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O espião que quer detonar Trump continua a fazer estrago

Dossiê bombástico de ex-agente secreto inglês segue o modelo clássico do gênero: para os inimigos, se não é verdadeiro, bem que poderia ser

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 jan 2017, 11h49 - Publicado em 13 jan 2017, 11h22

Quanto mais absurdo, mais queremos acreditar.  O modelo kierkegaardiano para a religião se aplica às conspirações políticas em geral e aos dossiês em particular, aqueles documentos que, se confirmados, derrubam governos e, se desmentidos, continuarão a ser mencionados para todo o sempre.

E muitos meios da imprensa querem acreditar no dossiê feito por Christoper Steele, o espião inglês  “respeitado” e de “excelente reputação” que fez o dossiê bomba sobre Donald Trump. Todo mundo já sabe que a parte mais impossível de eliminar da mente desse dossiê se refere a um tipo de perversão (ou parafilia) sexual praticada num hotel de Moscou e registrada pelos russos. Tudo supostamente, claro.

Os adjetivos elogiosos em relação a Steele foram usados pelo New York Times para descrever o trabalho do ex-agente, que foi espião na Rússia, com fachada diplomática. De volta à Inglaterra, chefiou a divisão de assuntos russos do MI6, o serviço britânico de inteligência, um posto de  respeito. Aposentado, abriu sua própria consultoria, a Orbis Business Intelligence. Missão: ajudar a fazer negócios com a Rússia.

Consta das versões unanimemente repetidas que Steele “fugiu apavorado” de sua casa na Inglaterra depois que seu nome foi divulgado como autor do dossiê. Como ele próprio espalhou o documento o quanto pode, teria que ser um espião extremamente desequipado de atributos intelectuais básicos para imaginar que o sigilo seria mantido.

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A reportagem do Times, que quer desacreditar acreditando, faz uma reconstrução da trajetória do dossiê que vale ser reproduzida, com todos os avisos de segurança (impossível cravar o que foi “plantado” e o que foi apurado fora da margem de dúvida).

O Times aponta como passo inicial uma consultoria de ex-jornalistas, chamada Fusion GPS, chefiada por Glenn Simpson e especializada em escavar o passado de empresas visadas em conflitos comerciais ou políticos adversários.

É um trabalho mais conhecido no Brasil como “fábrica de dossiês” . A consultoria de Simpson, segundo o Times, foi contratada em setembro de 2015 por um milionário que contribui para o Partido Republicano e queria levantar sujeitas contra Trump, um campo certamente vasto (segundo a BBC, o adversário seria o próprio Jeb Bush) .

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Com a vitória de Trump nas primárias republicanas, o cliente caiu fora e foi substituído por simpatizantes democratas de Hillary Clinton. O Times nem chega perto de dizer quem eram, embora certamente saiba.

Também trata de forma completamente indiferente, como se fosse uma realidade da vida, o fato de que a Fusion GPS contratou os serviços de uma empresa estrangeira, a Orbis de Christopher Steele. As informações sobre Trump –  verdadeiras, falsas ou parciais – foram levantadas através de russos radicados em países europeus que falavam com informantes locais.

Steele produziu vários dossiês. Dizem, em resumo, que o serviço secreto russo começou a se interessar por Trump muito antes que fosse candidato, prevendo que o exótico bilionário poderia ser manipulado através dos métodos clássicos: o suave (oferta de negócios irrecusáveis) ou o brutal (chantagem baseada em informações comprometedoras).

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Quando Trump se tornou aspirante a candidato presidencial, diz o dossiê, a espionagem russa passou a colaborar com informações sobre os adversários e, na fase final, sobre Hillary Clinton.  A gravidade de uma operação desse tipo é tão óbvia que dispensa elaborações. Com indícios razoáveis, levaria inevitavelmente à abertura de um processo de impeachment contra Trump, que ainda vai tomar posse no próximo dia 20.

A foto granulada de Christopher Steele de smoking, mostrada acima,  é um dos raros registros dele – agentes de inteligência evidentemente fazem de tudo para não aparecer, mesmo na vida particular.

Ele tem 52 anos e uma trajetória clássica no que os ingleses chamam de classe média: filhos de famílias com algumas posses e bom nível de instrução que cursam as melhores universidades. Steele formou-se em Cambridge e daí foi recrutado para o MI6.

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Como a CIA, a espionagem britânica continua a ter apelo a universitários brilhantes que não pretendem ficar milionários no mundo da alta tecnologia, do direito ou das finanças. Segundo o Telegraph, Steele foi apenas um agente de nível médio, não um  integrante da elite da inteligência, como o chefe (ou a chefe) de 007.

O jornal indica também que ele abandonou o “distanciamento crítico” necessário na profissão quando foi encarregado de acompanhar o caso de Alexander Litvinenko. De certa forma,  o ex-agente russo que tinha informações preciosas sobre o esquema de poder de Vladimir Putin, morreu nas mãos de Steele.

Litvinenko caiu numa armadilha do serviço secreto russo. Num dos casos mais impressionantes de todos os tempos, foi assassinado com uma dose de polônio-210 colocada no chá que foi tomar com um agente enviado por Putin, num hotel de Londres. A trajetória do assassino foi reconstituída através dos traços deixados pelo elemento radiativo.

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Os dossiês mais radiativos do que o polônio produzidos por Steele foram encaminhados primeiro a um contato dele com o FBI em Roma. “Todo mundo” em Washington ficou sabendo da pasta metaforicamente vermelha, incluindo jornalistas empenhados em fazer praticamente qualquer coisa para pegar Trump, não só por obrigação profissional como por comprometimento pessoal. Seguraram-se devido à quase impossibilidade de confirmar as informações que constavam do dossiê.

A porteira foi aberta quando os serviços de inteligência incluíram o relatório mais explosivo numa apresentação feita primeiro ao presidente em exercício, Barack Obama (“O que essa coisa toda tem a ver com alguma coisa”, perguntou ele, segundo reconstituição sujeita a dúvidas do vice-presidente Joe Biden). Depois, James Comey, o enrolado diretor do FBI, mencionou-o ao presidente eleito.

O diretor da CIA, John Brennan, afirma que a ideia era simplesmente cumprir a obrigação de informar Obama e Trump sobre um documento de teor explosivo que estava circulando, sem nenhum juízo de valor sobre sua veracidade. Fadas, gnomos e até o Papai Noel devem ter lá as suas dúvidas a respeito.

“Fontes” da CIA, a agência de espionagem que era execrada pela maioria da imprensa e agora se tornou uma central de virtudes e heroísmo por causa do confronto com Trump, têm sido citadas em relação a outros documentos comprometedores de natureza sexual.

A impossibilidade de confirmar – ou desmentir – informações do gênero constitui um dos aspectos mais perturbadores da guerra suja da desinformação. No caso do dossiê de Steele, o FBI ainda está envolvido.

John Brennan vai deixar a direção da CIA, substituído por Mike Pompeo,  em estado grave. Ou a agência foi politizada e passou a fazer parte do jogo político interno, um anátema, ou estará sob o comando de um presidente que colaborou com o inimigo, um traidor manipulado pelos russos.

Quanto a Christopher Steele, as opções também não são muito animadoras. Ele pode acabar prestando depoimento voluntário numa futura e hipotética comissão de inquérito do Congresso americano. Ou pedindo asilo na embaixada do Equador em Londres, onde dividiria espaço com o mais recente aliado de Trump e conhecido simpatizante de Putin, Julian Assange.  Só não pode aceitar nenhum convite para tomar chá.

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