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Um petista a caminho da FAO

José Graziano, ex-ministro do controverso Fome Zero, é um dos favoritos à direção mundial do órgão da ONU para a agricultura e alimentação

Por Ana Clara Costa
25 jun 2011, 10h04

Acontecerá neste domingo, em Roma, a eleição do novo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Entre os favoritos para assumir o cargo em um mandato de um pouco mais de três anos está o petista José Graziano da Silva, ex-ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome do Brasil – pasta criada em 2002, com a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto, para pilotar o programa Fome Zero – que posteriormente fracassou.

O lobby de Lula – Com a benção de Lula, Graziano está em campanha há mais de um ano para chegar ao topo do burocrático organismo internacional. Desde 2006, ele desempenha a função de representante oficial da FAO na América Latina – posto ocupado graças à indicação do ex-presidente e que o obrigou a se mudar para Santiago, no Chile, onde está o escritório regional do órgão. Graziano, o primeiro brasileiro a assumir uma candidatura oficial ao cargo diretivo, tem grandes chances de sair vencedor, sobretudo por conta do apoio dos países africanos e do esforço que Lula vem fazendo nos bastidores.

No final de 2010, enquanto preparava a entrega da faixa presidencial, Lula aproveitou para articular com o Itamaraty diversos eventos internacionais com o objetivo de amealhar apoio à candidatura de Graziano – esforço que, aliás, a presidente Dilma tem se esquivado de assumir. No início desta semana, às vésperas da eleição, o ex-presidente assinou um artigo publicado no jornal inglês The Guardian, reiterando o apoio ao amigo e colega de partido. “Com a candidatura brasileira de Graziano da Silva para a FAO, o Brasil reafirma seu compromisso com a agenda universal do combate à pobreza e à fome”, escreveu.

O fator África – Engenheiro agrônomo graduado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), além de mestre e doutor em economia pela USP e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Graziano tem percorrido o território africano (com e sem Lula) para expor seu programa de gestão no comando da FAO – em uma caminhada que já leva mais de um ano. A escolha da África não é aleatória. O ex-ministro sabe que o colégio eleitoral africano é atuante e tem grande poder decisório. Exemplo disso é que o atual presidente do órgão, que ocupa o cargo há 17 anos, Jacques Diouf, é senegalês.

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Entre os principais atributos que causam a simpatia dos africanos à candidatura do ex-ministro é o próprio Fome Zero, que levou apenas um ano para nascer e ser sepultado politicamente. Evidente fracasso no Brasil – devido a um misto de ideias equivocadas, planejamento ruim e falta de transparência -, o programa obtém surpreendente repercussão positiva no continente. “Em lugares onde há muita fome, as pessoas se impressionam com programas assim”, afirmou ao site de VEJA o ex-ministro e economista Reinhold Stephanes.

Outro fator benéfico à candidatura de Graziano, na avaliação de André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), é o conhecido discurso brasileiro de inclusão. “O Brasil adotou, nos últimos anos, a postura de que está sempre pensando nos outros países, no bem-estar mundial. Isso faz parte da estratégia para alcançar cargos de liderança em organismos mundiais”, afirma.

Mudança de postura – Para conseguir circular no meio internacional – e agradar também aos países desenvolvidos -, Graziano teve de abrandar seu discurso. De uma ingênua (e eloquente) defesa da agricultura familiar como única forma de estancar a fome no mundo, o ex-ministro passou a defender que é preciso lançar mão de várias formas produtivas para garantir a segurança alimentar – como, por exemplo, buscar alianças com grandes corporações agrícolas. “Erradicar a fome é uma meta possível e completamente compatível com o desenvolvimento econômico”, afirmou Graziano logo após a oficialização de sua candidatura.

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Tal mudança, porém, ainda de nada lhe serviu para ganhar o voto declarado dos europeus. Até o momento, sua base aliada conta com 33 países latino-americanos e caribenhos e 52 africanos, num total de 191 votantes. No entanto, segundo o jornal francês Le Figaro, em artigo publicado nesta sexta-feira, esta contabilidade pode não ser um obstáculo. “É esperado que o órgão retorne às mãos de um país emergente, e o Brasil não deixa a desejar. Ainda mais se a Europa já está segura que levará a direção-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) com Christine Lagarde”. Concorrem com o ex-ministro o espanhol Miguel Ángel Moratinos; o austríaco Franz Fischler; o indonésio Indroyono Seoselio; o iraniano Mohammad Saeid Noori Naeini; e o iraquiano Abdul Latif Rashid.

Perfil político causa dúvida – Apesar de ter um currículo acadêmico compatível com o cargo que almeja e nenhuma relação (até hoje comprovada) com a maré de corrupção que inundou o alto-escalão petista ao longo dos últimos anos, José Graziano possui trânsito político limitado. Circulou por Brasília apenas entre 2002 e 2004, como ministro e, logo depois, assessor da Presidência da República. Fora desse período, permaneceu na discrição acadêmica que seu cargo de professor titular da Unicamp lhe permitia.

A FAO, como órgão excessivamente engessado – “um dinossauro gordo”, segundo o ex-ministro Stephanes – , exige um líder com traquejo político suficiente para tentar atuar de maneira prática nas questões agrícolas que, cada vez mais, preocupam a sociedade (vide o exemplo do G20 Agrícola, ocorrido em Paris na última semana). Este não parece ser o caso de Graziano. Durante sua curta experiência no governo Lula, o ex-ministro caiu tão rápido quanto os outros colegas de partido que participaram de pastas ou projetos de cunho social, como Benedita da Silva, Ana Fonseca e Frei Betto. Seu “grande feito”, o Fome Zero, tornou-se um mero selo na máquina de marketing que é o Bolsa Família. Caberá ao ex-ministro a delicada tarefa de mostrar que consegue sair da sombra do amigo Lula, caso lhe concedam o prestigioso título de diretor-geral. Se vencer, no entanto, não contará com a presença de seu grande garoto-propaganda na cerimônia de posse, em Roma. Após o caso Battisti, Lula não ousa passar perto da fronteira italiana. Já avisou, por meio de seus assessores, que não estará presente.

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