a companhia padece. Tem que observar os dois.

Pesquisas mostram que muitas empresas têm dificuldade em reter seus talentos porque não compreendem a geração Y. Esses jovens profissionais, nascidos entre os anos 80 e 90, são mais exigentes? O que eu escuto muito é que os jovens não querem vender a alma a uma companhia que vai tirar todo o tempo deles, de forma que fiquem impossibilitados de levar uma vida social saudável e prazerosa. Eles desejam um equilíbrio entre os afazeres e a vida privada e, cada vez mais, querem atuar em uma empresa com a qual se identificam. Não querem trabalhar em um lugar que multiplica dinheiro mas faz isso de forma pouco ética, por exemplo. Ética e propósito são cada vez mais valorizados pelas gerações mais novas. Se eu estivesse começando agora, seria um deles.

Os trabalhadores que não querem ascender na carreira, seja para ter tempo de ficar com os filhos, seja para evitar maiores responsabilidades, são um problema para as empresas? Pelo contrário, são valiosos. Esses trabalhadores geralmente são fiéis à companhia e muito bons na atividade que exercem. Com bastante frequência, vemos pessoas incompetentes promovidas ou ainda excelentes funcionários não darem certo em uma nova posição. Empregados competentes são extremamente valiosos e, do meu ponto de vista, não há nenhum problema se eles simplesmente continuarem a fazer bem o seu trabalho.

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É cada vez mais comum ver gente desempenhando diferentes profissões ao longo da vida. As pessoas estão se entediando rapidamente com seus trabalhos? Com certeza. Quanto menos propósito alguém encontrar na função que desempenha, maiores são as chances de procurar outra atividade.

Que conselho o senhor daria a trabalhadores que não gostam de suas profissões, no entanto não podem abandonar suas carreiras por questões financeiras? O psicólogo Howard Gardner escreveu um livro chamado Good Work: Aligning Skills and Values (Bom Trabalho: Alinhando Habilidades e Valores, em tradução livre). Para ele, o bom trabalho combina três coisas: uma função em que você seja bom, que lhe pareça eticamente defensável e da qual você goste. Esse é o trio perfeito, contudo o trabalho diário pode não lhe dar todo esse prazer ou lhe dar apenas parte dele. A questão que cada um deve se fazer é: ‘Quanto do meu dia é feito de um bom trabalho e o que posso fazer para aumentar essa proporção?’.

São muitas as características que definem um líder, mas há uma comum a todos eles? Difícil destacar uma só. Todo líder é bom de uma maneira particular. Em geral, precisam identificar os próprios valores, se fazer entender, ouvir os outros e trabalhar bem em grupo.

Na política global, que presidente emerge como um líder mundial? Não é um presidente, é uma entidade, o Dalai Lama. Ele não dirige um país ou uma organização, mas, definitivamente, reflete sobre os problemas globais e influencia pessoas. Eu o vejo como um líder inusitado porque se preocupa com a humanidade como um todo, pensa a longuíssimo prazo e com a perspectiva mais ampla sobre o que o mundo precisa. Em geral, os líderes têm que limitar o alcance de sua preocupação e priorizar a companhia em que atuam ou mesmo o país. Como o Dalai Lama não responde a uma empresa ou governo, o alcance de sua liderança é mais difuso e pode influenciar mais gente e não apenas um grupo particular. Eu o acho bastante intrigante, tanto que será tema do meu próximo livro. A Force for Good – The Dalai Lama’s Vision for Our World (A Força do Bem – A Visão do Dalai Lama Para o Nosso Mundo, em tradução livre) estará disponível em junho nos Estados Unidos.

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