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Bebê num braço, bomba no outro: o Iraque tem esperança?

Mulher que se explodiu com criança em Mosul é o exemplo mais pavoroso do poço de encrencas dessa região; mas algumas coisas boas aconteceram

Por Vilma Gryzinski 10 jul 2017, 09h05

Otimismo é um estado de espírito em geral incompatível com o Oriente Médio. Ainda mais para quem viu uma das últimas cenas antes da retirada final do Estado Islâmico de Mosul.

A televisão iraquiana já estava na cidade, ocupada lenta e brutalmente, e só depois do atentado deu para perceber o que havia captado. Uma mulher bonita, de olhos bem pintados, vestindo manto e véu negros, anda por uma viela com um menino que parece ter um ano.

Ele está num dos braços dela. A mulher leva duas sacolas. Numa delas, a bomba com detonador que aciona quando chega perto de alguns soldados. Dois ficam feridos, além de outras pessoas que passavam pelo local. Mulher e criança desaparecem na explosão.

Usar um bebê, possivelmente o próprio filho, para cometer um atentado suicida é um ato de perversidade moral tão inconcebível que põe em dúvida não só a sanidade dos envolvidos diretos, incluindo os fanáticos que incentivam esse tipo de abominação, quanto o próprio futuro do Iraque.

Mesmo que o Estado Islâmico seja expulso de suas bases – primeiro, Mosul; agora, Raqqa -, é possível esperar que alguma coisa positiva aconteça no Iraque e na Síria?

PROVA DE LEALDADE

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A importância da derrota militar dos ultrafundamentalistas não deve ser subestimada. Expulsar o Isis do território conquistado com incrível facilidade exigiu incríveis dificuldades. Mosul foi praticamente destruída.

Devido aos problemas operacionais  das diferentes forças iraquianas e da tática dos extremistas do Isis de usar os civis como escudos humanos, cada pedaço da cidade foi arrancado a poder de bombardeios aéreos americanos.

Os suicidas atacavam em ondas sucessivas, com tanta frequência que, quando conseguiram escapar, os homens adultos que ainda estavam entre a população civil tiveram que andar entre os escombros só de roupa de baixo, para não ser confundidos.

Nos momentos finais, soldados iraquianos viram combatentes do Estado Islâmico se jogando no Tigre, o legendário rio que atravessa a cidade, para tentar uma travessia a nado. E continuar a luta.

A mulher-bomba não foi um caso excepcional. As “leoas do Isis” resistiram de armas na mão e filhos em volta. Imolar crianças virou a prova final de lealdade.

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Tudo o mais empalidece diante disso. Mas outro ato de brutalidade extrema merece ser lembrado: a destruição da mesquita de Al-Nuri, venerada pela importância religiosa e histórica. A mesquita tinha 850 anos e era conhecida pelo minarete ligeiramente inclinado, igualmente derrubado.

ABU ROLEX

É importante ressaltar que os fanáticos do Estado Islâmico destruíram muitas mesquitas e lugares de peregrinação dos xiitas, que consideram hereges. Mas dinamitar uma mesquita sunita é outro ato inconcebível. Além de matar seus filhos, eles destroem seus próprios lugares santos.

Com o detalhe que foi em Al-Nuri que o líder do Isis, conhecido pelo codinome de Abu Bakr Al-Baghdadi, apareceu fantasiado de califa, com um relógio de marca no pulso. Daí o outro apelido que ganhou, Abu Rolex.

Fantasiado porque ele não tinha cacife para se proclamar a autoridade suprema de todos os muçulmanos. Mas, durante os últimos três anos, a conquista territorial, os atos de grotesca teatralidade como decapitações e outras execuções monstruosas, a adesão em massa de militantes locais e provenientes de todos os continentes e a aura heróica criada em torno de Al-Baghdadi realmente faziam antecipar uma expansão de seu “califado”.

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Abu Rolex agora vive escondido, provavelmente com menos tempo para desfrutar das violências sexuais cometidas contra meninas e jovens da religião yazidi.

Outra vítima de estupro do califa de araque, segundo relato de uma yazidi que conseguiu escapar, foi a americana Kayla Mueller. Ela foi sequestrada em 2013, em Alepo, onde estava para ajudar vítimas da guerra civil síria, e dada de “presente” a Al-Baghdadi. Morreu num bombardeio aéreo em 2015.

PRÓXIMO TESTE

Além da derrota militar do Isis, outro acontecimento da semana dá um pouquinho daquela esperança que sempre costuma ser desmentida pelos fatos. O acordo entre Estados Unidos e Rússia sobre uma zona de segurança na Síria cria um alívio imediato, mesmo que parcial. Também pode ser um primeiro e fundamental passo para uma futura solução negociada.

Síria e Iraque, mesmo que pacificados, não serão os mesmos países de antes. Ou seja, o famoso, ou infame, acordo Sykes-Picot, que definiu a partilha da influência britânica e francesa e as fronteiras desenhadas conforme as conveniências da época, está desfeito.

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Na prática, o Iraque já é dividido em três regiões com predominância de árabes sunitas e xiitas em duas delas, e curdos sunitas na mais independente. Todos estes componentes enfrentam-se e se aliam, entre si e e entre as próprias fileiras, o tempo todo.

O próximo teste tem até data marcada: o plebiscito de setembro sobre a independência do Curdistão iraquiano, uma bomba na integridade territorial do Iraque.

A artificialidade das fronteiras traçadas pelo acordo Sykes-Picot, sacramentado e até ampliado pela Conferência de Paz de Paris, em 1920, costuma ser exageradamente dada como causa do estado praticamente permanente de conflito e atraso do Oriente Médio nos últimos cem anos.

Em geral, é a visão  histórica simplificadora e redutora que atribui todos os males do mundo ao “imperalismo”. Mas também não é recomendável ignorar suas consequências – que, por sinal, foram antecipadas pelos mais importantes agentes envolvidos, entre os quais o mais conhecido é o inglês T.E. Lawrence, o Laurence da Arábia.

AGENTE NO BRASIL

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No livro Lawrence in Arabia, o autor americano, Scott Anderson, escreve: “Na última sentença de sua autobiografia, William Yale se referiu à Conferência de Paz de Paris como ‘o prólogo da tragédia do século 20’. Yale serviu como especialista em assuntos de Oriente Médio da delegação americana em Paris e, como Lawrence, empenhou muitos esforços para obter uma paz sustentável na região.”

“Como (aconteceu com) seu correspondente britânico, ao qual algumas vezes se alinhava, estes esforços foram frustrados em todas as instâncias.”

O livro de Scott Anderson tem um interesse adicional para os brasileiros. Ele recompõe a trajetória do adversário alemão de Lawrence nas disputas por influência no Oriente Médio, o diplomata, espião e conspirador Curt Prüfer.

É o mesmo Prüfer que, totalmente convertido ao nazismo, seria o último embaixador alemão no Brasil antes da ruptura de relações e, depois, declaração de guerra entre os dois países, em 1942.

A dubiedade política de Getúlio Vargas acabou rapidamente diante da realidade dos fatos na Europa e dos erros diplomáticos da Alemanha. Os alemães, tratados como aliados, viraram “alemães”, ou inimigos.

Ao fim da II Guerra, Prüfer, depois de simular a própria morte em 1945, reencarna como Pruffer e reaparece na Índia, dando um curso para futuros diplomatas locais. Um espião britânico pegou-o no flagrante por acaso.

A história, muitas vezes, não perdoa. Como será julgada a mulher que se explodiu com um bebê nos braços em Mosul?

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