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História sem fim: esquerda espanhola rejeita vitória de 500 anos

Comemoração da derrota final do domínio muçulmano na Península Ibérica é condenada como reacionária, ignorante e outros adjetivos pouco simpáticos

Por Vilma Gryzinski 4 jan 2017, 16h21

Reavaliar acontecimentos históricos para entendê-los melhor é uma das características dos intelectos bem formados. E rejeitar todas as interpretações feitas no passado como distorções criadas por elites perversas é típico de intelectos deformados pelos conhecidos defeitos do esquerdismo infantil.

Um dos exemplos clássicos do exagero revisionista acontece na Espanha. Nos últimos 525 anos, o país tem comemorado a etapa final do processo histórico fundador chamado de Reconquista, a vitória dos reinos católicos finalmente unificados contra os muçulmanos do norte da África que dominaram a Península Ibérica quase inteira durante oito séculos.

A vitória final foi a Tomada de Granada, em 1491 representada bem academicamente num quadro de Francisco Pradilla, pintor do século XIX, em que Boabdil, ou Maomé XII, o último sultão de Granada, entrega as chaves da cidade a Fernando e Isabel, os reis católicos.

Este conjunto de acontecimentos históricos teve importância comparável ao de uma futura expansão de terráqueos para outros planetas. A unificação e a expansão do reino espanhol propiciaram a era dos descobrimentos, do colonialismo e do apogeu da civilização ocidental.

No mesmo ano da conquista da Granada, um certo Cristóvão Colombo chegou à América, patrocinado pelos mesmos reis. O reino recentemente unificado virou um império e a mudou a história do mundo (a de Portugal e do Brasil foram subcapítulos desses acontecimentos transcendentais).

A mesma civilização ocidental que criou tudo isso propiciou o espírito crítico que permitiu ver essa narrativa gloriosa, desde o início, com todos os seus defeitos, suas injustiças e seus abusos.

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Mas chegou um momento em que só a parte dos defeitos passou a valer e é isso que nos traz de volta à briga ideológica sobre a Reconquista. Nos últimos anos, grupos dos dois extremos, à direita e à esquerda, trocam insultos todo dia 2 de janeiro na praça central de Granada, quando é feito um cortejo até a capela real onde ficam as tumbas de Fernando e Isabel.

Os de direita, identificados com o franquismo (durante o qual, como em toda a ditadura, o passado foi glorificado), vaiam os de esquerda. Uma das palavras de ordem: “Fora militares, gastos para escolas e hospitais” (em espanhol, quase dá rima).

O boicote atualmente é liderada por partidos como a Esquerda Unida e o Podemos. O PSOE, da esquerda tradicional, participa dos festejos através do prefeito, mas rejeita que sejam declarados patrimônio cultural (aliás, um patrimônio conjunto com o Brasil, onde as encenações envolvendo mouros e cristãos também entraram para o folclore).

A briga, inevitavelmente, chegou ao Twitter. Esperanza Aguirre, que já foi uma das figuras mais importantes do partido de direita, o PP, e continua a rodar a espanhola (cheia de babados: ela tem o título de condessa), tuitou sobre a conquista de Granada: “É um dia de glória para as espanholas. Com o Islã, não teríamos liberdade”.

Pablo Iglesias, o líder do Podemos e um dos maiores defensores do chavismo (deu até cursos de formação ideológica na Venezuela), respondeu. O comentário de Aguirre foi uma “patriotada rançosa, inculta e reacionária”. Na tradição esquerdista de desconstruir personagens históricos, principalmente da monarquia, como cretinos que não tomam banho, espetou: “Espero que Esperanza Aguirre não admire também os hábitos higiênicos dos reis católicos”.

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Foi uma referência bobinha à promessa da rainha Isabel de não trocar de camisa, a roupa interior da época, enquanto Granada não fosse reconquistada.

O revisionismo histórico levado ao exagero habitualmente apresenta a era do domínio muçulmano sobre Al Andalus, como chamavam os territórios da Espanha e de Portugal, como um período paradisíaco de tolerância e avanços culturais. Um historiador espanhol chegou a defender a tese de que a península não foi conquistada pelos mouros, mas entregue voluntariamente por uma população que se converteu de bom grado ao Islã.

É tão tolo quanto ignorar a beleza deslumbrante da mesquita-catedral de Córdoba (erguida, aliás, no lugar de uma antiga igreja cristã dos visigodos, a população dominante da península na época).

Durante o período muçulmano, chegou a existir um califado, a designação dada a um domínio simultaneamente político e religioso na tradição islâmica. O califado de Córdoba durou de 929 a 1031 e terminou em guerra civil entre os próprios muçulmanos, fragmentando o controle sobre a Península Ibérica.

Restaurar o Islã em Al Andalus faz parte da plataforma de todos os grupos fundamentalistas, desde os aiatolás xiitas do Irã até, claro, os militantes do Estado Islâmico, que se consideram defensores do novo califado.

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A história, como se sabe, não tem fim.

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